A conferência mundial, que decorrerá de 27 de junho a 01 de julho, é coorganizada por Portugal e pelo Quénia e realiza-se dois anos depois da data prevista por causa da pandemia que "bateu à porta" do mundo em 2020.

Com esta conferência, a segunda depois da que se realizou em 2017, nos Estados Unidos, as Nações Unidas pretendem dar um impulso à adoção de "soluções inovadoras baseadas na ciência" para a gestão sustentável dos oceanos, incluindo o combate à acidificação da água, poluição, pesca ilegal e perda de 'habitats' e biodiversidade.

A ONU lembra que os oceanos, que cobrem mais de 70% da superfície da Terra e albergam até 80% de toda a vida no mundo, estão a enfrentar "ameaças sem precedentes" em consequência da atividade humana e pede ação.

Os oceanos geram 50% do oxigénio necessário para respirar

"Se quisermos abordar algumas das questões mais marcantes do nosso tempo, como alterações climáticas, insegurança alimentar, doenças e pandemias, diminuição da biodiversidade, desigualdade económica e até conflitos, devemos agir agora para proteger o estado dos nossos oceanos", lê-se na página das Nações Unidas dedicada à conferência de Lisboa.

As Nações Unidas recordam que os oceanos são vitais: Geram 50% do oxigénio necessário para respirar, absorvem 25% das emissões de dióxido de carbono (gás com efeito de estufa responsável pelo aquecimento da superfície da Terra) e capturam 90% do calor adicional gerado por essas emissões.

Além disso, produzem alimentos, geram empregos e recursos minerais e energéticos "para a vida no planeta sobreviver e prosperar".

A ONU fixou 10 metas a alcançar entre 2020 e 2030 no âmbito do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS14), referente à proteção da vida marinha, como a prevenção e redução da poluição e da acidificação, a proteção dos ecossistemas, a regulamentação da pesca e o aumento do conhecimento científico.

Contudo, muitas dessas metas continuam apenas intenções expressas em papel e não são quantificáveis, denunciando em parte o fracasso da primeira conferência dos oceanos, ocorrida em junho de 2017 em Nova Iorque, sob a liderança da Suécia e da República das Fiji, para apoiar a aplicação do ODS14, adotado em 2015.

A conferência de Lisboa, para a qual já há 8.818 entidades acreditadas e 21 chefes de Estado e de Governo confirmados ou em vias de confirmação, contará com a presença do secretário-geral da ONU, António Guterres na sessão de abertura.

O arranque dos trabalhos da Conferência dos Oceanos 2022 será presidido pelo chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, que proferirá também o discurso de encerramento. A intervenção inaugural estará a cargo do primeiro-ministro António Costa.

"Basta um país não querer para que uma declaração não possa ser aprovada"

Segundo a organização, 25 países têm presença confirmada pelo menos ao nível ministerial. Quénia, que coorganiza a conferência, Equador, Colômbia e Nigéria são já presenças anunciadas de chefes de Estado no evento, que terá dois grandes segmentos: uma sessão plenária e oito diálogos temáticos. Foram ainda apresentados 353 pedidos de eventos associados.

Acreditações específicas para os debates da Conferência dos Oceanos 2022 são 942, enquanto para a de 2017 tinham sido 108, o que, para a organização, revela o crescimento do interesse global pelas questões da proteção dos oceanos.

Em busca de uma "declaração robusta"

 Portugal espera que a conferência das Nações Unidas sobre Oceanos que vai realizar-se em Lisboa produza uma “declaração robusta” em defesa da vida marinha, disse em entrevista à Lusa o vice-presidente da comissão organizadora da conferência global.

Alexandre Leitão créditos: ANDRÉ KOSTERS/LUSA

“Um dos objetivos substantivos é termos uma declaração robusta, negociada por consenso, tanto quanto possível simples e concisa e que ilustre quão importante é dar seguimento ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14” (ODS14) disse Alexandre Leitão.

Para o representante de Portugal na organização da Conferência dos Oceanos 2022, que decorrerá entre 27 de junho e 01 de julho, a concretização do ODS14, referente à proteção da vida marinha, deve “incidir sobre soluções baseadas na ciência, sobre trazer a ciência para bordo deste processo”.

