Quem esteja menos familiarizado com a forma como os principais jornais americanos se posicionam no que respeita às eleições presidenciais, pode olhar com alguma estranheza para este anúncio. Em Portugal, um jornal ou televisão declarar o apoio expresso a um candidato não é uma prática, ao invés do que se passa nos Estados Unidos. No caso concreto do Washington Post, nas últimas oito eleições presidenciais, o jornal tornou sempre público qual o candidato que apoiava – um ciclo que interrompe agora, nas eleições de 2024, em que decidiu não o fazer.

A decisão foi na anunciada pelo CEO e publisher do Washington Post, Will Lewis, num artigo de opinião publicado no site do jornal. “O Washington Post não vai apoiar nenhum dos candidatos presidenciais nestas eleições. Nem em nenhuma futura eleição presidencial. Estamos a regressar ás nossas origens de não apoiar candidatos presidenciais”, pode ler-se.

Quando remete para as origens do jornal, Will Lewis cita explicitamente a posição que a direção editorial do jornal assumiu em 1960, ano da eleição que levou John F. Kennedy à Casa Branca, derrotando o republicano Richard Nixon. À época, o Washington Post não apoiou nenhum dos candidatos (a exceção tinha sido a eleição de 1952 em que apoiou Dwight Eisenhower).

A direção explicou então a opção tomada desta forma: "O Washington Post não ‘apoiou’ nenhum dos candidatos na campanha presidencial. Isso está de acordo com a nossa tradição e com a nossa ação em cinco das últimas seis eleições. As circunstâncias incomuns da eleição de 1952 levaram-nos a fazer uma exceção quando apoiámos o General Eisenhower antes das convenções de nomeação e reiterámos o nosso apoio durante a campanha. À luz da retrospectiva, mantemos a opinião de que os argumentos para a sua nomeação e eleição eram convincentes. Mas a retrospectiva também nos convenceu de que poderia ter sido mais prudente para um jornal independente na capital do país evitar um apoio formal."

Esta decisão manter-se-ia até 1976, ano em que o Washington Post voltaria a dar publicamente o seu apoio a um candidato, Jimmy Carter, que viria a ganhar as eleições. As últimas eleições em que o jornal não tinha endossado qualquer candidato foram as de 1988, quando George W. Bush  foi eleito, tendo como adversário do lado do Partido Democrata, Michael Dukakis.

No artigo de opinião de ontem, Will Smith volta a esta decisão de 1976, que assume ter sido tomada “por razões compreensíveis na época”, para concluir que a posição anterior – de não declarar apoio – era a correta . “Antes disso estávamos no caminho certo, e é a isso que estamos a regressar”, escreve.

"Isto é cobardia, um momento de escuridão que deixará a democracia como vítima"

A decisão da administração do jornal apanhou de surpresa a redação que, segundo foi divulgado, se preparava para anunciar o apoio a Kamala Harris que estaria apenas a aguardar a revisão final por Jeff Bezos, que como dono tem essa prerrogativa. Coube ao editor-chefe, David Shipley, comunicar à equipa a decisão e as reações não se fizeram esperar. Um dos editores, Robert Kagan, apresentou a demissão e o ex-editor executivo do jornal, que liderou a redação durante o mandato de Donald Trump, teceu duras críticas em público.

"Isto é cobardia, um momento de escuridão que deixará a democracia como vítima," disse Martin Baron, numa declaração à NPR. "Donald Trump vai celebrar esta decisão como um convite para intimidar ainda mais o proprietário do Post, Jeff Bezos (e outros proprietários de meios de comunicação). A história marcará um capítulo perturbador de falta de espinha dorsal numa instituição famosa pela sua coragem."

Também os leitores reagiram à notícia. Poucas horas após ter sido divulgada, mais de 1600 subscrições tinham sido canceladas.

O Post ganhou um Prémio Pulitzer pela sua análise das ações de Trump em janeiro de 2021, quando o ex-presidente encorajou apoiantes a contestarem os resultados da eleição do adversário, Joe Biden, numa das páginas negras da democracia na América, que culminou com a invasão do Capitólio a 6 de janeiro.

Agora, de novo candidato e em campanha, Trump tem feito ameaças expressas aos jornalistas que o investigaram, tendo inclusive afirmado que pretende que seja possível prender repórteres que se recusem a identificar as fontes de informação e retirar licenças de transmissão a redes de televisão.

A decisão do Washington Post não constitui caso isolado. Também esta semana, o Los Angeles Times, tornou público que não iria apoiar qualquer candidato, numa decisão que levou a várias demissões.