Acusado de se ter deixado subornar pelo ex-vice-presidente de Angola e antigo presidente da Sonangol, Manuel Vicente, Orlando Figueira admitiu que a intenção da Operação Fizz visou "tocar" Cândida Almeida, que "criou o DCIAP" e esteva na calha para ser Procuradora-Geral da República (PGR) antes de ser "ultrapassada pela direita" por Joana Marques Vidal.

Respondendo a perguntas de João Correia, advogado do arguido Paulo Blanco, Orlando Figueira argumentou que após a saída de Cândida Almeida e de outros magistrados do DCIAP, entraram outras pessoas, houve uma auditoria, detetaram-se falhas (desaparecimento de escutas e documentos) e depois houve "a noite das facas longas", com o jantar de despedida de Cândida Almeida pelo meio.

"Cândida Almeida sempre vestiu a camisola do Ministério Público a 100%. Sempre pôs a mão por baixo de todos os magistrados, mesmo em despachos que terminavam em perguntas [numa eventual alusão ao Freeport]", disse o arguido, que considerou ter havido um ajuste de contas, pois Cândida Almeida e Joana Marques Vidal são de "áreas políticas diferentes".

Ainda em resposta a questões de João Correia, o arguido concordou com a imagem sugerida pelo advogado de que o DCIAP terá sido o "cordeiro de Deus" e que Orlando Figueira "estava a jeito", por estar fora da magistratura.

Teoria da conspiração ou não, Orlando Figueira transmitiu assim a ideia que terá sido vítima de lutas internas no Ministério Público, insistindo que está inocente e que não conhece, nem nunca esteve pessoalmente com Manuel Vicente, o suposto corruptor ativo.

Quanto à sua saída do DCIAP para ir trabalhar para o setor privado, Orlando Figueira revelou que partilhou essa intenção, desde o início, não com os colegas do DCIAP, mas com o seu amigo de há 30 anos, o juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa.

Carlos Alexandre terá dito a Orlando Figueira que este "estava doido", pois estava "há 20 anos" na magistratura.

O ex-procurador garantiu que não revelou a Cândida Almeida para onde ia trabalhar, tendo a então diretora do DCIAP perguntado se Orlando Figueira ia trabalhar para o Estado angolano ou para Álvaro Sobrinho, porque era isso que diziam as notícias nos jornais.

No depoimento em julgamento, Orlando Figueira declarou que respondeu que não a Cândida Almeida, mas sem precisar que ia trabalhar a convite do presidente do Banco Privado Atlântico, Carlos Silva, cujo advogado, disse, é Daniel Proença de Carvalho.

Na sessão da tarde, Orlando Figueira prestou ainda esclarecimentos sobre os contratos-promessas de trabalho, o desejo de ir trabalhar para Angola e as conversas que manteve com o alto quadro do BCP José Iglésias Soares, que tinha sido administrador em várias empresas de Carlos Silva.

O processo Operação Fizz, que tem ainda como arguidos o engenheiro Armindo Pires e o advogado Paulo Blanco, assenta na acusação de que Manuel Vicente corrompeu Orlando Figueira, com o pagamento de 760 mil euros, para que este arquivasse dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.

Manuel Vicente foi acusado de corrupção ativa, mas o seu processo foi separado da Operação Fizz no início do julgamento, na passada segunda-feira, numa altura de grande tensão nas relações diplomáticas entre Angola e Portugal e vários apelos públicos ao desanuviamento das mesmas.