A Polícia Judiciária está a efetuar mais de 100 buscas de norte a sul de Portugal, numa operação que envolve mais de 300 inspetores e que investiga suspeitas de tráfico de diamantes, de ouro e droga por parte de militares portugueses, entre os quais estarão comandos e ex-comandos, durante missões portuguesas ao abrigo da ONU.
"No âmbito de um inquérito dirigido pelo DIAP de Lisboa – 10ª Secção, a Polícia Judiciária, no dia de hoje, através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, e com o apoio de várias Unidades da Policia Judiciária e da Autoridade Tributária, juntamente com o Juiz de Instrução Criminal e Magistrados do Ministério Público, procedeu à execução de cem (100) mandados de busca, noventa e cinco (95) buscas domiciliárias e cinco (5) buscas não domiciliárias, visando a recolha de prova relacionada com as práticas criminosas, sob investigação, bem como ao cumprimento de dez (10) mandados de detenção emitidos pelo DIAP", pode ler-se no comunicado enviado pela PJ às redações.
Segundo o mesmo documento a "ação desenvolveu-se na região de Lisboa, Funchal, Bragança, Porto de Mós, Entroncamento, Setúbal, Beja e Faro, contando com a participação de cerca de trezentos e vinte inspetores e peritos da Polícia Judiciária".
A Polícia Judiciária diz que esta é uma investigação que visa "uma rede criminosa, com ligações internacionais, que se dedica a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas, tendo por objetivo o branqueamento de capitais".
Segundo a TVI, membros destacados do exército, Comandos e ex-Comandos, montaram um esquema criminoso para transportar de outros países, onde Portugal estava a efetuar missões militares, tendo a República Centro Africana, um país em guerra e onde Portugal está presente desde 2016, sido um dos exemplos mais citados, para a Europa estes produtos em aviões militares em que a carga não era fiscalizada.
Um dos locais que está a ser alvo de buscas é o o regimento de Comandos, no quartel da Carregueira, em Sintra, que seria a base dos principais suspeitos deste esquema, que dura há vários anos.
Segundo informações veiculadas por vários órgãos de comunicação social, Portugal era utilizado como entrada dos produtos traficados na Europa. Por exemplo, em relação aos diamantes, depois de chegados a território luso eram transportados para a Antuérpia e Bélgica, onde eram depois vendidos. Esta segunda parte do esquema leva também a que as autoridades também estejam a investigar o crime de branqueamento de capitais, feito com recurso à compra de bitcoins, uma moeda virtual sem controlo das autoridades financeiras. Segundo o Público, os militares chegavam a receber 50% do valor. A operação de investigação teve início em 2020.
A investigação é da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ e está a ser liderada pelo juiz Carlos Alexandre.
Atualmente, de acordo com dados disponibilizados pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas na sua página oficial, estão empenhados na RCA 180 militares portugueses no âmbito da MINUSCA e 45 meios. Também na RCA, mas no âmbito da missão de treino da União Europeia (EUTM-RCA), estão atualmente empenhados 25 militares.
A MINUSCA tem como objetivos "apoiar a comunidade internacional na reforma do setor de segurança do Estado, contribuindo para a segurança e estabilização" da República Centro-Africana, informa ainda o EMGFA.
A RCA caiu no caos e na violência em 2013, depois do derrube do ex-Presidente François Bozizé por grupos armados juntos na Séléka, o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas sob a designação anti-Balaka.
Desde então, o território centro-africano tem sido palco de confrontos comunitários entre estes grupos, que obrigaram quase um quarto dos 4,7 milhões de habitantes da RCA a abandonarem as suas casas.
Militares portugueses podem ter sido usados como "correio" em tráfico de diamantes, revela o Estado-Maior-General das Forças Armadas
Em comunicado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) revelou que "o que está em causa de momento é a possibilidade de alguns militares que participaram nas FND [Força Nacional Destacada], na RCA, terem sido utilizados como correios no tráfego de diamantes, ouro e estupefacientes" e que "estes produtos foram alegadamente transportados nas aeronaves de regresso das FND a território nacional".
De acordo com a nota do EMGFA, "em dezembro de 2019 foi reportado ao Comandante da 6ª Força Nacional Destacada (FND), na República Centro Africana (MINUSCA), o eventual envolvimento de militares portugueses no tráfico de diamantes".
