"Os minutos passavam, as jogadas eram disputadas, a rede ia balançando. Mas das bancadas só se ouviu um silêncio que se foi transformando aos poucos num pio fantasmagórico. É o que acontece quando não há ambiente criado por quem faz a festa, os adeptos."
Escrevi estas linhas há mais de um ano aquando do regresso da Bundesliga, o campeonato alemão de futebol. Foi o primeiro a fazê-lo. Antes da bolha da NBA, antes de muitos outros seguirem o seu caminho. Estávamos em maio e o internacional português Raphael Guerreiro esteve em evidência, marcando dois dos quatro golos da vitória por 4-0 do Dortmund ao Schalke, no dérbi de Bruh. Era uma altura com muita fome de bola — não é preciso recordar que o mundo parou e o desporto com ele.
Não me lembro do jogo nem tampouco dos golos, apesar de ter sido uma goleada das antigas. Mas recordo que os "ecos de pavilhão" foram ensurdecedores. "É futebol em modo jogo-treino e não futebol a valer", escrevi na crónica de então. Sem que o soubesse na altura, habituar-me-ia (demasiado) a eles. Os ecos que causavam surdina ao cérebro começaram de súbito a fazer parte da rotina de ver um jogo.
Dei por mim — estupidamente, assumo — que talvez fosse melhor assim, sem ninguém para chatear ou assobiar. Sem ninguém a fazer pressão nos árbitros, sem confusão nas bancadas, só a ver bola. Até que ontem me voltei a aperceber das saudades que tinha de ouvir os cânticos e as vozes que dão vida às bancadas. (Os verdadeiros, não os sons gravados de adeptos a cantar que alguns canais acharam por bem, sabe-se lá porque razão, chapar nas transmissões.)
É facto que os adeptos já voltaram a ocupar as cadeiras dos estádios de futebol há algum tempo e até já se disputou um Europeu com multidões nos recintos a berrar e a cantar. É facto que já ouvimos vezes sem conta este comentário ("é bom ver o público outra vez nas bancadas") nos últimos meses. É facto que alguns jogos em Portugal já tinham tido público nas bancadas em teste-piloto. Mas também é facto que só ontem é que o nosso campeonato voltou a ter adeptos na bancada como manda a regra.
O assunto que hoje abordo parece desatualizado — na era da Internet tudo com mais de 24 horas parece estar datado e pronto a ganhar pó na biblioteca digital —, mas a julgar pelas palavras de Pedro Gonçalves (jogador do Sporting) e de Lucas Veríssimo (defesa do Benfica) não creio que assim seja. De todo.
"Nos primeiros minutos estava meio desorientado. Era um barulho a que eu já não estava habituado. Nos primeiros minutos não me estava a adaptar muito bem mas depois o jogo vai decorrendo e vou-me adaptando", explicou o goleador leonino na flash no final do jogo.
Quem viu os dois golos — golaços — que marcou poderá não ter dado por isso. Só que depois o Google entra em ação e damos conta que a esmagadora maioria dos jogadores do nosso campeonato está há mais de um ano a jogar em estádios despidos. Mais concretamente, há 17 meses que os adeptos leoninos não iam a Alvalade. Ontem tiveram finalmente a oportunidade de o fazer.
Só que não é só quem sofre do sofá pelo clube do coração que está ansioso por voltar à cadeira dos campos. Os artistas também o desejam. Lucas Veríssimo, por exemplo, nunca tinha jogado com as cores das águias diante dos seus adeptos, apesar de já ter disputado quase 20 jogos (oficiais) pelo Benfica. Foi preciso esperar praticamente seis meses. "O seu apoio é muito importante. Foi hoje e tenho a certeza que será durante a temporada toda", explicou o central, que este sábado até marcou um golo na vitória suada dos encarnados.
É certo que os recintos só terão permissão para encher 33% da lotação, mas o que importa frisar é que a experiência é logo outra. Um lance já não é apenas um lance. Uma disputa já não é somente uma disputa. É que agora já não é só o treinador no banco a ralhar instruções, a espernear por cada golo falhado ou a festejar cada jogada bem executada. Há que prestar contas ao adepto — que vai cobrar se não vir a camisola encharcada ou pingos de suor a cair pelo nariz. E ainda bem.
Portanto, caros adeptos, sejam bem-vindos. Sentimos a vossa falta.
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