A aprendizagem pode tomar muitas formas: lendo um livro, assistindo a uma palestra, fazendo exercícios. Aí aprende-se, e muito. Mas quando uma pessoa se queima ao meter a mão no fogão ou cai a andar de bicicleta por usar o travão errado, também adquire novos conhecimentos, através da experiência.
Foquemo-nos então nesta segunda modalidade, que foi a que esteve em destaque no segundo meetup do Rock in Rio Innovation Week, que convidou Carlos Moreira, um dos cofundadores da empresa Immersis, a fazer uma sessão sobre experiências imersivas e o seu potencial.
O primeiro meetup, decorrido a 16 de janeiro, mostrou aos presentes “O que é que o jazz pode ensinar sobre liderança dinâmica”. Neste segundo, porém, as cartas voltaram a ser baralhadas, e quem esteve presente na Casa do Desenho, situada mesmo ao lado do LACS Conde d’Óbidos, em Lisboa, foi sujeito a uma experiência totalmente distinta.
Entre conversas e brindes, quem se encontrava no espaço ia sendo acompanhado por uma atuação de Michel William, ex-concorrente do programa The Voice. No entanto, qualquer semblante de normalidade chegou ao fim quando Carlos Moreira tomou as rédeas do evento.
Às perto de 130 pessoas presentes na sala, Carlos Moreira explicou que a Immersis "desenha experiências imersivas, de alto impacto e que têm sempre um profundo propósito pedagógico". O foco destas, adiantou, "tem a ver com aprender através da experiência", ou seja, como exposição a determinadas situações faz com que as pessoas adquiram capacidades ou sejam capazes de analisar mais tarde como se comportaram nesse cenário.
Ao som da canção “I’ve Got a Feeling”, dos Black Eyed Peas, começaram a ser colocados balões gigantes dentro da sala, mas estes anunciavam trabalho árduo e não festa. A demonstração da Immersis não iria ser meramente teórica. Aliás, tendo em conta que o mote seriam experiências imersivas, isso seria mesmo uma espécie de traição ao seu propósito de aprender através da experiência.
Por isso mesmo, Carlos Moreira mandou baixar as luzes, fingiu que se trancava a porta e colocou um relógio em contagem regressiva. Quem esperava uma apresentação normal, afinal teria de fazer um escape-room, jogo interativo onde os participantes têm de resolver enigmas e desafios espalhados por uma ou mais salas para “fugir” do sítio onde se encontram enclausurados.
“O jogo já começou, vocês é que não sabem”, disse Carlos Moreira. Seguiu-se meia-hora de balbúrdia e cooperação, com 130 pessoas a ter de trabalhar em conjunto para resolver o desafio numa luta contra o relógio. E tudo começou nos ditos balões gigantes.
Dentro de cada um deles estava uma mensagem a dizer para tirar algumas raspadinhas que se encontravam presas à parede. Este era o primeiro desafio, pois em algumas delas encontrava-se uma letra que completava uma palavra. Com o início do jogo, notou-se de imediato a imposição de “líderes” naturais, participantes que estavam a tomar as rédeas do jogo e a direcionar outras pessoas para tentar resolver a palavra.
Ao longo do jogo, foi preciso desbloquear três malas diferentes, através de enigmas matemáticos e de lógica, usando diferentes partes do cenário, fosse usando fotografias para localizar letras escondidas e apenas detetáveis com luz ultravioleta, fosse descodificando Código Morse ou tendo de unir cartões que tinham sido dados à entrada para formar QR Codes que davam acesso a um número de telefone que continha uma pista.
Sendo um grupo de 130 pessoas, muitos foram aqueles que deram o litro, outros que não se esforçaram assim tanto e ainda alguns que preferiram estar só a assistir, tanto que Carlos Moreira ia brincando com a situação, dizendo que “se esta fosse uma empresa a sério, estavam na falência”. A união quase fez a força, pois os presentes não conseguiram resistir à contagem e o tempo passou do limite. Ainda assim, houve direito a festa, sendo que a última mala tinha um cofre, que por sua vez continha um botão que acionou dois canhões de confetti.
Aprender, fazendo
Terminado o jogo, mas Carlos Moreira explica então onde é que o caráter lúdico da atividade acaba e onde o da inovação que dá nome a esta iniciativa do Rock in Rio começa.
"Aquilo que acontece quando vocês estão a jogar um jogo como este é em tudo semelhante ao que ocorre numa organização ou numa empresa", começou por explicar o cofundador da Immersis, sendo possível observar fatores como “a comunicação” ou “a colaboração” entre os participantes num cenário de pressão, com tempo-limite e resultados a atingir.
Apesar dos presentes na Casa do Desenho não constituírem uma “equipa natural”, ou seja, colegas que trabalham juntos no quotidiano, Carlos Moreira demonstrou que, tal como ocorre numa organização, “dentro das 130 pessoas, algumas não fizeram nada, algumas envolveram-se bastante. Outras tentaram envolver-se, foram muito voluntariosas mas não sabiam como fazê-lo, e houve os que tomaram conta de algumas operações e levaram-nas do princípio ao fim".
