Este foi o terceiro e último recurso a entrar no processo que está no Tribunal Judicial de Leiria, depois do recurso do Ministério Público e do dos pais do bombeiro que morreu na sequência dos fogos.
O recurso, elaborado pelo advogado Ricardo Sá Fernandes, é de uma assistente que perdeu pais e avós nos incêndios, enquanto a outra assistente perdeu a filha. Todas estas cinco vítimas morreram na Estrada Nacional (EN) 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos.
Segundo o documento ao qual a Lusa teve acesso, o acórdão que absolveu os 11 arguidos em julgamento “sobrevalorizou o fenómeno natural e desvalorizou a gravidade das omissões” e do contributo destas “para o incremento do risco, consubstanciado no resultado que veio a ocorrer”.
Por outro lado, “talvez influenciado pelo pressuposto da sobrevalorização excessiva que fez do ‘downburst’ [fenómeno que ocorre quando vento de grande intensidade se move verticalmente em direção ao solo e, após o atingir, sopra de forma radial em todas as direções] e da desconsideração injustificada do desvalor das condutas e dos resultados em presença, o acórdão omite a apreciação de questões de facto que são objeto do processo”, considerando que esta situação “gera a nulidade” da deliberação da 1.ª instância.
Ainda de acordo com o recurso das duas assistentes, “ocorreu a violação”, por parte dos funcionários da Ascendi José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota, “dos deveres de cuidado a que estavam adstritos, o que se consubstanciou na omissão das diligências necessárias para garantir a limpeza das faixas de combustível cuja responsabilidade” cabia àquela empresa assegurar e “de que aqueles eram garantes”.
O recurso defende que se verifica “uma prognose de causalidade entre a violação desses deveres de cuidado e o agravamento do risco que devia ter sido acautelado, naturalmente em concurso com os fenómenos naturais e demais circunstâncias que então ocorreram”, levando à morte destas cinco pessoas “em consequência da exposição ao incêndio cuja propagação foi facilitada pela conduta” destes funcionários que devem ser condenados por cinco crimes de homicídio por negligência.
Quanto à responsabilidade penal do comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, o documento não ignora “a excecionalidade do evento, nem a falta de meios que deviam ter acorrido ao sinistro e não existiram”, nem coloca em causa “a generosidade de todos os bombeiros que se empenharam no combate a esta catástrofe”.
“Todavia, entende-se que o arguido Arnaut omitiu deveres de cuidado a que estava adstrito, particularmente quando não solicitou, atempadamente, o Arome [previsão meteorológica específica para um local], o que teria permitido antever a alteração da trajetória do vento e do fogo”, além de que “não promoveu, atempadamente”, a evacuação de localidades e corte de estradas, “como podia e devia ter feito”.
Em 13 de setembro, o Tribunal Judicial de Leiria absolveu todos os arguidos num processo em que estavam em causa crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves, ocorridos nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017. No processo, o MP contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
O MP recorreu da absolvição de Augusto Arnaut e dos ex-presidente e vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande Valdemar Alves e José Graça, respetivamente, da então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, e dos três funcionários da Ascendi.
Quanto à absolvição dos funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) José Geria e Casimiro Pedro, do ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes e do atual presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, não houve recurso do MP.
Já o recurso interposto pelos pais do bombeiro Gonçalo Conceição pede a condenação do antigo autarca Fernando Lopes.
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