O Presidente angolano, João Lourenço, que falava em Lisboa, permitiu a intervenção, mas não autorizou que declamasse o poema, considerando, pouco depois, questionado pelos jornalistas, que o caso de 27 de maio de 1977 é “um dossiê delicado” que ainda apresenta “feridas profundas” na sociedade.
“Peço desculpa, eu sou órfã do 27 de maio, desculpe comandante”, começou por dizer Ulika dos Santos, dirigindo-se ao Presidente angolano, aproveitando uma pergunta de uma jornalista portuguesa sobre os acontecimentos daquela data.
“Sozinha [Ulika, em língua nacional umbundo], há 41 anos nós temos vindo a atravessar este silêncio ensurdecedor por parte do Governo angolano”, disse Ulika dos Santos, filha de Adelino António dos Santos, então dirigente da juventude do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, partido no poder desde 1975).
“Posso ler o poema pela memória do meu pai? Tive de fugir do meu país devido ao risco de morte do meu pai”, insistiu.
O Presidente angolano ainda deu instruções à segurança para que a deixassem acabar a intervenção, mas não autorizou que declamasse o poema, por se tratar de uma conferência de imprensa, com dezenas de jornalistas portugueses e angolanos.
No final da conferência de imprensa, Ulika foi levada pelos serviços de segurança, enquanto repetia, em lágrimas: “Não estou armada, só vim para ler um poema ao meu Presidente”.
Respondendo à pergunta dos jornalistas, João Lourenço assumiu que o 27 de maio de 1977 “é um dossiê delicado”, porque “naquela ocasião Angola perdeu alguns dos seus melhores filhos”.
“O Estado angolano já reconheceu em diversas ocasiões, a última das quais muito recentemente, há dias atrás, na voz do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, (…) ter havido excessos por parte do Governo naquela altura e estamos abertos ao dialogo para vermos de que forma, não obstante terem passado décadas deste triste acontecimento, como podemos reparar as feridas profundas que ficaram nos corações de muitas famílias”, concluiu o chefe de Estado.
A 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves - então ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime do então Presidente angolano, António Agostinho Neto.
Seis dias antes, a 21 de maio, o MPLA expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo, paralelamente o controlo da estação da rádio nacional, ficando conhecido como "fracionistas".
As tropas leais a Agostinho Neto, com apoio de militares cubanos, acabaram por estabelecer a ordem e prenderem os revoltosos, seguindo-se, depois, o que ficou conhecido como "purga", com a eliminação das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional (AI) em vários relatórios sobre o assunto.
Esta visita de Estado de três dias, que termina hoje, é também a primeira do género de um Presidente angolano a Portugal desde 2009, e envolveu a assinatura de 13 acordos entre os dois governos, tendo João Lourenço anunciado ainda que o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, visitará Angola em 2019.
Durante a visita, João Lourenço disse antever "um futuro promissor" nas relações entre Portugal e Angola, e prometeu um “clima desanuviado” nas relações entre Luanda com Lisboa.
A visita de Estado termina hoje e o Presidente regressa a Luanda no domingo.
[Notícia atualizada às 14:53]
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