"As competências em matéria de concessão, licenciamento ou autorização de equipamentos, apoios de praia ou similares na Praia do Ourigo (e, por isso, também em matéria de modificação ou extinção de tais títulos) são, por força daquela transferência [de competências], do Município do Porto. De onde resulta que será nula, por falta de atribuições, a decisão da APA que revogue aquele contrato", concluiu a professora da Faculdade de Direito de Coimbra Fernanda Paula Oliveira, autora do parecer.
Em causa está a construção de um apoio de praia que, por se tratar de uma estrutura em betão, gerou uma onda de contestação, tendo levado várias forças políticas a pedir o embargo da obra e a APA, em 07 de junho, a mandar suspender e ordenar a demolição do equipamento.
No documento, a que a Lusa teve hoje acesso, a docente considera ser claro que, com a transferência de competências operada no âmbito do processo de descentralização, o município passou, a partir de janeiro, a ser a entidade competente pela atribuição de novos títulos de utilização do domínio hídrico, bem como em relação a títulos anteriormente emitidos.
"Significa isto, a contrário, que a APA não dispõe já, por força da transferência de competências efetuada pelo Decreto-Lei n.º 97/2018, de poderes para revogar o contrato de concessão para a utilização do domínio público hídrico aqui em causa", lê-se no aditamento.
Esta conclusão contraria a proposta de decisão da APA de revogação do contrato de concessão - já notificada ao concessionário para efeitos de audiência prévia e dada a conhecer ao município do Porto - que parece partir do princípio de que a APA mantém esses poderes.
"Não concordamos, porém, com este entendimento", salienta a docente.
Fernanda Paula Oliveira considera que está em causa matéria que integra atribuições municipais pelo que a Câmara deve "reagir pelos meios adequados”, "designadamente comunicando de imediato à APA este entendimento de modo a inviabilizar aquela decisão".
Caso não o faça, e caso a APA venha a proceder à revogação do contrato de concessão retirando desse facto as consequências que pretende, nomeadamente suspensão da obra e respetiva demolição, "poderá, efetivamente", vir a resultar para o município, responsabilidade civil, acrescenta.
No parecer jurídico, a especialista procura ainda esclarecer a questão da possibilidade de revogação do ato de licenciando, ato que compete à autarquia.
"Sendo a Câmara Municipal do Porto o órgão competente para revogar (fazer extinguir) o contrato de concessão, caso entenda fazê-lo, ainda que, aderindo para o efeito aos argumentos da APA, será a Câmara Municipal o órgão que tomará a decisão provocadora dos prejuízos e, por isso, a entidade responsável, em primeira linha, por esses prejuízos", conclui Fernanda Paula Oliveira.
Para a professora de direito de Coimbra, a solução da APA não tem qualquer viabilidade jurídica, sendo, caso venha a ser tomada, "totalmente inoperante".
"Aliás, não se percebe o que pretende a APA com a emissão, no presente momento, de um parecer desfavorável: tendo a revogação do parecer favorável, mesmo que fosse possível (e não é) efeitos apenas para o futuro", acrescenta.
Em matéria de suspensão das obras, o parecer considera que a fundamentação apresentada pela APA é inconsistente, considerando que não foi desencadeado qualquer procedimento de contraordenação, ou mesmo que o mesmo venha a ser desencadeado "não pode ser assacada a prática de qualquer ilícito contraordenacional aos particulares se a eventual violação das normas legais, a existir, tiver sido levada a cabo com base num ato autorizativo da administração, ainda que este venha a ser anulado".
Na reunião do executivo desta manhã, o vereador socialista Manuel Pizarro considerou que as conclusões do parecer são "impressionantes", ao concluir, como é sua leitura, que depois do Estado admitir uma licença, essa licença nunca mais pode ser revogada.
"Se a conclusão for essa, isso parece-me tudo muito impressionante", afirmou, questionando se, depois de ser reconhecido o erro, independentemente dos direitos indemnizatórios que são evidentes, se vai persistir no mesmo.
Pela CDU, Ilda Figueiredo lamentou que o assunto não tenha sido discutido em reunião do executivo, salientando que, no entender da coligação, a obra não deveria ser feita.
Por seu turno, o presidente da Câmara do Porto, o independente Rui Moreira, clarificou que o parecer o que diz é que é necessário tomar medidas para salvaguardar a autarquia.
“Não diz que aquilo não deve ser demolido", disse, acrescentando que não quer que seja a autarquia a ter de indemnizar o concessionário.
Em comunicado, em 31 de maio, o promotor, que pretendia construir um ‘Beach Club' na praia do Ourigo, situada junto à zona da Foz do Rio Douro, avisava que, "a concretizar-se o referido propósito revogatório, o mesmo constituirá causa de incalculáveis danos materiais e reputacionais que os responsáveis pelo mesmo terão, necessariamente, que suportar".
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