No quadro da ONU, o documento final da conferência terá de ser consensual e está a ser negociado em Nova Iorque, estando atualmente, segundo Alexandre Leitão, na terceira versão provisória.

“A dificuldade destes exercícios consensuais é que basta um país não querer por alguma razão, e temos um contexto internacional que não é propício a acordos consensuais, basta um país não querer para que uma declaração não possa ser aprovada ou então tenha de ficar num menor denominador comum, quase inócuo. Esperemos que não”, disse o vice-presidente da comissão organizadora da conferência da ONU.

Um dos horizontes do ODS14 é conseguir que até 2030 pelo menos 30% da superfície global dos oceanos tenham algum estatuto de áreas protegidas, um objetivo com o qual, afirmou Alexandre Leitão na entrevista à Lusa, Portugal está comprometido - apesar de atualmente ter apenas cerca de 3% das suas águas classificadas - mas que enfrenta as dificuldades inerentes à mobilização de países com interesses próprios, distintos e por vezes conflituantes.

“O processo obviamente está numa fase lenta, de início, que é própria disto, e obviamente que não é fácil conseguir que todas as nações costeiras tomem as mesmas medidas e que 30% das águas estejam protegidas”, disse o representante de Portugal, que adota a postura de diplomata que gosta de “ver o copo meio cheio em vez de meio vazio” para olhar para as complexidades das negociações.

"O oceano pode ser não só um conjunto de páginas gloriosas da nossa história, mas também um conjunto de páginas gloriosas do nosso futuro”.

“Se acharmos que resolvemos os problemas no dia seguinte, sairemos sempre em desespero e com o copo completamente vazio. Mas se quisermos olhar para os processos e percebermos que, como dizia o falecido Presidente (francês, François) Mitterrand, é preciso saber viver com a lentidão da história, os processos vão acontecendo e desde que haja progressos é sempre positivo mesmo que não com a rapidez desejada. Desde que não haja retrocessos, já estamos numa faixa positiva”, afirmou.

Alexandre Leitão reconheceu que “quando há conflitos como na Ucrânia, todo o processo no mínimo trava para não dizer que sofre um retrocesso”, mas adiantou que “por vezes as crises provocam efeitos sistémicos que levam à aceleração de soluções inovadoras”.

Sobre o significado da conferência para Portugal, Alexandre Leitão defendeu que é “uma oportunidade para consciencializar a sociedade portuguesa de que o oceano é algo mais do que uma praia, do que um sítio de onde vêm as sardinhas ou onde andam barcos”.

O representante de Portugal na organização da Conferência dos Oceanos 2022 afirmou que é necessário passar a mensagem de que o oceano “pode ser não só um conjunto de páginas gloriosas da nossa história, mas também um conjunto de páginas gloriosas do nosso futuro”.

“Vamos tentar que os nossos mais relevantes atores tenham ali o seu palco, não apenas políticos, mas da sociedade civil”, adiantou.

Alexandre Leitão apontou também como trabalho central da conferência em Lisboa “fazer um inventário dos compromissos assumidos por Estados e outras entidades desde a primeira conferência em 2017”, que se realizou nas Nações Unidas, em Nova Iorque, área onde há também muito caminho a percorrer.

“Algumas potências estão muito longe de mostrarem um comprometimento efetivo profundo com a preservação da biodiversidade, com a despoluição, desde logo dos plásticos e com a redução de facto das emissões de gases com efeito de estufa” afirmou.

Apesar do reconhecimento da distância a percorrer, “o facto de vários países mundiais, de várias grandes potências emissoras (de gases com efeito de estufa) terem assumido durante o ano de 2021 - a começar pelos Estados Unidos, que voltaram ao acordo de Paris - metas de neutralidade carbónica para 2050 que são ambiciosas” permite ao diplomata defender que o copo está meio cheio.

E para defender a importância da conferência sobre os oceanos que Lisboa irá receber, Alexandre Leitão deixou o alerta de que “não faz sentido estarmos comprometidos com os objetivos de Paris e outros e depois fazer de conta que não existe esse vastíssimo meio que ocupa 71% da superfície do planeta que produz metade do oxigénio que é o maior armazenador de carbono que existe”.

* Entrevista de Ana Paula Pires e João Miguel Roque (LUSA)

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