Cristina, de 25 anos, viu-se no centro da pandemia, com o filho bebé, a ter de enfrentar um corte de salário para metade, o que a obrigou a recorrer à ajuda da Refood, movimento voluntário que recolhe e distribui alimentos.

“Estava sozinha com o meu filho, tinha a casa e tudo para pagar e tive de recorrer a ajudas, porque não sabia o que fazer. Tinha de pagar os 325 euros da casa, mais a luz, água e gás, mais alimentação para meu filho e o infantário, para não perder a vaga”, revelou à Lusa nas instalações da instituição, onde quis falar para manter o anonimato.

O infantário ainda “reduziu a mensalidade”, mas o irmão, que estava a estudar em Londres, teve de regressar e ir viver com Cristina. A mãe, também em ‘lay-off’, não a podia ajudar.

A Refood em Faro viu aumentar “de 114 para 330″ as pessoas a quem presta auxílio alimentar, das quais 96 são crianças, destaca a coordenadora, Paula Matias, sublinhando que os números continuam a subir.

“Neste momento ainda não estabilizámos, os pedidos de ajuda são constantes. Ainda esta semana tivemos três famílias a entrar, com agregados grandes, com crianças, e acreditamos que os próximos tempos vão ser muito complicados, iremos ter um acréscimo de pedidos de ajuda”, frisou.

A responsável fala mesmo de uma “nova realidade”, com famílias de classe média agora apoiadas: “Nunca estiveram na situação de quererem colocar um prato de comida na mesa para aos seus filhos e não terem como”.

Durante a pandemia, a instituição levava a comida a casa das famílias. A coordenadora do núcleo de Faro da Refood conta que ficou impressionada com a reação das crianças, que “geralmente vibram com um brinquedo novo”.

“Neste momento, elas vibram com uma caixa de cereais ou uma peça de fruta. Presenciámos muitas vezes essa realidade”, lamenta.

Com 30 anos dedicados ao apoio aos mais necessitados, o Movimento de Apoio à Problemática da Sida (MAPS) também viu aumentar os pedidos de ajuda alimentar nos últimos meses e numa faixa que “já não está inserida nos típicos grupos de risco”, conta o presidente da instituição.

“Eram pessoas que viviam dos seus rendimentos e de acordo com esses rendimentos, como o típico português – aquilo que recebe é aquilo que gasta. Quando isso acaba, não há volta a dar. Nesta altura encontrar emprego torna-se uma batalha”, afirma Fábio Simão.

Há situações de “perda de emprego e de despejo por falta de pagamento de rendas” e, numa visão a médio prazo, o representante não perspetiva melhorias: “Gostava de ser mais otimista. Infelizmente, olhando à nossa volta, é um bocadinho difícil”.

Para o responsável, as leis que adiaram o pagamento das rendas “não vão ser uma solução” porque “quando chegar à data as pessoas vão ter de pagar a atual e as antigas, e muitas vezes não há rendimento para isso”.

A crise está também a manifestar-se na quantidade de donativos, que “têm vindo a diminuir”, já que com o passar dos meses “nem as pessoas nem as empresas têm capacidade para continuar a ajudar”, explica.

Maria José, de 48 anos, passou a receber um cabaz diário de produtos alimentares do MAPS depois de o seu terceiro contrato “não ter sido renovado”.

Com um agregado familiar de cinco pessoas, confessa que nunca pensou “ter de pedir ajuda”, mas já conhecia o MAPS, ao qual acabou por recorrer.

Situação semelhante vive Maria, de 52 anos, para quem a situação financeira “não era fácil” antes da pandemia, mas era algo “que se ia atamancando”.

No entanto, com o desemprego de um dos filhos “descarrilou tudo”. Apenas com o seu salário não consegue suportar a renda de 500 euros nem tão pouco pagar as outras despesas da casa.

“Se não fosse o apoio da associação [MAPS] eu não tinha comida em casa. Vai-se tentando sobreviver. Não é viver, é sobreviver”, confidencia.

Segundo o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), os números do desemprego no Algarve têm vindo a aumentar desde março, tendo sido registado em maio um aumento de 231,8% em relação ao mesmo mês de 2019, com os concelhos mais turísticos a serem os mais afetados.

À Lusa, o presidente da Câmara Municipal de Albufeira confirma um aumento nos pedidos de ajuda, ”normalmente mais à base da alimentação e medicamentos” e que são fornecidos “através de protocolos com instituições sociais de solidariedade social do concelho”.

“E são elas que estão na linha da frente a tratar desse assunto” atesta José Carlos Rolo.

Segundo o autarca, nem sempre se trata de pobreza, mas de “necessidades envergonhadas”, com as pessoas a terem “muitas vezes vergonha daquilo que foram em tempos e agora estão a passar por dificuldades”.

“Muita gente fica um pouco na retranca a tentar ir pedir apoio, mas tem vergonha quase de dar a cara”, conclui.

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