"Aquilo que nós fazemos neste tipo de experiências é muito possivelmente uma amplificação daquilo que fazemos no nosso dia a dia", explicou o orador, indicando que quando a Immersis é contratada por empresas para atividades como esta e não conseguem completar o desafio, é possível perceber que “há problemas” nessa equipa.
"Aquilo que acontece sempre é, se pudessem agora voltar atrás e recomeçar o jogo depois de ter tido esta experiência, o que é que fariam de diferente?" perguntou Carlos Moreira, completando que a mudança comportamental que resultante dessa experiência é “é o momento em que capitalizamos a aprendizagem”.
Ao SAPO24, Carlos Moreira explica que sempre houve um problema de aproveitamento no que toca à formação tradicional que as empresas requisitam. “Era aplicada para tudo e às vezes não era necessária, às vezes absorver um conjunto de informações numa sala através de um powerpoint é bom para adquirir conhecimento, mas não se vai sentir como é aplicar aquilo na prática, mesmo com exercícios na sala”.
Segundo o orador, um estudo norte-americano mostrou que apenas 10 a 30% de todo o investimento em formação resulta em reais mudanças comportamentais nas empresas. “O formador até pode medir a avaliação da satisfação, pode ser espetacular e a formação foi ótima, mas depois as pessoas regressam à empresa, que investiu milhares de euros, e continuam a queixar-se que não houve transformação, não houve mudança comportamental”, indica Carlos Moreira, que indica que o capítulo onde a formação falha é na transferência dessas competências adquiridas para o dia-a-dia.
Um dos elementos-chave, aponta, é a motivação para aprender, sendo que esta é mais facilmente exponenciada quando há uma mudança de contexto. Carlos Moreira deu um exemplo em público, passando subitamente a falar em inglês quando estava a fazer a sua apresentação, o que gerou alguma estranheza. Quem lhe perguntou — em português — porque estava a falar em inglês, foi ignorado, mas quem alinhou e começou a falar com o orador na mesma língua, mereceu resposta.
Carlos Moreira explicou o porquê dessa opção ao SAPO24. “Se começas inusitadamente a falar inglês e a pedir às pessoas para fazerem perguntas, e quando recusas as que as fazem em português e aceitas as que fazem em inglês, estás nesse momento a forçar uma mudança comportamental", frisou. "Começamos a falar em inglês e começa a haver um contágio social porque alguém começa, alguém repete, alguém persegue e alguém faz e refaz e refaz, de repente temos uma rotina", completa.
Do mundo dos jogos para o mundo empresarial
Nascida em janeiro de 2010, a Immersis foi criada para aplicar a imersão à forma como as empresas podem fazer diagnósticos do seu funcionamento. Mas a origem deste conceito é prévia e decorreu num contexto completamente diferente.
“Quem começou a trabalhar este tema foram as áreas da tecnologia da informação, pois pegaram na imersão para levá-la para o ambiente dos jogos, tornando-os mais imersivos, porque tens óculos de realidade virtual, ambientes que são construídos à tua volta que te permitem quase transportar-te para lá”, adianta Carlos Moreira.
Dos jogos, as potencialidades da imersão começaram a espalhar-se para outras áreas, como na militar, onde se pode treinar em cenários de guerra sem os soldados se encontrarem lá, ou na da saúde, para simular cirurgias num contexto seguro.
Olhando para estes exemplos, Carlos Moreira quis transportar as mesmas ideias, mas não usando a tecnologia e sim o mundo real como ambiente imersivo, aplicando a imersão para a lógica formativa.
“Pegámos no mundo real, e mergulhámos as pessoas em algumas experiências inusitadas”, explica o cofundador da Immersis. Desta experiências constam opções tão distintas como ser copiloto de uma pessoa cega a conduzir um carro ou ter de pela primeira vez gerir um restaurante com clientes reais.
“A Immersis nasceu há 10 anos com a intenção de aplicar esta ideia da imersão a três momentos: a motivação para ir aprender no antes, no durante e no depois, porque sabemos que este último é o resto do icebergue”, conta Carlos Moreira. O próximo passo, conclui, é a empresa focar-se especificamente no aspeto da transferência de competências.
A terceira edição do Rock in Rio Innovation Week realiza-se entre 23 e 26 de junho no LACS, sendo esperadas perto de 120 horas de conteúdos, incluindo workshops, talks, sessões de networking e espetáculos musicais.
O cartaz completo só será revelado a 19 de fevereiro, mas Patrick Boltje, líder de projeto do Rock in Rio Innovation Week anunciou algumas novidades antes da sessão começar, incluindo a utilização do Barco Évora enquanto espaço, e que terá saídas diárias até ao Terreiro do Paço, assim como a parceria com a plataforma de desenvolvimento pessoal malaia Mindvalley.
Nesta 3ª edição, a Galp continua a ser o founding partner do Rock in Rio Innovation Week, e juntam-se ao grupo de promotores a Randstad Portugal, a Sociedade Ponto Verde, a EiMigrante (já repetente na segunda edição consecutiva) e a BLIP.
Os próximos meetups em Lisboa estão agendados para 19 de março, 16 de abril e 19 de maio, no LACS. Haverá ainda um meetup na sede da Blip, empresa parceira do Rock in Rio Innovation Week, a 28 de abril.
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