"A OA é totalmente favorável à adoção de medidas de combate à corrupção, uma vez que a corrupção constitui um crime gravíssimo que mina o Estado ao colocá-lo ao serviço de interesses particulares. No entanto, entendemos que o combate à corrupção não se pode fazer à custa do Estado de Direito, pelo que a OA não poderá apoiar medidas de combate à corrupção que ponham em causa as regras de processo penal e os direitos dos cidadãos", referiu à Lusa Luís Menezes Leitão.
O bastonário manifestou preocupação com algumas das medidas da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) que foram anunciadas, designadamente a proposta que diz ser de delação premiada (instituto que visa premiar ou isentar de pena quem denuncie crimes cometidos no seio de uma determinada organização ou empresa).
"A OA está, em primeiro lugar, frontalmente contra a medida proposta de delação premiada (ainda que o Ministério da Justiça não assuma o seu nome) no âmbito do processo penal, facilitando dispensas de pena ou acordos de sentença em relação às penas de corruptos que denunciem outros corruptos", justificou Luis Menezes Leitão.
Segundo o bastonário, parece à OA especialmente grave que essa negociação seja feita pelo Ministério Público (MP) e que o juiz fique vinculado à mesma, o que implica o abandono do princípio da legalidade na esfera penal e a sua substituição por um princípio de oportunidade, ficando o MP livre para escolher quem pretenda processar criminalmente.
"Isto só vai servir é para estimular a negociação com arguidos em que os mesmos entregarão bodes expiatórios por eles escolhidos às autoridades, para escaparem eles próprios à ação da justiça. Quando assistimos na esfera pública ao anúncio de que, ainda antes da aprovação destes diplomas, as autoridades já estão a promover acordos com arguidos no intuito de terem acesso a prova ilícita, vemos com grande preocupação que se queira facilitar ainda mais estes acordos através da alteração ao atual regime legal", argumentou Luís Menezes Leitão.
O bastonário referiu que a OA também não vê "com bons olhos" a anunciada criação de um mecanismo anticorrupção, com poderes de iniciativa, controlo e sancionamento e com atribuições ao nível da recolha e tratamento de informação e da organização de programas de atividades entre entidades públicas e entidades privadas relacionados com a corrupção.
Isso - disse - "faz lembrar a velha Alta Autoridade contra a Corrupção, que existiu entre 1983 e 1993, e que foi totalmente ineficaz no combate a esse flagelo". ~
Nas palavras do bastonário, a corrupção é um crime e deve ser sancionada como tal, sendo investigada pelos órgãos de polícia criminal e pelo MP no âmbito do processo penal, pelo que, em vez de se "criar novos órgãos administrativos o que se deve fazer é reforçar os quadros dos investigadores criminais e dos magistrados".
Entretanto, a separação de processos na fase de investigação, evitando megaprocessos, e a celebração de acordos sobre a pena aplicável em julgamento, com base na confissão integral dos factos pelo arguido, são duas das principais medidas que constam da ENCC.
A ministra da Justiça, Francisca van Dunem, realçou, contudo, que a "chave do problema" para enfrentar a corrupção está na prevenção, por se entender que o sistema repressivo, por mais sofisticado que seja, é " insuficiente para diminuir seriamente o fenómeno".
Porém, ao nível da repressão, a estratégia propõe alguns ajustes nos mecanismos que já existem em Portugal, como a dispensa de pena, a atenuação da pena ou a suspensão provisória do processo, com a ministra a salientar que se pretende que estas soluções sejam aplicadas na prática e auxiliem à investigação.
Ainda na esfera repressiva, a ENCC pretende reforçar a pena acessória de proibição do exercício de funções públicas aplicada a titulares de cargos públicos que cometam crimes de média ou alta gravidade, prevendo prazos mais longos de impedimento e tornando-a aplicável a titulares de cargos políticos, conforme consta de uma nota informativa distribuída aos jornalistas.
Ao nível da repressão da corrupção, apontou como "problemas complexos" o conhecimento tardio dos factos ilícitos, a dificuldade de quebrar os "pactos de silêncio" e a tendência relacionada com a elaboração de "processos de grande dimensão", uma expressão que diz preferir em desfavor do termo "megaprocessos".
Quanto aos megaprocessos, a ministra adiantou que a intenção é interferir ao nível das regras de conexão processual, por forma a permitir que, em certos contextos, seja possível "fazer cessar a conexão de processos", sendo assim "possível trabalhar com matérias mais reduzidas".
Relativamente à possibilidade de se celebrar acordos sobre a pena aplicável, durante o julgamento, isso implicará - explicou - que se verifique a confissão integral e sem reserva dos factos. Tal permitirá ao arguido e ao MP "negociar a pena aplicável com dispensa de produção de prova relativamente aos factos". Assim, acrescentou, o "tribunal só terá que fazer prova relativamente à culpabilidade do agente".
A ministra vincou que relativamente à delação premiada a "questão não se coloca", porque "não é da delação premiada que se está aqui a falar", mas apenas de um instituto que já existe no ordenamento penal português e que se está apenas a "aprimorar".
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