Na entrevista, Francisco começou por responder a questões sobre a Jornada Mundial da Juventude 2023, em Lisboa, e garantiu ainda que o Papa vai estar presente. "Eu penso ir. O Papa vai. Ou vai o Francisco ou vai o João XXIV, mas vai o Papa", disse entre risos. "Seja o que Deus quiser", acrescentou, em entrevista de Maria João Avillez para a TVI/CNN Portugal.
De seguida, questionado sobre se a JMJ vai ser "um momento de reconciliação", considerando as questões e "dificuldades" discutidas quanto aos abusos na Igreja em Portugal, o Papa Francisco frisou que "o que acentua as dificuldades é a distância".
"Quando as distâncias se encurtam, quando as pessoas se aproximam, há diálogo, há discussões, talvez, mas não importa. Há diálogo e aí podemos construir uma reconciliação", afirmou.
Durante a entrevista, foi pedido ao Papa uma palavra que "ponha luz e reconciliação no caminho da Igreja portuguesa, que neste momento vive um momento muito difícil, até às Jornada da Juventude", ao que respondeu: "Olhem para a janela e perguntem se a tua vida tem uma janela aberta. Se não tiverem, abram-na o quanto antes. Não tenham vistas curtas. Saibam que estamos a caminhar para o futuro e que há um caminho. Não se fechem".
"Não se pode viver sem esperança, não se pode viver sem esse ímpeto positivo da esperança", disse.
O Papa afirmou ainda que o conselho que dá à Igreja portuguesa para se preparar para a Jornada Mundial da Juventude é que "abra a janela".
"Vejam além do nariz. Olhem, abram, olhem para o horizonte. E alarguem o coração", realçou.
"Tolerância zero" para os abusos sexuais
Quanto aos abusos sexuais na Igreja, o Papa lembrou que "um sacerdote não pode continuar a ser sacerdote se é abusador. Não pode. Porque é doente ou um criminoso, não sei", começou por dizer.
"O sacerdote existe para encaminhar os homens para Deus e não para destruir os homens em nome de Deus. Tolerância zero. E tem de continuar a ser assim", afirmou o Papa Francisco.
Referindo que os abusos sexuais são "uma monstruosidade", o Papa não comentou especificamente a realidade portuguesa, mas frisou que "ainda bem" que agora os casos são conhecidos.
"Mas o que não se sabe, porque ainda se esconde, é o abuso no seio da família. Não me lembro bem da percentagem, mas penso que são 42% ou 46% dos abusos que ocorrem na família ou no bairro. E isso esconde-se", disse.
O Papa Francisco defendeu ainda que "a cultura do abuso está muito disseminada" e que se vive atualmente numa "cultura abusadora".
"Quando falamos de abuso, eu diria que é preciso ter esta visão de conjunto. Procurar que não se escondam as coisas, porque nalguns sectores, como na família, tende-se a ocultar", disse.
Questionado sobre a questão do celibato, Francisco recusa que seja isso que leva aos casos de abuso sexual na Igreja. "O abuso é uma coisa destrutiva, humanamente diabólica. Nas famílias não há celibato e também ocorre. Portanto, é simplesmente a monstruosidade de um homem ou de uma mulher da igreja que está doente em termos psicológicos ou é malévolo e usa a sua posição para sua satisfação pessoal. É diabólico".
O Papa vai à Ucrânia?
Devido às questões de saúde, o Papa Francisco tem sido recomendado pelos médicos a diminuir as suas deslocações. Nesse sentido, para já não irá à Ucrânia — mas não descarta uma ida no futuro.
"Agora não posso ir porque depois da viagem ao Canadá a recuperação do joelho ressentiu-se um pouco e o médico proibiu-me: ‘Até ao Cazaquistão, o senhor não pode viajar’. Mas tenho mantido contacto, por telefone… E faço o que posso. E peço a toda a gente que faça o que puder. Entre todos, pode fazer-se alguma coisa. Acompanho com a minha dor e com as minhas orações tudo o que consigo. Mas a situação é deveras trágica", recordou.
"A visita está no ar. Ainda não sei. Estou a dialogar com eles", disse o Papa Francisco.
Apesar de não ir ao terreno, o Papa lembrou que três cardeais que são seus representantes já estiveram em Kiev desde que começou a guerra.
"Um deles foi três vezes e esteve lá toda a Semana Santa, e foi o subsecretário de Estado, o encarregado das relações internacionais. A minha presença lá [Kiev] é forte", disse.
Francisco sublinhou que tem mantido uma comunicação por telefone com os líderes russo e ucraniano, Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, respetivamente.
"Eu faço o que posso. E peço a toda a gente que faça o que puder. Entre todos pode fazer-se algo. Mas a situação é deveras trágica", frisou.
Na entrevista, foi ainda questionado sobre o que é possível dizer aos presidentes da Rússia e da Ucrânia, ao que respondeu: "Não sei. Não sei".
"Acredito que sempre, se dialogarmos, conseguimos alcançar. Sabe quem não sabe dialogar? Os animais. São puro instinto. Por outro lado, o diálogo é deixar de lado o instinto e ouvir. O diálogo é difícil", disse o Papa.
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