
Em declarações à agência Lusa, por ocasião da apresentação do relatório Pessoas com Deficiência em Portugal — Indicadores de Direitos Humanos 2024, a coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) destacou que, pela primeira vez, foram analisados os dados relativos à despesa em proteção social na deficiência em Portugal.
“Comparativamente à União Europeia podemos perceber que a situação não é de facto brilhante”, resumiu Paula Campos Pinto.
No período temporal analisado no relatório, que é apresentado hoje, em Lisboa, e que percorre os anos entre 2015 e 2022, “há uma percentagem que se vai reduzindo”, salientou, apontando que essa tendência também se verifica na União Europeia, mas de forma “menos significativa”.
De acordo com o relatório, e tendo por base dados do Eurostat, em 2022 “apenas 1,58 % do Produto Interno Bruto (PIB) português foi gasto com a proteção social de pessoas com deficiência, enquanto o gasto da média dos países da UE foi de 1,87 % do PIB”.
Por outro lado, analisando desde 2015, “esta despesa tem vindo a diminuir (-0,24 p.p.), acompanhando a tendência europeia de retração (-0,11 p.p.) “.
Por outro lado, explicou Paula Campos Pinto, quando é analisada a Paridade de Poder de Compra, uma medida padrão para comparar o poder de compra entre vários países, Portugal está “bastante abaixo daquilo que tem sido a despesa com proteção social na União Europeia”.
“Isso é de facto algo que nos preocupa”, salientou, apesar de admitir que houve “um ligeiríssimo aumento” ainda que aquém e mais lento do que o que se registou na média da União Europeia.
Uma realidade que, apontou, tem reflexo em medidas como o Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI), que, apesar de estar implementado há vários anos, “não tem tido um crescimento significativo” em relação ao número de beneficiários.
“Pensamos que há realmente margem para crescimento nesta área, que é tão fundamental e que tem um custo-benefício tão significativo em termos depois da participação social, da inclusão social das pessoas com deficiência em todos os domínios do trabalho, do lazer, da vida do dia-a-dia, da mobilidade, da inclusão social”, defendeu Paula Campos Pinto.
Segundo a coordenadora do ODDH, outra consequência da diminuição da despesa com proteção social é a “concentração do investimento em respostas de caráter mais institucionalizante”, seja os Centros de Atividades Ocupacionais ou os Lares Residenciais, em vez de respostas como os MAVI, o apoio domiciliário ou as residências de autonomização.
Para Paula Campos Pinto, é preciso não só reforçar o financiamento de respostas que promovem a autonomia e independência das pessoas com deficiência, mas também repensar as prioridades, lembrando que o objetivo deveria ser a existência de um “modelo de inclusão e participação social plena para todas as pessoas, independentemente das suas necessidades específicas”.
“Para isto acontecer é necessário um investimento forte na assistência pessoal e é necessário um investimento forte na acessibilidade também do meio ambiente, dos transportes, de forma a permitir de facto essa participação e essa inclusão”, defendeu.
Completados 50 anos do 25 de Abril de 1974, Paula Campos Pinto afirmou que há um reconhecimento de que foram feitas conquistas importantes neste período de tempo, apesar de sempre em “passos lentos”.
“Poderíamos avançar e precisamos de avançar ainda mais, com mais determinação, com mais investimento financeiro, porque há áreas em que claramente esse investimento é necessário, por exemplo, a área da educação inclusiva é fundamental”, destacou.
Nessa matéria, salientou que Portugal tem uma “boa lei”, apontada como exemplo a nível internacional, mas que depois “falha na sua implementação pela escassez de recursos materiais humanos que lhe são afetos”, o que se transforma num entreva à própria lei.
Sem apoios sociais, mais de 60% das pessoas com deficiência enfrentam risco de pobreza
Mais de 60% das pessoas com deficiência acima dos 16 anos estavam em risco de pobreza em 2023 antes das transferências sociais, um risco que alastra às famílias e piora consoante a gravidade da deficiência, revela um relatório nacional.
Segundo o Relatório Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2024, que é apresentado hoje, em Lisboa, e tendo por base os dados do Inquérito Europeu às Condições de Vida e Rendimento relativos a 2023, disponibilizados pelo Serviço de Estatística da União Europeia — Eurostat – a percentagem de pessoas com deficiência em risco de pobreza era quase o dobro do registado entre as pessoas sem deficiência.
“Cerca de dois terços (62,4%) das pessoas com deficiência com mais de 16 anos enfrentavam risco de pobreza antes de transferências sociais”, lê-se no relatório, salientando que “aumentou o fosso entre pessoas com e sem deficiência”.
Relativamente ao risco de pobreza depois das transferências dos apoios sociais, os dados mostram “o impacto mais expressivo destes apoios na população com deficiência face à população sem deficiência”, já que, em 2023, a taxa de pobreza para as pessoas com deficiência desce 41,3 pontos percentuais (p.p.) depois de receberem apoios sociais, enquanto nas pessoas sem deficiência essa descida é de apenas 20,3 p.p..
“Este resultado sugere que as transferências sociais têm maior relevância na redução da pobreza entre as pessoas com deficiência em Portugal do que na população sem deficiência, possivelmente devido à escassez de fontes alternativas de rendimento para este grupo demográfico no nosso país”, apontam os investigadores.
Em termos de prestações sociais, apontam que a criação da Prestação Social para a Inclusão (PSI), para as pessoas com deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, representou “um reforço relevante no sistema de proteção social — atingindo 154.421 beneficiários em 2023, um aumento de 623% desde a sua implementação”.
No entanto, “os dados demonstram que o risco de pobreza ou exclusão social se mantém mais elevado nos agregados familiares de pessoas com deficiência, agravando-se em função da severidade da deficiência”.
É também constatado que “há ainda um agravamento do fosso entre os agregados de pessoas com e sem deficiência neste indicador, que aumentou de 9,8 p.p. em 2015, para 10,7 p.p. em 2023”, o que demonstra, na ótica dos investigadores, “o impacto da deficiência na unidade familiar”.
“Entre 2015 e 2023, em Portugal, o risco de pobreza ou exclusão social mantém-se sempre mais elevado entre agregados de pessoas com deficiência do que entre agregados de pessoas sem deficiência”, lê-se no relatório.
Tendo em conta o grau de deficiência, “percebe-se que são as pessoas com deficiência grave e os seus agregados que continuam a enfrentar em 2023 o maior risco de pobreza ou exclusão social (33%), um valor que é mais do dobro do verificado nas pessoas sem deficiência (16 %)”.
Na desagregação de dados por género, no período de tempo entre 2015 e 2022, é possível constatar que “as mulheres com deficiência mantêm de forma consistente taxas mais elevadas de risco de pobreza ou exclusão social face aos homens com deficiência e aos demais grupos”.
A juntar aos dados sobre pobreza ou exclusão social vem a dificuldade em fazer face às despesas habituais e, segundo o Eurostat, para 2023, “quase 1 em cada 3 agregados familiares de pessoas com deficiência (acima dos 16 anos) têm 'dificuldade' ou 'grande dificuldade' em fazer face às suas despesas habituais”.
Um valor que contrasta com os 19,4% dos agregados sem pessoas com deficiência que enfrentaram tais desafios, e que se acentua nos agregados com pessoas com deficiência grave e chega a 36,6%.
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