O parlamento aprovou hoje a renovação do estado de emergência até 30 de janeiro para permitir medidas de contenção da covid-19 com votos favoráveis de PS, PSD, CDS-PP e PAN, uma maioria alargada face às votações anteriores.

A deputada não inscrita Cristina Rodrigues também votou a favor, o BE voltou a abster-se, enquanto PCP, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira votaram contra, uma vez mais.

Face às anteriores votações do estado de emergência, realizadas em novembro, dezembro e no início deste mês, CDS-PP e PAN passaram da abstenção para o voto a favor, ao lado de PS e PSD.

Este diploma modifica o estado de emergência atualmente em vigor, com novas normas que se aplicam nos últimos dois dias desse anterior decreto, que termina às 23:59 de sexta-feira, e renova-o por mais quinze dias, desde as 00:00 de sábado, 16 de janeiro, até às 23:59 de 30 deste mês.

Entre as novidades incluídas no projeto de decreto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, estão a possibilidade de medidas de controlo de preços e de limitação de taxas de serviço e comissões cobradas por plataformas de entregas ao domicílio e restrições à circulação internacional, com a imposição de testes de diagnóstico do novo coronavírus ou de confinamento compulsivo para a entrada no país.

Salvaguarda-se neste novo diploma a livre deslocação dos cidadãos para o exercício do voto nas eleições presidenciais e estabelece-se que os idosos residentes em lares devem ser considerados em confinamento obrigatório, para aí poderem votar.

O Presidente da República ressalva ainda que esta declaração não afeta as liberdades de expressão e de informação nem a atividade de partidos ou candidatos a cargos políticos eletivos.

De acordo com a Constituição, cabe ao Presidente da República decretar este quadro legal, que permite a suspensão do exercício de alguns direitos, liberdades e garantias, mas para isso tem de ouvir o Governo e de ter autorização da Assembleia da República.

Este decreto abrange o período de campanha oficial iniciado no domingo e que termina em 22 de janeiro para as eleições presidenciais de dia 24, nas quais o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, se recandidata ao cargo, tendo como adversários Ana Gomes, Marisa Matias, João Ferreira, André Ventura, Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva.

O que foi discutido no debate?

O PSD pediu hoje uma "mudança radical na resposta à covid-19", com testes sistemáticos e mapeamento dos lares, enquanto o BE sugeriu que o Governo "não quer gastar o dinheiro necessário" para minimizar os efeitos da pandemia.

Estas posições críticas foram assumidas durante o debate parlamentar, em que o deputado e secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, foi o primeiro a intervir, considerando que o executivo tem atuado "com coragem, ponderação, serenidade e bom senso" no combate à covid-19.

Em seguida, o deputado do PSD Ricardo Baptista Leite reiterou o apoio do seu partido à renovação do estado de emergência, afirmando que "o momento exige responsabilidade" e que "o confinamento é agora proposto pelos especialistas como uma necessidade imperiosa", mas manifestou "divergências profundas" em relação à estratégia de resposta à covid-19, sustentando que o atual "descontrolo de novas infeções" poderia ter sido evitado.

"Não basta confinar, é preciso mudar. É fundamental encetar uma mudança radical na resposta à covid-19 para evitar uma nova subida de casos nos próximos meses pós-confinamento. Com recurso à ciência e olhando para os exemplos de países que têm respondido com sucesso à pandemia, desde a Dinamarca à Coreia do Sul, fica evidente que é possível fazer melhor", defendeu.

O social-democrata referiu que estes países fizeram "quatro a cinco vezes mais" testes do que Portugal, "testando sistematicamente, semanalmente em alguns casos, grupos de risco como profissionais das escolas, dos lares, os profissionais de saúde", e que além disso "identificam proativamente todas as cadeias de infeção e asseguram o isolamento de todos os cidadãos infetados e suspeitos".

"Testar, identificar, isolar. No caso português, urge igualmente atuar onde se encontram os maiores focos de mortalidade, como é o caso dos lares. Mapear os lares, sejam legais ou ilegais, e evacua de imediato os idosos residentes nos lares que não têm condições adequadas", acrescentou o médico e deputado, salientando que o PSD propôs estas medidas em novembro.

O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, também criticou a ação do Governo, sobretudo por omissão, justificando assim que o seu partido não apoie o diploma do Presidente da República de renovação do estado de emergência.

Ressalvando que "o BE não é contra esse pedido", Pedro Filipe Soares argumentou que "o Governo tem falhado na aplicação dos estados de emergência" e que "têm tardado" os apoios à economia, a contratação de profissionais para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a requisição de meios privados do setor da saúde.

O líder parlamentar do BE disse que "há pessoas que ainda não receberam os apoios prometidos no confinamento de março passado", que no SNS "as contratações são a conta gotas" e deixou ainda "uma suspeição", de que "o Governo não está tão empenhado como devia em minorar os efeitos da pandemia na economia e na vida das pessoas, porventura não quer gastar o dinheiro necessário".

