Aos 47 anos, a vida desta vendedora ambulante do Porto, que, ano após ano — primeiro, acompanhando os pais e, depois, acompanhada pelo marido -, percorria as festas e romarias do Norte de Portugal, foi redimensionada por um vírus que lhe tirou rendimento e lhe adicionou angústia.

“Sempre me tentei desenrascar, até na Movida [movimento noturno potenciado pelo turismo no Porto] estive, desde 2009, sem licença, a vender num carrinho cachorros quentes. Hoje até tenho saudades da polícia me multar e me levar tudo, mas nem isso consigo fazer [devido à pandemia do novo coronavírus]”, lamentou.

Em entrevista à Lusa em casa da filha, Sónia Raquel, que a ajuda nos ‘diretos’, rodeada de produtos para venda que desde junho tem adicionado ao portefólio, que inicialmente era de apenas roupa, Maria Odete faz pela vida, vendendo como “se estivesse a falar com os clientes” nas feiras e romarias.

E assim nasceu a página na rede social Facebook “Detinha na roupa”, em que a mãe vende e a filha, ainda ‘tímida’ para aparecer em frente à câmara do telemóvel, “anota os pedidos de encomenda”.

“Quando comecei, nem fazia diretos, apenas publicava as novidades na minha página e as encomendas foram aparecendo”, relatou Odete que, de repente, viu uma oportunidade de vender do outro lado do rio Douro.

Com a Câmara do Porto a “não ajudar os vendedores ambulantes”, em Vila Nova de Gaia encontrou apoio autárquico para, durante o verão, sem cobrança de taxas pela autarquia, “vender pipocas, algodão doce e gelados no areinho de Oliveira do Douro”.

Findo o verão, começou então com os diretos e adicionou artigos à loja virtual, passando a vender também “produtos de higiene e limpeza pessoal e até pulseiras dispensadoras de gel desinfetante”, descreveu Maria Odete.

Garantindo que no Norte “há cada vez mais pessoas a comprar ‘online'”, associa o fenómeno ao facto de continuar a pontificar o medo numa franja da sociedade.

“Com o reabrir das feiras e mercados não se perderam clientes ‘online’, porque as pessoas sentem-se mais confortáveis a comprar assim”, afirmou.

Ainda assim, para Maria Odete, vender ‘online’ não rima com solução, mas com ilusão, na primeira vez que as emoções a assaltam na conversa com a Lusa, aqui e ali pontuada pelo piar do agapone (ave) da família que também quer ‘protagonismo’.

Com a voz embargada, aponta à linha do horizonte e, se lhe perguntam como vai ser o futuro, a vendedora ambulante responde que a sua “dor” é o que “vai acontecer a partir de agora”.

“Para comer vai dar, o problema são as despesas, água, luz, renda. Tenho o seguro da carrinha e não sei como é que vou pagar. Tenho de magicar”, disse, deixando escapar por entre um gesto de mãos à cabeça na pequena sala da casa.

Os diretos são sempre à noite e evita fazê-los “todos os dias para não cansar as clientes”.

Maria Odete descreveu que “podem durar até cerca de duas horas” e que o “preço das peças inclui as despesas com o correio”.

O pagamento é feito por transferência bancária ou MBWay, disse, confidenciando que nas vendas ganha “entre um e cinco euros”.

“A minha mãe, graças a Deus, não me ensinou a roubar, a matar ou a passar droga. Eu só sei vender. Eu peço a licença [à câmara] e eles não me dão? Se eu tiver de pegar em alguma coisa e ir para a rua vender, eu faço isso, não tenho problema. Não tenho medo de ser multada”, frisou.

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