Os requerimentos, aprovados por unanimidade, preveem que essa discussão na especialidade decorra por 30 dias na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, período após o qual o tema voltará a plenário.

O PS já tinha anunciado à Lusa estar disponível para viabilizar a discussão na especialidade todos os diplomas.

Como surgiu a questão dos metadados?

Num acórdão de 19 de abril, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais normas da lei dos metadados que determinam que os fornecedores de serviços telefónicos e de internet devem conservar os dados relativos às comunicações dos clientes – entre os quais origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização – pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal.

Na sequência de um pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral feito pela provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, o tribunal considerou que as normas em causa violam princípios consagrados na Constituição como o direito à reserva da vida privada e familiar e a proibição de acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais, assinalando que "o legislador não prescreveu a necessidade de o armazenamento dos dados ocorrer no território da União Europeia".

Entretanto, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, comunicou que iria solicitar ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da nova lei sobre os prazos e condições para armazenamento de metadados das comunicações.

“Depois de votado [o diploma] no parlamento, a primeira preocupação é ter da parte do Tribunal Constitucional uma definição sobre a constitucionalidade da lei”, sustentou o chefe de Estado.

Que propostas estiveram em debate no Parlamento? 

PSD

O PSD foi o primeiro partido a entregar no parlamento um projeto-lei para modificar a lei dos metadados, propondo a proibição da circulação e transferência de dados para fora de Portugal e da União Europeia.

Em segundo lugar, o diploma do PSD prevê uma redução do prazo de conservação dos dados para 12 semanas “a contar da data da conclusão da comunicação”, quando atualmente a lei prevê um ano, salientando que na Alemanha este prazo é atualmente de dez semanas.

  • O que foi apontado no debate de hoje?

O PSD considerou hoje que a proposta do Governo sobre metadados claudica perante a exigência de definição de um novo regime, mas admite uma conciliação com o seu projeto para ultrapassar as inconstitucionalidades da lei de 2008.

Na sua intervenção, o líder parlamentar social-democrata, Paulo Mota Pinto salientou que o PSD apresentou o seu projeto de lei escassas “72 horas” após a declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional relativamente à lei dos metadados de 2008.

“O PS disse mal da nossa iniciativa, enquanto o Governo, que não atuou sobre esta matéria desde 2016, criou um grupo de trabalho. Agora, a proposta do Governo não pretende expurgar as inconstitucionalidades, antes claudica em relação à necessidade de se definir um regime de preservação de dados para efeitos de investigação criminal”, assinalou.

Paulo Mota Pinto criticou ainda o Chega por tentar criar “alarmismo social” com o acórdão do Tribunal Constitucional e classificou como “nacionalista” o projeto do PCP, sobretudo pela ideia inerente da obrigatoriedade do armazenamento dos dados em Portugal.

O projeto de lei do PSD prevê a retenção dos dados em Portugal ou na União Europeia, a notificação dos interessados e reduz o prazo de conservação [12 semanas] em conformidade com o princípio da proporcionalidade. Congratulamo-nos por o primeiro-ministro [António Costa], contrariando espíritos da sua bancada do PS, considerar que o diploma do PSD resolve grande parte dos problemas de inconstitucionalidade”, declarou o professor universitário e antigo juiz do Tribunal Constitucional.

Paulo Mota Pinto criticou depois a abordagem da proposta de lei do Governo aprovada no mês passado, dizendo “que abandona o regime dos metadados ao criar um regime autónomo para fins de investigação criminal a dados que são já tratados e conservados pelas operadoras”.

“A proposta do Governo opta por aproveitar os dados conservados pelas operadoras para efeitos de faturação. Ou seja, o Governo prevê a utilização de bases de dados criadas para outro efeito. Institucionaliza uma espécie de desvio de finalidade para a investigação criminal”, criticou.

Mais, de acordo com o presidente da bancada do PSD, prevê o acesso a bases de dados “que são uma criação voluntária das operadoras” e “por tempo incerto”. No entanto, dos pontos de vista político e jurídico, “tendo em conta as possibilidades de aproximação entre diferentes abordagens, designadamente as do PSD e do Governo – ambos podem ser reunidos no mesmo texto -, pensamos que é possível fazer isso na especialidade”, acrescentou Paulo Mota Pinto.

O líder parlamentar do PSD anunciou também que vai avançar com o texto de substituição em relação ao seu projeto de regime de metadados, densificando o ponto relativo à conservação seletiva de dados para efeitos de investigação criminal.

Esta mudança, a operar em sede de especialidade, foi apontada por Paulo Mota Pinto como uma espécie de “chave” para a Assembleia da República ultrapassar a declaração de inconstitucionalidade do acórdão de abril do Tribunal Constitucional relativamente à lei dos metadados de 2008.

“Admitimos a possibilidade de texto de substituição do PSD e uma convergência com a abordagem da proposta de lei do Governo. O princípio da proporcionalidade é compatível com critérios da conservação seletiva, segundo o recente acórdão” do Tribunal de Justiça da União, advogou o professor universitário e antigo juiz do Tribunal Constitucional.

