É "o partido político da classe operária e de todos os trabalhadores", lê-se no art.º 5.º dos estatutos do PCP. Ironia do destino, Ana Paula Coelho é membro desde 1977 e funcionária desde 1979, altura em que fez 18 anos e tudo pôde "ser oficializado", mas quando quis pedir a reforma antecipada descobriu que lhe faltavam quase oito anos de carreira contributiva, período em que trabalhou para o Partido Comunista Português.

Agora, está há oito meses à espera que o partido resolva a situação. O SAPO24 falou com Ana Paula Coelho, que confirmou esta versão: "Contactei o PCP no início de novembro de 2022 e até agora o processo tem sido surreal". "Ainda por cima, se se pudesse dizer que tem havido boa vontade em resolver o problema, mas desde início que é o contrário. E não se trata só de não terem pago os oito anos e, por isso, eu não poder pedir a reforma antecipada; a questão é que serei prejudicada na altura da reforma, porque o meu histórico de descontos tem esses anos em falta", afirmou.

António Garcia Pereira, advogado especializado em questões do trabalho, lembra que "é da responsabilidade da entidade contratante inscrever os funcionários na Segurança Social e fazer os respetivos descontos".

"Quando perguntei na Segurança Social como poderia resolver a situação, disseram-me que era perfeitamente possível a entidade contratante pagar a dívida que tem, ou seja, fazer agora os descontos que devia ter feito. Tão simples quanto isto. O PCP foi informado disto, mas tem estado sempre a engonhar. Ultimamente, já estava pelos cabelos, disse que precisava de uma resposta e foi quando me disseram que não podem pagar à Segurança Social porque isso poderia vir a tornar-se público".

Mas a conversa não ficou por aqui. "A solução que o PCP apresentou "é que eu fosse para o subsídio de desemprego. Queriam que eu fizesse uma rescisão por mútuo acordo com a empresa onde trabalho", um pedido de legalidade duvidosa, na opinião de Garcia Pereira, que lamenta que "os partidos sejam os primeiros a infringir a lei".

Ou seja, "a solução nunca foi pagarem o que deviam à Segurança Social, nunca foi dizer vamos resolver isto rapidamente, foi sempre adiar o problema", conclui Ana Paula Coelho. "Até já me disseram que estão a fazer isto para meu bem, que, se calhar, com a reforma antecipada seria muito prejudicada. Mas o que é que eles têm a ver com isso? A decisão é minha, é um direito que tenho, e eu é que sei se estou disposta a ser penalizada ou não", responde.

A reforma antecipada pode ser pedida por qualquer trabalhador a partir dos 60 anos, desde que tenha pelo menos 40 anos de descontos para a Segurança Social. Ana Paula Coelho tem 62 anos e começou a trabalhar em 1979, o que lhe daria 44 anos de descontos. Nestas condições, a pensão de velhice sofre uma dupla penalização: por cada mês de antecipação face à idade normal de reforma perde 0,5%, ou seja, 6% por ano. Além disso, é penalizada pela aplicação do fator de sustentabilidade, definido pelo governo em função da esperança média de vida aos 65 anos, que em 2023 corresponde a uma penalização de 13,8%.

Como funcionária, Ana Paula Coelho foi deslocada quatro anos para o Porto, onde esteve como responsável pelo plano do ensino secundário da JCP (Juventude Comunista Portuguesa) na região Norte. Depois veio para Lisboa e ficou responsável pela plano nacional do ensino secundário. "Já estava antes no partido, mas só fui funcionária a partir de 1979, quando fiz 18 anos, que era quando se podia oficializar a relação. Por algum motivo era assim", recorda.

Na altura, "recebíamos o ordenado mínimo" (hoje equivalente a 37,43 euros mensais, de acordo dados da Pordata e o pagamento era feito "em dinheiro, entregue num envelope". "Eu era membro do secretariado da direção nacional da JCP, a única mulher na época".

Mas o percurso no PCP não ficou por aqui. Em 1988, Ana Paula Coelho passou a ser deputada à Assembleia da República  em regime de substituição (as eleições legislativas foram a 18 de julho de 1987) - e na profissão está escrito "funcionária política". "Só nessa altura é que os descontos para a Segurança Social começam a ser feitos, porque eram feitos pela própria Assembleia da República, embora o dinheiro não passasse por nós, porque os deputados do PCP recebem pelo partido, não pela AR", explica. Uma regra que se mantém até hoje.

Nesse ano, em 1988, realiza-se no Porto o XII Congresso do PCP, de 1 a 4 de dezembro. O Palácio de Cristal recebe 2.090 delegados são aprovadas emendas aos estatutos do partido, que se "adapta aos novos tempos, aproveitando a rica experiência de trabalho revolucionário. E aprova também um novo programa - "Portugal: uma democracia avançada no limiar do Século XXI". O Comité Central é amplamente renovado e torna a crescer. São eleitos 175 membros, um dos quais Ana Paula Coelho.

No Parlamento até final da V Legislatura, regressa, desta vez pelo círculo de Lisboa, depois das eleições de 1991, mas sai em 1992. "Nunca estive uma legislatura completa e lembro-me que nessa altura recebi uma carta em casa com um cheque da Assembleia da República com o subsídio de reintegração [equivalente ao valor de um mês por cada semestre de exercício efetivo de funções a tempo inteiro, sem contar com despesas de representação], que foi entregue intacto ao PCP".

Já passaram oito meses desde o início deste processo e as reuniões presenciais a que vai indo regularmente no PCP terminam sempre em nada. Ana Paula Coelho quer ver a sua situação contributiva regularizada e espera não ter de chegar aos tribunais - como aconteceu recentemente com um ex-funcionário Miguel Casanova, a quem o Tribunal do Trabalho, primeiro, e o Tribunal da Relação, depois, vieram a dar razão.

"Repare, não é como se ninguém soubesse quem sou. Basta irem aos documentos dos congressos do partido, onde estou com a minha biografia e com as minhas funções. Se dúvidas houvesse, está tudo documentado. Isto é tacanhice, não estão habituados [PCP] a ser confrontados. E estou a lutar pelos meus direitos, é só isto".

"Querem fazer-me de parva. Mais, a última vez que fui lá reunir levei os decretos-lei, os Diários da República, que dizem que não conhecem. É tão incrível a postura que têm tido, mas eu fui dirigente do PCP, sei muito bem o que a casa gasta". "Também já lhes disse que podiam ao menos falar com a CGTP, que em princípio conhece os direitos dos trabalhadores", ironiza.

O SAPO24 tentou contactar o PCP que, até à data da publicação desta notícia, não respondeu às suas chamadas.