Na segunda-feira, quando o coração do monarca D. Pedro I no Brasil (IV em Portugal) chegou a Brasília, o parlamentar, que preside à Comissão Especial Curadora do Senado para o Bicentenário da Independência do Brasil, enviou um ofício ao Presidente, Jair Bolsonaro, pedindo informações sobre os custos totais envolvidos no translado do órgão, dando um prazo até cinco dias.
"Sem prejuízo da relevância das comemorações solenes ao bicentenário da independência, é preciso mais que nunca sinalizar sobriedade e comedimento nos gastos públicos, seja pelo estado de penúria económica generalizada que o país atravessa”, frisou a petição de Rodrigues.
“Seja pelo risco de abuso da máquina pública que ronda o uso político desta solenidade para fins de promoção pessoal em pleno calendário eleitoral", acrescentou o senador.
A relíquia é guardada na igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, no Porto, há 187 anos, mas chegou ao Brasil na segunda-feira (22) e ficará no país até 8 de setembro.
Além da reação do líder da oposição, a presença destes restos mortais de D. Pedro IV gerou protestos públicos de personalidades como a antropóloga e autora de vários livros sobre a história do Brasil Lilia Schwarcz, que escreveu um longo texto no Instagram contra o uso político do coração de D.Pedro.
“Em 1972 veio o corpo de D. Pedro I. Já foi um fiasco pois o corpo do Imperador não coube no jazigo e ficou quatro anos numa mesa. Mas agora é pior: o coração é só emprestado. O órgão morto será saudado como se o próprio D. Pedro — que renunciou em 1831 no auge da sua impopularidade — estivesse de volta”, escreveu.
“Chega a ser grotesco o programa do Governo. Está prevista ainda uma cerimónia no dia 6 de setembro com chefes de Estado dos países de língua portuguesa, com a presença do Presidente de Portugal. Vergonha!”, acrescentou na mesma publicação, que apresenta um quadro de D. Pedro pintado por um artista desconhecido em 1834, acrescido da frase “deixe meu coração em paz”.
Luiz Antônio Simas, escritor, professor e historiador brasileiro, usou a sua conta nas redes sociais para ironizar a viagem do órgão, defendendo que “já que o coração de D. Pedro chegou - e considerando que a invasão napoleónica trouxe a corte portuguesa para cá [Brasil] e marcou o início do processo de independência - sugiro que tragam também para as celebrações o pénis de Napoleão Bonaparte.”
A deputada federal de oposição Talíria Petrone escreveu no Twitter que num “Brasil marcado pelo colonialismo e pela falsa abolição, a chegada do coração de D. Pedro I e o empenho do Governo federal em trazê-lo é o retrato do que Bolsonaro fez com o país: ao invés de investir energia nas demandas do povo, insiste em fazer acenos ao passado!”
As redes sociais também foram usadas para divulgar 'memes' (imagens humorísticas) satirizando a viagem e a exposição do órgão, que foi recebido na terça-feira numa cerimónia no Palácio do Planalto pelo Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
Um 'meme' mostrava uma foto de um frasco vazio e a frase: “dizem que em agradecimento ao coração de D. Pedro, o Planalto [Governo brasileiro] vai enviar a Portugal o cérebro de ‘Bozonaro’. Imagem abaixo.”
Ignorando as críticas da oposição, porém, perfis nas redes sociais que promovem o Presidente brasileiro como “TV Bolsonaro 22” e apoiantes publicaram nesta quarta-feira um vídeo filmado na véspera, quando Bolsonaro recebeu o órgão numa cerimónia oficial com honras de chefe de Estado.
As imagens mostram o Presidente brasileiro com dezenas de crianças que acompanharam a cerimónia de apresentação dos restos mortais de D. Pedro gritando a palavra ‘mito’ ao referirem-se ao chefe de Estado.
Conservado em formol dentro de um recipiente de vidro e, este, dentro de um escrínio de prata dourada, o coração D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal, regressará à cidade do Porto em 09 de setembro, ficando novamente em exposição nos dias 10 e 11, antes de voltar a ser guardado a cinco chaves.
Antes de viajar temporariamente para o país sul-americano, que se tornou independente de Portugal em 1822, sob a liderança de D. Pedro que se tornou o primeiro imperador do Brasil, o coração do "rei soldado", foi conservado no Porto desde fevereiro de 1835 e raras vezes saiu do mausoléu da capela-mor da igreja da Lapa.
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