A época de caça ao pato abriu no domingo e a ilha da Morraceira, junto à Figueira da Foz, espaço natural com 600 hectares onde coexistem salinas (embora várias em pousio) e pisciculturas, mas também uma zona de caça associativa, voltou a ser destino obrigatório de caçadores da região.

Bem no coração da ilha, quase no seu extremo nascente, equidistante dos braços norte e sul do Mondego, em zona húmida de sapais e canaviais, situa-se a zona de caça concessionada ao Clube de Caçadores do Vale do Mondego. Pela manhã, a reportagem da Lusa foi ao encontro de Nuno ‘Chumbo’ – o apelido pelo qual é conhecido não consta da sua identificação oficial, antes vem do pai, avô e bisavô e não tem a ver com a caça, apesar dos antepassados serem todos caçadores – que, apesar da chuva que caía insistentemente, logrou abater três patos, metade do limite diário imposto a cada caçador.

“Na caça propriamente dita, a covid-19 não tem influência, aqui não há perigo, há muito espaço e as pessoas estão separadas e muito longe umas das outras. Onde afetou foi na altura do confinamento, em que as assembleias dos clubes tiveram de ser todas adiadas. E também afeta o convívio no final, gostamos de nos juntar, mas temos evitado isso”, afirma Nuno Chumbo.

O caçador, oriundo da povoação de Casal Verde, freguesia do Paião, a 15 km de distância da Morraceira, não caça em grupo, preferindo fazê-lo em modo solitário, mesmo se a opção lhe impõe meia hora de percurso, sozinho e a pé (em terrenos onde predomina a água, lama e lodo), longe dos vários caminhos de terra que serpenteiam pela Morraceira, onde os participantes nas caçadas estacionam as viaturas.

“Gosto da companhia de toda a gente, mas sou caçador solitário. Toda a gente gosta de levar caça para casa, mas o prazer maior é saber o que estamos a fazer e usufruir do momento. Ao estar sozinho, ou mato ou erro, mas sei sempre que fui eu”, argumenta Nuno.

Para este caçador, o ato de caçar na Morraceira não se resume a “matar por matar” patos, é necessário saber o que se está a fazer e cumprir as regras associadas à caça.

“Por exemplo, há muitas zonas de refúgio onde os patos criam. Hoje, apareceram poucos patos, porque se refugiaram nos sítios onde não se pode caçar, nas salinas e pisciculturas e tem de ser mesmo assim, não se pode matar até ao último, porque a caça é para continuar”, nota.

“Quem é caçador tem de perceber essa parte. A mentalidade de há uns anos para cá mudou muito, as pessoas respeitam mais a caça, fazem por ter esse respeito, é a ideia que eu tenho”, garante Nuno Chumbo.

Por outro lado, lembra que na caça “nada é garantido”.

“Há muita coisa que tem influência, se está mau tempo ou não, o vento, ou a zona de passagem [dos patos em voo], que muitas vezes não é a mesma. Os patos têm muita defesa e são inteligentes, o pato é das espécies mais desconfiadas que existe e depois têm um poder grande, voam, têm essa vantagem”, brincou.

No relato feito sobre as especificidades e dificuldades da atividade venatória, Nuno Chumbo acaba por comparar a caça ao futebol: “O caçador tem de conhecer muita coisa e há muitos pormenores que fazem a diferença. E não é para qualquer um, isto é como no futebol, há aqueles que nascem para isto e os que vão treinando e nunca chegam lá”, ilustrou.

Nuno Chumbo caça acompanhado da cadela “Cesa”, que invariavelmente recolhe, muitas vezes dentro de água, o animal abatido pelo dono. “Cesa”, abreviatura de Princesa, pela necessidade de ter “um nome mais curto e mais fácil de prender a atenção”, teve “muitas horas de treino”, geralmente em época de defeso da caça, para conseguir cumprir a função.

“Os caçadores têm muito a fama de abandonar os cães. Mas esta cadela estava abandonava, não andava, era para ser morta e resgatei-a. É muito simpática e meiguinha e hoje apanha patos”, assinala.

Ali perto, mas dentro de água, com esta pelos joelhos, está Pedro Amaro, amigo de Nuno e também participante habitual nas caçadas aos patos na Morraceira. Mas desta vez há de retornar a casa, na freguesia de Quiaios, no norte do concelho, de mãos a abanar.

Perante a reportagem da Lusa, um pato passa vários metros acima do local onde Pedro está, Nuno Chumbo alerta-o com um berro, mas o caçador falha o tiro. Já em seco, justifica o porquê de sair da Morraceira sem qualquer pato abatido.

“Isto implica madrugar muito cedo [por vezes ainda noite alta] para garantir os melhores locais. Hoje, estive a trabalhar, vim tarde [pelas 09:00] e não matei nada. No domingo sim, correu bem e fiz o limite máximo”, argumenta Pedro Amaro.

“É que os patos têm hora de chegar, têm crenças de passagem e é preciso estudar o hábito dos animais. E o pato foge e muito”, desculpa-se, com uma gargalhada.

Se reconhece que o mais difícil da função “é acertar nos patos”, a zona da Morraceira fascina-o: “Estou sempre dentro de água, já sou quase anfíbio. O terreno tem algumas armadilhas, é irregular, mas devagarinho e com algum cuidado anda-se bem”, explica Pedro Amaro.

Já com os caçadores de regresso a casa, acerca-se Paulo Jorge, primo e vizinho de Nuno e definido por este como “o maior matador de patos da região”, que também não conseguiu caçar qualquer pato.

“Foi muito mau, com a chuva está muito fraquinho, pouca caça”, alegou Paulo Jorge.

Sem lograr, desta vez, um único tiro certeiro, o “Grazina”, como é mais conhecido, acabou por ajudar o primo na caçada, garantindo-lhe o último dos três patos, já Nuno fazia o caminho apeado de regresso ao carro: “Gritei-lhe e foi só um tiro, [o pato] caiu logo”, observou.