De acordo com Paulo Mota Pinto, para a lei nacional sobre regime de metadados se contabilizar com a jurisprudência europeia e com a decisão do Tribunal Constitucional, o caminho poderá passar por “uma conservação seletiva dos dados de tráfego e dos dados de localização que seja delimitada, com base em elementos objetivos e não discriminatórios, em função das categorias de pessoas em causa ou através de um critério geográfico, por um período temporalmente limitado ao estritamente necessário, mas que pode ser renovado”.

Se a solução atrás referida for adotada globalmente, “permite-se ao titular dos dados opor-se à conservação, mas não se permite essa oposição em relação a certas categorias de pessoas que sejam suspeitos ou arguidos ou já condenados por crimes graves enquanto se mantiver a responsabilidade criminal”.

“Permite-se também dados colhidos em locais estratégicos, como aeroportos, zonas turísticas estações ferroviárias. É um aperfeiçoamento que elimina os problemas levantados por uma conservação generalizada de dados ainda que por um prazo mais curto”, completou.

Governo

Já a proposta do Governo, apresentada publicamente no passado dia 26, não contém qualquer prazo específico para a conservação de dados, remetendo antes para a lei geral sobre tratamento de dados, que é de seis meses na atividade comercial.

A ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, defendeu a existência de uma “mudança de paradigma” com a nova proposta legislativa do executivo e referiu, em termos de princípio, que “os dados só serão guardados enquanto considerados pertinentes”.

“A questão do prazo, agora, não se colocará autonomamente, como até aqui em que havia um prazo [de um ano] por haver uma base de dados específica. Agora, importa o prazo que estiver determinado no tratamento de dados e que é aquele que o regulamento da proteção de dados determina. Ou seja, depende do prazo de cada uma das bases de dados”, justificou.

  • O que foi apontado no debate de hoje

A ministra da Justiça defendeu hoje que a proposta de lei do Governo que regula o acesso a metadados para fins de investigação criminal é “um caminho seguro” e que permite pôr fim a “um impasse jurídico e operacional”.

No debate potestativo marcado pelo PSD no parlamento, Catarina Sarmento e Castro manifestou-se disponível para se chegar a um “amplo consenso”, salientando a “natureza urgente” do tema.

“A proposta de lei do Governo é o resultado do trabalho conjunto do Ministério da Justiça, dos órgãos de polícia criminal e da Procuradoria-Geral da República e assume natureza urgente. Impõe-se, no mais curto prazo possível, que se definam regras que permitam investigação criminal ancorada em meios de provas indispensáveis, com respeito pelos direitos dos cidadãos”, afirmou.

A ministra defendeu que a solução do Governo, que assenta numa “mudança de paradigma”, é “um caminho seguro para a superação do impasse jurídico e do impasse operacional”.

“Permite a realização da justiça e não compromete os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (…) Que possamos contar com uma maioria alargada é aquilo que desejo”, afirmou.

Enquanto PSD, PCP e Chega procuram responder à declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional alterando a lei sobre conservação de metadados, de 2008, o Governo optou por fazer um novo diploma, que regula o acesso a metadados referentes a Comunicações Eletrónicas para fins de investigação criminal.

A ministra da Justiça alertou que “o momento de encruzilhada não é exclusivamente português” e defendeu que “enquanto o direito da União Europeia não se encontrar num ponto de equilíbrio suficientemente firme é inevitável que se busquem novas soluções e paradigmas”.

“Esta é uma matéria da competência do parlamento, o Governo trouxe uma proposta de solução, pretende contribuir para a solução e apela a um amplo consenso nesta casa”, afirmou Catarina Sarmento e Castro.

Chega

No projeto do Chega propõe-se uma diminuição para seis meses em matéria de prazo de conservação, e pretende-se também proibir que dados relativos à localização sejam guardados “de forma generalizada”.

  • O que foi apontado no debate de hoje? 

Na sua intervenção, o presidente do Chega, André Ventura, comentou a intenção da bancada do PSD de apresentar um texto de substituição, em sede parlamentar de especialidade, em relação ao seu próprio diploma social-democrata no sentido de apurar o conceito de conservação seletiva de dados.

“Com a solução do PSD, dentro de um ano voltaremos a ser confrontados com o mesmo problema de inconstitucionalidade”, sustentou André Ventura, para quem, a Assembleia da República, deveria ter requerido ao Tribunal Constitucional uma delimitação dos efeitos da sua decisão relativamente à lei dos metadados de 2008.

Neste debate sobre os metadados, o presidente do Chega optou por dramatizar as consequências da decisão do Tribunal Constitucional em termos de segurança pública, considerando que “estão em causa muitas prisões preventivas por crimes graves” – uma perspetiva que o líder parlamentar do PSD, Paulo Mota Pinto, classificou como alarmista.

Já no que respeita ao executivo socialista, André Ventura acusou o Governo de “nada ter feito” para proteger a segurança da investigação criminal, não antecipando o problema que estava a ser criado em relação a uma atividade essencial polícias.

