O chefe de Estado discursava, em Bissau, na cerimónia de comemoração da data em que a Guiné-Bissau declarou unilateralmente a independência de Portugal, numa mensagem ao país marcada pelo papel das Forças Armadas.

Umaro Sissoco Embaló referiu-se “ao ataque de 01 de fevereiro de 2022”, vincando que “visou diretamente a pessoa do Presidente da República”, numa referência à alegada tentativa de golpe de Estado de que foi alvo.

“Foram os acontecimentos de 01 de fevereiro de 2022 que vieram provar que, apesar dos sucessos que já foram alcançados na área de defesa e segurança, ainda temos muito pela frente”, declarou.

Sissoco Embaló lembrou que o episódio provocou perda de vidas humanas e espera que “se faça justiça e que se ponha um ponto final à impunidade e que se afirme a autoridade do Estado de Direito Democrático”.

O Presidente da Guiné-Bissau destacou o papel das Forças Armadas para a estabilização do país e é no dia delas que decidiu comemorar os 50 anos da independência, autoproclamada em 24 de setembro de 1973, nas matas das colinas de Boé.

O chefe de Estado referiu que “os primeiros anos da independência não foram fáceis” com crise económica e violações dos direitos humanos, nomeadamente “situações arbitrárias de fuzilamentos”.

Como disse, na época as forças armadas “revelaram-se aguerridas, mas com perigosas manifestações, no seu seio, de abuso de poder”.

“Foi clara a consciência dessa situação que levou Amílcar Cabral a convocar uma conferência que transformou em congresso”, recordou, aludindo também à decisão do fundador do partido único PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) de “reformular a estrutura de guerrilha, resultando na criação das Forças Armadas”.

Umaro Sissoco Embaló salientou que a celebração no dia de hoje das duas “datas memoráveis para o povo guineense”, os 50 anos da proclamação da independência e os 59 anos da Forças Armadas”, é uma dupla homenagem às Forças Armadas “que de forma heroica e gloriosa lutaram para alcançar a, então, sonhada independência”.

Na mensagem ao país, na tribuna instalada na renovada avenida Amílcar Cabral, o Presidente recordou a história da independência, da descolonização e o “papel fundamental da comunidade internacional no sucesso da luta” da Guiné-Bissau.

Referiu-se “particularmente a Cuba e aos jovens que perderam a vida” pelo país africano e reiterou que tudo fará, junto das Nações Unidas, para acabar com o bloqueio ao parceiro sul-americano.

O chefe de Estado disse ainda que “há pouco mais de duas décadas, a Guiné-Bissau estava fora do mapa internacional, praticamente só era referida pelos maus motivos, pelos golpes de Estado, por uma instabilidade política persistente”.

“Volvidos pouco mais de três anos, a Guiné-Bissau conseguiu ganhar de novo uma visibilidade internacional positiva”, afirmou, numa referência ao período em que é Presidente do país.

As comemorações dos 50 anos da independência incluíram desfile popular e desfile militar e contaram com a presença de convidados de vários países, nomeadamente o Presidente da República e o primeiro-ministro portugueses, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, respetivamente.

 A declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau ocorreu em 24 de setembro de 1973, decorrida uma década de luta armada, e foi reconhecida de imediato pelas Nações Unidas.

Portugal só reconheceu a independência da antiga colónia um ano mais tarde, em setembro de 1974, após o 25 de Abril.

Antigos guerrilheiros guineenses pedem que os libertem agora de uma pensão de 60 euros

Antigo guerrilheiro, Aruna Baldé desfilou hoje na cerimónia dos 50 anos da independência da Guiné-Bissau, ao lado de um cartaz a pedir que os antigos combatentes sejam agora libertados da parca pensão de menos de 60 euros que recebem.

Os Combatentes da Liberdade da Pátria – Obreiros da Independência abriram o desfile popular que se seguiu ao discurso do Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, percorrendo a vasta avenida Amílcar Cabral, depois de horas de espera ao sol, parando em frente ao palanque onde se encontravam sentadas as patentes militares, o presidente da Assembleia Nacional Popular e os membros do Governo.

Aí, exibiram o cartaz onde inscreveram: “Combatentes da Liberdade da Pátria - Libertem-nos da pensão de 39.000 francos - Os Libertadores”.

“39.000 francos [cerca de 60 euros], já viu”, questionou Aruna Baldé, 76 anos, antigo combatente na zona leste da Guiné-Bissau, onde enfrentou as tropas portuguesas.

À pergunta da Lusa sobre se conheceu Salgueiro Maia, Aruna emocionou-se ao contar que, depois do 25 de Abril de 1974, procurou o capitão de Abril em Portugal, porque tinha “curiosidade de o conhecer”.

“Foi um homem valente, muito corajoso. Com aquele regime não era qualquer homem” a fazer o que fez, sendo “o promotor do 25 de Abril”, recordou, reconhecendo a admiração por Salgueiro Maia, apesar de ter estado do outro lado da trincheira.

Agora a viver em Bissau, Aruna, com uma arma de pau ao peito, saiu de Bafatá em 1968 para pegar em armas a sério e seguir o apelo de Amílcar Cabral, partindo para a frente leste, onde enfrentou as tropas portuguesas, “com muito sofrimento”.

A Lusa encontrou-o com o seu grupo junto ao busto de Amílcar Cabral, ao fundo da avenida que leva o nome do herói da independência, para acompanhar, no desfile que marcou a celebração, os que, com a coragem com que combateram no passado, reivindicam agora uma pensão que lhes permita ter o mínimo para sobreviver e uma vida digna.

Com os abutres a sobrevoarem os céus de Bissau, o busto de Amílcar Cabral não “assistiu” aos festejos dos 50 anos da independência, celebrados fora de data – Sissoco Embaló escolheu o Dia das Forças Armadas e não o 24 de setembro da proclamação unilateral da independência -, mantendo o olhar virado para o mar, que fica logo a seguir ao porto de Bissau.