“Na qualidade de principal lesado de um direito fundamental e universal inerente ao Estado de Direito a que se chama de juiz natural, solicito ao Conselho que me seja facultado o referido relatório inicial, bem como o relatório que o complementou e do qual resulta a conclusão de não se terem apurado quaisquer factos novos”, escreve o antigo governante e principal arguido no processo Operação Marquês numa carta enviada ao CSM.
A carta de José Sócrates, a que a Lusa teve hoje acesso, surge dois dias depois de o CSM ter aprovado um inquérito que confirma não ter havido quaisquer irregularidades na distribuição de processos no TCIC, onde, entre outros, tramitou o caso Operação Marquês.
Na terça-feira, em comunicado, o CSM referiu que "apreciou e aprovou" em reunião plenária o inquérito para "aferir da existência de irregularidades na distribuição de processos do TCIC, não se tendo ali apurado quaisquer factos novos que levassem a rever ou a modificar a anterior deliberação do CSM de 05 de fevereiro de 2019, que concluiu pela inexistência de qualquer infração disciplinar".
Contrariando esta posição, José Sócrates considera, na mesma carta, que existem “pelo menos três factos novos”, que não podem ser “imediatamente afastados por lacónicos comunicados de imprensa” do CSM.
Segundo o antigo primeiro-ministro, os "novos factos" são o tribunal ter declarado a “distribuição nula e ilegal”, estar “aberto um inquérito criminal na sequência da extração de uma certidão” e o tribunal de instrução ter verificado que uma “anterior afirmação desse Conselho - a de que a distribuição foi “manual por não poder ser eletrónica dados os problemas de funcionamento que determinaram o encerramento do Citius em setembro de 2014” – não corresponde à verdade”.
“O que está em causa objetivamente é a grave suspeita de que poderá ter existido uma viciação intencional da distribuição do processo e da escolha de um juiz”, adianta ainda José Sócrates, para quem a atribuição manual do processo, “não só é uma expressão sem cobertura em nenhum texto legal, como parece um simples expediente usado para que o juiz não fosse sorteado, mas escolhido arbitrariamente”.
Na mesma carta, o antigo governante considera ainda ser “falso” que o sistema Citius estivesse inoperacional para fazer a distribuição eletrónica do processo, alegando que este argumento “desabou com estrondo depois da resposta do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça recebida nos autos”.
“O argumento da inoperacionalidade do Citius nunca passou de uma desculpa que parecia verosímil e que, afinal, se revelaria completa e documentalmente errado”, refere José Sócrates, que conclui que a “atribuição manual é ilegal e injustificável”.
“Resulta absolutamente evidente que a dita “atribuição manual” do processo Marquês no dia 9 de setembro foi realizado em violação da lei e sem nenhuma razão operacional que o pudesse justificar”, afirma o ex-primeiro-ministro, ao referir que “um simples sorteio eletrónico que demora uns minutos bastaria” para a lei ser cumprida.
José Sócrates é o principal arguido da Operação Marquês e acabou pronunciado para ser julgado não pelos crimes de corrupção de que estava acusado pelo Ministério Público, mas por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos.
A defesa de José Sócrates já pediu a nulidade da pronúncia, alegando que os seis crimes imputados ao ex-primeiro-ministro "são outros, novos, diferentes, opostos e contraditórios" relativamente aos factos da acusação.
Em 26 de abril, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou à Lusa que a distribuição do processo Operação Marquês na fase de investigação, em 2014, deu origem a um inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, após o juiz Ivo Rosa ter mandado extrair uma certidão.
"A certidão em referência deu origem a um inquérito que corre termos no DIAP de Lisboa", indicou a PG.
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