"Quando nos propusemos a combater a corrupção em Angola, tínhamos noção de que precisávamos de ter muita coragem, sabíamos que estávamos a mexer no ninho do marimbondo, que é a designação, numa das nossas línguas nacionais, do terminal da vespa", disse João Lourenço, respondendo a uma pergunta, no Palácio de Belém, em Lisboa, sobre se a questão do repatriamento de capitais - ilicitamente transferidos para o exterior - não se assemelha a 'brincar com o fogo'.

"Tínhamos noção de que estávamos a mexer no marimbondo e que podíamos ser picados, já começámos a sentir as picadelas, mas isso não nos vai matar, não é por isso que vamos recuar, é preciso destruir o ninho do marimbondo", vincou o governante, depois de se ter escusado a comentar as críticas do antigo Presidente José Eduardo dos Santos e da empresária Isabel dos Santos, feitas na quarta-feira, já depois do Presidente ter saído do país.

Na resposta à questão sobre a tentativa de repatriar os capitais ilegalmente retirados de Angola, João Lourenço afirmou: "Quantos marimbondos existem nesse ninho, não são muitos, devo dizer; Angola tem 28 milhões de pessoas, mas não há 28 milhões de corruptos, o número é bastante reduzido e há uma expressão na política angolana que diz que 'somos milhões e contra milhões ninguém combate'".

Tentando mostrar que tem o povo ao seu lado na luta contra a corrupção, João Lourenço terminou a resposta dizendo: "Ninguém pense que, por muitos recursos que tenha, de todo o tipo, consegue enfrentar os milhões que somos, portanto não temos medo de brincar com o fogo, vamos continuar a brincar com ele, com a noção de que vamos mantê-lo sempre sob controlo".

A expressão "brincar com o fogo" foi colocada pelo jornalista português que fez a pergunta sobre as consequências do repatriamento de capitais, mas foi largamente aproveitada por João Lourenço, que iniciou a resposta dizendo: "Se estamos a brincar com o fogo, temos noção das consequências desta brincadeira; o fogo queima, importante é mantê-lo sob controlo, não deixar que ele se alastre e acabe por se transformar num grande incêndio".

Antes da responder, João Lourenço convidou Marcelo a falar primeiro, e o Presidente da República afirmou: "Trata-se de uma decisão soberana do Estado angolano e, portanto, Portugal não vai pronunciar-se sobre questões internas do Estado angolano, mas na medida em que possa haver repercussões entre as duas economias, entre os dois povos, entre os dois Estados, essa questão naturalmente não deixará de ser ponderada e acompanhada atentamente, quer na ótica da aplicação do direito angolano internamente [em Portugal], quer na ótica da sua repercussão nas relações com Portugal".

O Presidente da República de Angola, João Lourenço, iniciou hoje a sua primeira visita de Estado a Portugal, prevendo, durante três dias, deslocações ao Porto e à base naval do Alfeite, além de Lisboa. Trata-se também da primeira deslocação oficial a Portugal de um chefe de Estado angolano em praticamente dez anos.

Às 15:00, o chefe do Estado angolano e o presidente do parlamento, Ferro Rodrigues, discursam numa sessão solene da Assembleia da República e João Lourenço segue depois para a Câmara Municipal de Lisboa, onde irá receber a chave da cidade das mãos do presidente da autarquia, Fernando Medina.