PCP

O PCP, por sua vez, quer encurtar para 90 dias o prazo de conservação dos metadados de tráfego e de localização das comunicações eletrónicas, permitindo a sua disponibilização às autoridades apenas durante esse período.

No projeto-lei do PCP não se faz alterações ao artigo da lei referente ao acesso aos metadados, mas acrescenta como condição a transmissão dos dados a autoridades de outros países apenas ser feita “de acordo com as regras de cooperação judiciária internacional estabelecidas na lei”.

  • O que foi apontado no debate de hoje? 

A deputada Alma Rivera defendeu que, para se ultrapassar as inconstitucionalidades, “cabe ao legislador procurar conciliar objetivos de eficácia da investigação da criminalidade mais grave, para o qual o acesso aos metadados se afigura muito relevante, com a salvaguarda dos valores constitucionais”.

“O PCP propõe que haja uma limitação temporal significativa dos dados, que é atualmente de um ano, para um prazo de 90 dias, após o qual devem ser destruídos pelos operadores. Mais se propõe que a conservação de dados seja mantida pelos operadores em território nacional e que a respetiva transmissão a autoridades de outros Estados seja feita estritamente em conformidade com o regime legal aplicável em matéria de cooperação judiciária internacional”, indicou Alma Rivera.

No que respeita à proposta do Governo, a deputada do PCP disse que suscita “sérias dúvidas e reservas”, designadamente quando refere que o prazo “é até ao final do período durante o qual a fatura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado”.

“Remeter para um qualquer regulamento é manter em aberto a possibilidade de nova declaração de inconstitucionalidade”, advertiu. Alma Rivera apontou também que o diploma do Governo prevê o acesso aos dados em casos de crimes menos graves.

“Ou seja, onde já havia um problema quanto à extensão na utilização dos metadados, essa extensão, na proposta do Governo, passa a ser maior”, assinalou também a deputada comunista.

A deputada do PCP observou ainda outra incongruência na proposta do Governo: “Permite-se às autoridades judiciárias solicitar o acesso aos dados tratados nos termos do artigo 6º, sendo que qualquer utilizador pode pura e simplesmente proibir previamente que os dados sejam objeto de tratamento”.“Não se entende esta solução”, acrescentou Alma Rivera.

O que dizem os partidos que não apresentaram projetos?

Entre os partidos que não apresentaram projetos, o BE lamentou que o Governo tenha esperado tanto tempo para apresentar um diploma, já que o Tribunal Europeu de Justiça se tinha pronunciado em 2014 pela inconstitucionalidade da diretiva europeia que Portugal transpôs para a sua legislação.

“A proposta que o Governo traz a este debate parece-nos mais sensata que os demais projetos, ainda que não absolutamente sensata”, afirmou o líder parlamentar Pedro Filipe Soares, questionando a ministra se se registou algum “caos” depois da decisão do TC e estranhando que a “primeira reação do primeiro-ministro tenha sido dizer que era necessária uma revisão constitucional”.

Pela Iniciativa Liberal, a deputada Patrícia Gilvaz sublinhou que a sua bancada “pugna pela defesa da privacidade” e criticou os vários diplomas apresentados, levando PS e PSD a questionarem porque não tinha a IL entregue qualquer projeto, acabando por se gerar um incidente com os sociais-democratas.

“A IL julga que este é um caso complexo e, por isso, não apresentámos nenhum projeto. Estaremos disponíveis para chegar a um consenso na especialidade e daremos os nossos contributos”, começou por responder a deputada.

No entanto, em seguida, o deputado da IL Bernardo Blanco admitiu que a sua bancada até ponderou apresentar um projeto, mas depois considerou a proposta de lei do Governo “uma boa base” de trabalho para a especialidade, com o líder parlamentar Rodrigo Saraiva a acrescentar que o PSD não respondeu inicialmente se permitiria arrastamentos de projetos de outras bancadas “e demorou algum tempo a dar essa resposta”.

“Tendo estado presente na conferência de líderes, informo que o que o senhor deputado diz é parcialmente verdade: o PSD ficou de comunicar a sua decisão num prazo X e comunicou-a bem antes desse prazo”, respondeu, de imediato, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.

Os deputados únicos Inês Sousa Real (PAN) e Rui Tavares (Livre) mostraram-se igualmente disponíveis a contribuir para o debate que se seguirá na especialidade, com a porta-voz do PAN a sugerir a audição de “personalidades de reconhecido mérito”.

Publicado em DR acórdão do Tribunal Constitucional que declara inconstitucional lei dos metadados

O acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que declara a inconstitucionalidade da lei que permite o recurso aos metadados das comunicações eletrónicas para efeitos de investigações de crimes foi hoje publicado em Diário da República (DR).

O TC anunciou em 27 de abril ter declarado inconstitucionais as normas da chamada "lei dos metadados" que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.

Num acórdão proferido no dia 19, o TC entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”.

O possível impacto desta decisão nos processos com recurso a metadados na investigação criminal desde 2008 está já a ser questionado por diferentes agentes do setor judiciário.

(Notícia atualizada às 13h42)