"O comandante da FND relatou prontamente ao EMGFA a situação, tendo esta sido de imediato denunciada à Polícia Judiciária Militar (PJM) para investigação. A PJM fez a respetiva denúncia ao Ministério Público que nomeou como entidade responsável pela investigação a Polícia Judiciária", explicou.
Além da denúncia imediata, lê-se ainda na nota, o EMGFA "mandou reforçar os procedimentos de controlo e verificação à chegada dos militares das FND e respetivas cargas".
De acordo com o EMGFA, "os inquéritos militares e respetivas consequências estão pendentes das investigações em curso, com o cuidado de não interferir neste processo, ainda em segredo de justiça".
"Uma vez esclarecidas as responsabilidades, as Forças Armadas tomarão as devidas medidas sendo absolutamente intransigentes com desvios aos valores e ética militar. As Forças Armadas repudiam totalmente estes comportamentos contrários aos valores da Instituição Militar", sublinham.
Investigações são muito importantes para credibilidade das instituições militares
O secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional afirmou hoje que “as investigações são muito importantes” para a credibilidade das instituições militares, ao comentar a operação que visa militares por alegado envolvimento em tráfico de diamantes e ouro.
“Como é evidente, vivendo nós num Estado de direito e existindo separação de poderes, estas questões devem ser investigadas de uma forma absolutamente clara, para defender o interesse público, e, portanto, desse ponto de vista, nós observamos com toda a atenção no Governo como é que estas investigações estão a ser feitas, porque elas são muito importantes, nomeadamente para mantermos com toda a credibilidade e com todo o bom-nome todas as instituições militares”, disse aos jornalistas Jorge Seguro Sanches, na Marinha Grande, distrito de Leiria.
Reconhecendo que, “por vezes, em todas as organizações, poder haver uma situação menos clara ou outra”, o secretário de Estado salientou que é “nessas situações que as autoridades devem investigar”.
Jorge Seguro Sanches garantiu que, “logo que houve algumas suspeitas sobre esta situação, os órgãos próprios passaram a fazer essa investigação e este resultado está agora a funcionar”, referindo desconhecer dados mais específicos sobre a operação policial em curso.
O governando adiantou que, “neste âmbito, existe uma estrutura que é Polícia Judiciária Militar que, desde o início, está envolvida, precisamente na investigação destas situações”.
“Aquilo que nós observamos é, com toda a tranquilidade, as instituições a funcionar, a esclarecer aquilo que têm de esclarecer e a atuar se for caso disso nesta situação”, considerou Segundo o secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional.
Questionado se esta situação afeta a imagem das Forças Armadas e de Portugal, Jorge Seguro Sanches respondeu: “Não, não afeta. Se houver alguma situação que deva ser esclarecida, ela tem de ser esclarecida.
Se não fosse esclarecida, é que poderia afetar”.
“A perspetiva é esta, sempre que houver que atuar, devemos atuar e dessa forma, com certeza absoluta, que as instituições ficam salvaguardas. E por isso é que é tão importante que os órgãos num Estado de direito funcionem na medida em que o devam fazer”, acrescentou.
Buscas a comandos por suspeita de tráfico não afetam imagem do país, diz Santos Silva
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse hoje que a imagem de Portugal não sai afetada por causa de buscas ao Regimento de Comandos por suspeitas de tráfico de diamantes em missões militares noutros países.
“Não afeta a nossa imagem internacional. Se as autoridades judiciais entendem que há indícios que exigem investigações, essas investigações devem ser feitas. Vigora o princípio da separação dos poderes. não tenho nada a dizer sobre investigações em curso", disse Augusto Santos Silva.
O ministro disse aos jornalistas, à margem de uma conferência do AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), em Coimbra, que “não trata indícios como se fossem factos apurados".
“O que digo é que a imagem internacional de Portugal muito beneficia do facto de, como gostamos de dizer, sermos um contribuinte líquido para a segurança internacional e o facto de em particular nas missões da paz das Nações Unidas ou da NATO ou das missões da União Europeia o papel desempenhado pelos militares portugueses ser unanimemente reconhecido”, sublinhou.
Augusto Santos Silva destacou a sua experiência enquanto ministro da Defesa e agora como ministro dos Negócios Estrangeiros, sublinhando que não ouviu de nenhum interlocutor internacional que fale sobre as missões de Portugal que não fosse um “pedido para que continuemos a reforçar a nossa presença”.
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