Trânsito, pessoas a correr na rua, outras a correr para deixar os filhos na escola e para ir de seguida para o trabalho: são 08:00 e esta poderia ser uma qualquer cidade europeia numa sexta-feira de manhã, mas é a capital ucraniana, no terceiro ano após a invasão russa em grande escala, que recebe a comitiva liderada pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
“Foi uma noite tranquila e, pela primeira vez nalgum tempo, não tivemos alertas de ataque aéreo, que têm sido recorrentes todas as noites”, comenta em conversa com a Lusa uma responsável ucraniana, que está a aguardar a chegada da comitiva europeia.
“O engraçado é que esta manhã o problema maior que temos é a poluição atmosférica devido aos incêndios na região, parece um regresso à normalidade”, ironiza.
A aparente calma contrasta com a presença das centenas de soldados espalhados por vários pontos da cidade, mas até isso já não causa estranheza aos ucranianos que ficaram ou que regressaram recentemente a Kiev.
“Tentamos seguir com a nossa vida”, comenta um outro responsável, que se junta à comitiva onde Ursula von der Leyen está a ver os geradores doados pela União Europeia (UE) ao Departamento Principal do Serviço de Emergência do Estado (SES), mostrando-se minutos depois surpreendida pela inovadora escada para combate a incêndios que é controlada remotamente.
Mas os holofotes são roubados por Patron, um cão Jack Russel Terrier de deteção de munições do SES, que revela a traquinice dos seus cinco anos ao ladrar a Von der Leyen, que fica apreensiva, mas resolve dar-lhe biscoitos para fazerem as pazes.
O plano de vitória ucraniaco
A visita surge quando a Ucrânia está prestes a assinalar o milésimo dia de guerra e dias antes de o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, apresentar ao homólogo norte-americano, Joe Biden, aquele que designou como o seu plano para a vitória.
Em solo ucraniano para garantir apoio da UE antes do arranque da estação fria no país, Ursula von der Leyen já teve conhecimento desse plano, para o qual o bloco comunitário é uma peça-chave, assim como os Estados Unidos (EUA) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), de acordo com fontes europeias ouvidas pela Lusa.
“Volodymyr Zelensky está esperançoso, mas também tem a pressão do tempo”, dadas as eleições dos EUA em novembro, comenta uma dessas fontes comunitárias.
Estas fontes ouvidas pela Lusa precisaram que o plano para a vitória assenta, desde logo, numa vertente militar e prevê, para isso, autorizações dos aliados ocidentais – da UE e EUA – para usar armas de longo alcance doadas para atacar alvos no interior da Rússia, quando recentemente países como a Alemanha disseram que não o aprovariam.
Prevê também que a Ucrânia continue a fazer avanços no terreno contra as forças russas, o que lhe daria argumentos para obrigar a Rússia a sentar-se à mesa das negociações, nomeadamente numa cimeira de paz.
Vincando acreditar que “o plano funcionará”, Volodymyr Zelensky afirmou na sexta-feira esperar o apoio de Joe Biden para “decisões rápidas”.
Além do armamento doado, outra decisão que Zelensky espera de Biden é um sinal político sobre o início formal do processo de adesão da Ucrânia à NATO, segundo as fontes europeias ouvidas pela Lusa, que mostram algum ceticismo.
Outra vertente do plano, mais encaminhada, é a adesão da Ucrânia à UE, segundo funcionários europeus, que realçam os progressos nas reformas exigidas para entrada no bloco comunitário e, exemplificam, servem de “inspiração” a outros países candidatos dos Balcãs Ocidentais, na ‘calha’ para entrar há vários anos.
“Vamos ver o que sai dos EUA da próxima semana”, adiantou um responsável europeu, admitindo que os próximos dias serão decisivos para o conflito.
De Kiev sai, além da quase normalidade, uma boa notícia levada por Von der Leyen: uma proposta para a UE avançar com uma fatia de 35 mil milhões de euros no empréstimo de 45 mil milhões de euros (50 mil milhões de dólares) do G7 à Ucrânia, que quando for aprovada pelos colegisladores europeus (Estados-membros e eurodeputados) permitirá aos ucranianos para usar essas verbas para o que quiserem, incluindo reforçar as suas capacidades militares.
*Por Ana Matos Neves, da agência Lusa
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