“Geoestratégia do Mundo em 2019”. Falar sobre o mundo no corrente ano foi o mote que levou Paulo Portas a ser orador durante um evento organizado pela Câmara de Comércio, em Lisboa, esta sexta-feira, 25 de janeiro.
O vice-presidente da Câmara de Comércio, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Passos Coelho e atual comentador político na TVI discorreu principalmente sobre a crise comercial que opõe as duas superpotências, Estados Unidos da América e China, e alertou para as questões europeias —do Brexit à desaceleração ou meditação das potências europeias, numa Europa a braços com crescimento de populismos.
Num mundo que não parece dominado pela abundância de boas notícias, Paulo Portas destacou três que levam nota positiva: o crescimento indiano, da África subsaariana e de um país que fala português, o Brasil.
E é neste quadro que Portugal e as empresas portuguesas terão que navegar e se posicionar. O antigo líder do CDS-PP aproveitou o palco e apresentou a sua receita.
Num encontro marcado para as 9h00, Portas chegou no limite dos 15 minutos de tolerância do atraso. Numa casa que se pauta pela pontualidade, de acordo com o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa Bruno Bobone, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros demorou 1h04 minutos a falar sobre o mundo que nos espera em 2019. E pouco mais de 10 minutos a responder a três questões que saltaram de uma sala composta por embaixadores e representantes de embaixadas, empresários e deputados.
Para o oráculo deste ano começou por recuperar uma frase do governador do banco de Inglaterra, Mark Carney: “Fazer previsões num mundo tão imprevisível tornou-se uma profissão low cost”. Portas deixou, por isso, claro que se há um ano “era moderadamente otimista; hoje o sentimento é de realismo preocupado”. Vejamos porquê.
“Basta olhar para os outlooks das principais instituições económicas sobre o funcionamento da economia mundial – FMI, Banco Mundial ou OCDE – e todas registam as mesmas tendências”, alerta. Embora, diz, devamos estar atentos “às revisões mais do que às previsões”.
E se em 2018 o crescimento global de 3,7% ficou a dever-se ao “bom desempenho da economia americana” e ao contributo “dos países asiáticos, da Índia e dos países emergentes da Europa”, para o ano corrente o FMI e a OCDE apontam para um “decréscimo do crescimento global (3,5%)”.
Essas instituições internacionais, diz Portas, alertam ainda que se “acentuarem os fatores de risco” e se continuar a instabilidade comercial, o decrescimento “pode chegar a meio ponto”. A acrescentar há a “desaceleração” europeia (crescimento da Zona Euro de 1,6%) em especial de “França, Itália e Alemanha e a Espanha”, sendo que este último país “já teve os maiores crescimentos da zona euro”. Acresce um “menor” crescimento nos EUA, ainda assim “acima de 2,5%” e a incógnita a nível de crescimento na China.
Perante este cenário, Paulo Portas realçou que ainda assim “há boas noticias, não muitas, mas há”.
Desde logo o crescimento económico na Índia (7,7%), que de acordo com algumas instituições, terá superado a China na atração de investimento estrangeiro”, referiu. A segunda boa notícia é pintada com as cores da África subsaariana e a terceira fala “português com açúcar", o Brasil.
Em relação ao Brasil, Portas recordou que este passou por “um ajustamento duro” e antecipou que “a economia está em condições de ter um ano favorável e crescer de 1,2% para 1,5%”.
Esse ajustamento e “não a eleição do novo presidente”, considera, é que será responsável pelo bom ano que se avizinha. Paulo Portas acrescentou ainda que “se não fosse o “impeachment” o Brasil estaria “debaixo da tutela do FMI”.
E esses são os “dados objetivos” com “reflexo” em Portugal. “O primeiro, terceiro, quarto e quinto cliente comercial do nosso país não estão em situação favorável comparado com ano passado”, relembrou. “Tem impacto na nossa economia que tem feito um caminho extraordinário em tornar-se uma economia exportadora”, recordou.