Na abertura deste debate, José Luís Carneiro apontou como "inevitável" o recurso a "um novo confinamento, equivalente ao que foi adotado entre março e abril de 2020", face à subida de novos casos, de internamentos e de mortes de doentes com covid-19, que no seu entender são "consequência do aumento do número de contactos no decurso do Natal e do Ano Novo e das condições climatéricas".

O deputado e secretário-geral adjunto do PS reafirmou que o seu partido "apoia a renovação do estado de emergência e o reforço das medidas de confinamento" e aproveitou para contestar por antecipação críticas aos meios do SNS, alegando que este "tem sido robustecido, caso contrário, teria colapsado na primeira fase desta pandemia".

"Temos provas dadas por parte do Governo. Sabemos porque quer e para que quer o estado de emergência: para salvar vidas, para proteger a saúde dos portugueses, para manter viva a economia, a cultura e a sociedade, para dar esperança aos mais jovens e aos mais velhos, para lhes dizer que ainda temos muito futuro. Pela frente, esperam-nos meses muito difíceis. Há que decidir com coragem, ponderação, serenidade e bom senso, como o senhor primeiro-ministro já mostrou que sabe fazer. Juntos, vamos vencer", declarou o socialista.

Por sua vez, CDS-PP e PAN juntaram-se hoje a PS e PSD para aprovar a renovação do estado de emergência, mas não pouparam críticas e a “falha por defeito” do Governo.

O líder parlamentar dos CDS-PP, Telmo Correia, considerou que “a situação pandémica está fora de controlo” e culpabilizou a “falha por defeito” e a “abordagem errada” do executivo, liderado pelo socialista António Costa, “em relação ao período das festas e do Natal”.

“Cometeu o erro de entre proteger ou agradar, escolher a segunda”, sustentou o deputado.

Contudo, o partido justificou a alteração de abstenção para voto favorável porque “não restam dúvidas de que o estado de emergência é indispensável” e o confinamento generalizado é “inevitável”.

“Mais do que prolongar um debate de 'passa culpas', o que nos importa é exigir ao Governo que tenha, de uma vez por todas, a coragem de tomar decisões, de mudar de atitude. Que opte pela firmeza, em vez de hesitações, e pela prudência, em vez da propaganda”, completou.

De acordo com a líder parlamentar do PAN, Inês Sousa Real, também “não existe outra alternativa” a não ser aprovar o estado de emergência, dado o número cada vez maior de óbitos e de contágios associados ao SARS-CoV-2, mas, “é tempo de o Governo não ficar fechado na sala do Conselho de Ministros e saber ouvir as outras forças políticas, a ampla comunidade científica”, para “dar resposta às carências reais na vida das pessoas, das empresas e das organizações não-governamentais”.

Se CDS e PAN consideraram que a situação epidemiológica do país justificava a aprovação do diploma, o líder da bancada parlamentar comunista, João Oliveira, considerou que “a gravidade da situação”, que é “evidente e inegável”, obrigou à repetição do voto em sentido contrário.

O deputado recusou paralelismos com o confinamento que ocorreu em março do ano passado, já que “a situação nacional” que o país está a viver e “a realidade a que essas medidas restritivas vão aplicar-se são muito mais difíceis do que eram” há cerca de um ano, e os “seus impactos tenderão a ser muito mais grave s e complexos” nos planos económico, social e sanitário.

Por isso, o comunista voltou a reivindicar o investimento no Serviço Nacional de Saúde e medidas para precaver a perda de rendimentos e de postos de trabalho: “Todas essas medidas urgentes não resultam, nem dependem da declaração do estado de emergência e poderão mesmo ficar esquecidas ou secundarizadas com a opção do agravamento das restrições.”

Pelo PEV, Mariana Silva considerou que o Governo o estado de emergência “tantas vezes declarado não era necessário para que os portugueses se sentissem alerta e cumprissem as medidas de proteção”.

A deputada alertou também para a necessidade de garantir apoio no pagamento da fatura da eletricidade na mesma altura em que o país “está a ser invadido por uma vaga de frio”.

O deputado único do Chega e presidente do partido, André Ventura, que considerou que o Governo continua a “olhar para o lado perante uma tragédia” que vai “entrando pela porta dentro”.

“Nós estamos em guerra [contra a pandemia] e os socialistas nunca souberam sequer gerir uma crise, quanto mais uma guerra”, completou, acrescentando “que Deus permita que rapidamente a direita volte ao poder”.

O deputado único da IL, João Cotrim de Figueiredo, considerou que “não houve competência na estratégia, consistência nos dados, cuidado na preparação, nem clareza na comunicação, houve propaganda, descoordenação e erros de casting”.

Por seu turno, a deputada não inscrita Cristina Rodrigues apelou aos portugueses “que não se deixem vencer pelo cansaço” e “não baixem os braços”.

Joacine Katar Moreira defendeu que a “medida mais relevante” para combater a pandemia é o aumento do salário mínimo nacional para os 900 euros.