“Muitas das empresas portuguesas na crise não fecharam portas porque se internacionalizaram. É bom defender quem cria riqueza”, deixou o recado quando questionado no final da sua intervenção.
“Para crescer é necessário exportar mais para os países que compram mais. Os cinco principais clientes de Portugal estão em situação difícil”. O antigo ministro com a pasta dos Negócios Estrangeiros abriu o mapa mundi e deu pistas: “olhar para o crescimento de Israel, da Polónia, da Hungria ou da República Checa”, exemplificou.
“Olhar, diversificar, não depender apenas de um mercado e arriscar. Eis a receita para as empresas portuguesas”, finalizou não sem antes deixar uma nota que considera premente: “Espero que nunca chegue a Portugal esta pulsão protecionista”.
“Há uma nova ordem económica, mas não há ordem política que permita gerir uma nova ordem económica”
A crise global “não é expetável mas pode acontecer” devido à “escalada da crise comercial”. E aí “defende-se melhor quem melhor defende o seu caso de competitividade”, resumiu.
Paulo Portas virou as agulhas para economias europeias que crescem “acima dos 3%”. São elas as dos “países bálticos, Malta, Chipre, Irlanda, Eslovénia, República Checa e Polónia". Tirando a Polónia, estamos a falar de países com "medidas de competitividade atrativas para o investimento e com incentivos fiscais", explicou.
Deixando alertas para uma avaliação qualitativa, recordou o Relatório do Word Economic Forum. As “mudanças climáticas e os seus impactos” são uma preocupação em crescendo para empresários e decisores, mas o “impressionante é a escalada de protecionismos e a escalada de tensões comerciais”, referiu.
“Há uma nova ordem económica, mas não há ordem política que permita gerir uma nova ordem económica”, sublinhou. “O mundo está inclinado para o Pacifico, Ásia e não pende para o lado europeu. Mas não foi só o crescimento que migrou para a Ásia. Foi também o risco”, alertou.
Sem esquecer que na escalada de conflito que opõe EUA-China a digitalização ganha interesse nacional, sendo determinante para o “concurso de superpotências” (“o digital é um mundo sem fronteiras com uma exceção: a China manteve uma fronteira no acesso”), aguarda com expectativa sobre o que sucederá e avisou que o que mais divide os dois países também divide europeus e chineses. “A defesa da propriedade intelectual e transferência tecnológica é o que está em causa nas relações EUA e China. Isso não se consegue resolver em três meses”, alertou.
O compromisso, que é desejado pelos dois países (dados conhecidos tendem a mostrar que a economia chinesa “será mais penalizada que a americana, que tem um extraordinário mercado interno”), a acontecer, será devido a “acordos bilaterais”, antecipou. Se não houver compromisso, parece que o caso da Coreia do Norte “não se resolve”.
Olhando internamente para os EUA, Portas destaca que estes vivem [à hora em que falava] momentos de shutdown, algo que afetou “os últimos oito presidentes”, e de falta de entendimento entre os dois partidos, "com os republicanos cada vez mais encostados à direita e os democratas à esquerda”. Para além disso, diz, verifica-se uma “tensão” entre o presidente Trump e a Reserva Federal.
Em relação à Ásia, recordou o que disse em 2017 no mesmo local: “A primeira preocupação da China não é a natureza do regime político, é sim a confiança dos seus vizinhos”. A esta ideia acrescentou o anúncio japonês da construção dos “primeiros porta-aviões” e o anúncio do presidente chinês da menção do “uso da força” em relação a Taiwan. "Se China e EUA se degradaram internamente, a tentação e tendência é de aumentar conflitos externos”, concluiu.
“A Europa não tem opção imigração zero. É pura demagogia. Ou escolhermos a que queremos ou a não queremos!”
Com 40 minutos gastos, Portas teve ainda tempo para falar do impasse europeu. Se a Europa é considerada “pouco relevante” nas questões internacionais, avisou que não se lembra de “uma crise, desaceleração ou meditação das potências europeias”. A saber: Alemanha, Itália, França, Espanha e Reino Unido. “Não é uma situação catastrófica, mas requer liderança e não temos muita”, sublinhou, relembrando os anos de Thatcher à frente do Reino Unido.
Com uma Alemanha em “meditação”, recordou que na questão dos refugiados (o país não encontra trabalhadores para dois milhões de postos de trabalho) a chefe de estado, Ângela Merkel, agiu como “cristã e com racionalidade económica”.
Para Portas é ponto assente que a hostilidade em relação às migrações poderá colocar em causa a sustentabilidade do estado social em 20 anos. “Um continente com 500 milhões colapsar com 1 milhão do fenómeno migratório?, interrogou. “A não ser que a Europa diga que a discussão não é com refugiados mas com o Islão”, retorquiu.
Dissertando sobre lideranças fez questão de referir que “a Alemanha não está no cockpit do governo europeu". "Isso viu-se na crise orçamental italiana e francesa”, justificou. Se em França são os números que preocupam – Dívida Pública, 100%, Despesa Pública, 56% e Pressão Fiscal, 48% —, em relação à Itália a “Europa tem pouca autoridade em falar sobre populismos”, atirou. “A Itália recebeu 600 mil pessoas em dois anos e [a Europa] deixou-a sozinha. Há países que não receberam um único refugiado e isso não é solidariedade”, rematou.
E da questão migratória em Itália desviou-se para Espanha. E é esse fator que leva ao crescimento de populismos e dos partidos nacionalistas, em especial na Andaluzia. “Na [mudança da] rota migratória de Itália para Espanha, [os migrantes] entram pela Andaluzia", que tem 20% de taxa desemprego. "E acham estranho o populismo?”, questionou. Nacionalismos estendem-se a outras regiões de Espanha, “não sendo de estranhar o nacionalismo espanhol extremo em reação a um nacionalismo catalão extremo”, diz.
“A Europa não tem opção imigração zero. É pura demagogia", exclamou.
Recorrendo, aqui e acolá a citações, Paulo Portas recordou uma primeira página de um jornal inglês que ilustra como é que o Reino Unido, a braços com o Brexit, olha para a Europa. “Depois da tempestade no Canal da Mancha, no dia seguinte, um jornal inglês disse que a Europa estava isolada. É a visão do mundo que os ingleses têm”.
Questionado pela assistência sobre o papel de Portugal em relação ao Reino Unido, foi lapidar. “Se acontecer o Brexit temos que fechar um acordo comercial. E temos vantagem em não nos atrasar no processo porque o Reino Unido é um dos cinco maiores parceiros comerciais e temos interesses em África que são concorrenciais” antecipou.
Ainda sobre esta questão que poderá, ou não, ficar resolvida até 29 de março, Paulo Portas deixa uma nota: “os ingleses vão experimentar o que é viver sozinho na era global. Pode ser que consigam desenvolver as suas competências, mas que falte um sócio e aconteça o mesmo que aconteceu à França, não ter os meios da sua ambição”.
E nesse contexto, relembrou que “o mais forte da economia britânica são os serviços (Londres como praça financeira)” e que a essência da economia britânica “não está” refletida no acordo.
Para o fim reservou espaço e tempo para falar de África e do Papa.
No continente africano focou-se em três países com eleições à porta, África do Sul, Nigéria e Moçambique e noutros que devem prender as atenções dos empresários portugueses. “Olhem para alem dos países de expressão portuguesa e olhem para os que não dependem excessivamente do petróleo". São os que mais crescem: Etiópia, Gana, Senegal, Costa de Marfim, Tanzânia, Egito e Uganda.
Sobre o Vaticano, que tem uma das “melhores diplomacias do mundo” deixou uma pista. Vejam as peregrinações que o Papa (um Papa não europeu) está a fazer. América Latina, África, Ásia (irá ao Japão). Olhem para o pré-acordo diplomático feito entre o Vaticano e a China. E vejam que este Papa está a puxar pelas minorias católicas e pelo dialogo entre religiões”, finalizou.
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