“Estamos a acompanhar presencialmente o caso e com meios de subsistência - significa que somos nós que providenciamos comida. O número dois da Embaixada [de Portugal] em Kinshasa já o visitou, tal como o cônsul honorário [de Portugal] na República Centro-Africana (RCA)”, disse à Lusa fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
O homem – “jovem”, segundo a mesma fonte - “está detido, suspeito de estar envolvido num ‘complot’ contra o regime”, e “trabalha para uma organização não-governamental (ONG) norte-americana”, informou o MNE português.
“Aguardamos pelos desenvolvimentos do caso”, concluiu a fonte oficial.
À detenção por elementos do Grupo paramilitar Wagner em Zémio, uma localidade na província de Haut-Mbomou, na fronteira com a República Democrática do Congo (RDCongo), no passado dia 25, seguiu-se um interrogatório e a abertura de um "processo judicial" contra o detido, que está a ser investigado por alegada “conspiração” contra o Estado em ligação com “grupos armados” rebeldes, segundo o procurador do Ministério Público (MP) centro-africano Benoit Narcisse Foukpio.
De acordo com o MP, em Bangui, capital da RCA, “as primeiras investigações” mostram que o homem detido “esteve em contacto permanente com vários grupos armados (...) com vista a cometer uma conspiração, [um] atentado contra a segurança interna do Estado e atos de incitamento ao ódio e à revolta contra as forças de defesa e de segurança”.
O homem “é titular de dois passaportes”, português e belga, segundo o MP - mas com naturalidade portuguesa, segundo a imprensa local –, nos quais usa os mesmos nomes próprios, mas não o mesmo apelido, e apresenta-se “como consultor da ONG norte-americana” Family Health International 360 (FHI 360).
O consultor luso-belga é acusado de “fornecimento de meios a grupos subversivos, de falsificação e utilização de falsificações” e “foi colocado à disposição da polícia judiciária de Bangui”, informou ainda o MP centro-africano.
A pretexto do trabalho como funcionário da FHI 360, o detido recolhia junto da população local “informações sobre as operações das milícias locais”, que eram depois “fornecidas aos rebeldes que lutam contra essas milícias”, designadamente a Azande, acusa a justiça centro-africana.
A FHI 360 confirmou à agência France Presse que um dos seus “consultores, que trabalha num programa de desenvolvimento comunitário em Zémio” está “detido pelas autoridades” na RCA.
Esta organização sem fins lucrativos tem uma forte presença em África e apoia programas de prevenção e tratamento do VIH/SIDA, cuidados materno-infantis, melhoria da educação e capacitação económica. Para o efeito, trabalha com os governos locais, as comunidades e outros parceiros para promover mudanças sustentáveis.
A detenção ocorreu no contexto de uma ofensiva do Grupo Wagner, apoiado pelas milícias locais Azande, contra um dos mais poderosos grupos rebeldes, a Union pour la Paix en Centrafrique (UPC).
O “Corbeau News Afrique”, um portal centro-africano de notícias língua francesa, escreve que o luso-belga foi detido pelos mercenários russos porque não tinha consigo os seus documentos de identidade. Os colegas do homem podiam tê-los fornecido aos mercenários, mas não o fizeram por receio de também eles serem presos.
A região de Haut-Mbomou está a “ferro-e-fogo” há vários dias e, ainda segundo o “Corbeau News Afrique”, a repressão da Wagner e dos milicianos Azande tem sido intensa. A sub-prefeita de Djema terá sido detida em circunstâncias semelhantes à do funcionário luso-belga, e, na passada terça-feira, 28 de maio, os mercenários da Wagner convocaram para uma reunião os comerciantes muçulmanos de Zémio, que depois acusaram de possuir armas, encenando um pretenso desarmamento, que se "transformou em humilhação e violência", escreve a publicação.
Nas redes sociais, circulam em contas pró-russas ou próximas da Wagner mensagens com uma fotografia do trabalhador humanitário detido, dando conta de que o seu interrogatório terá revelado que o homem estava a trabalhar como “espião para o Governo dos Estados Unidos”.
Na quinta-feira, Washington impôs sanções económicas a duas empresas centro-africanas ligadas à Wagner, um grupo paramilitar “apoiado pela Rússia”, acusado de “cometer violações generalizadas dos direitos humanos e de apropriação de recursos naturais em vários países africanos”, segundo o Departamento do Tesouro norte-americano.
A República Centro-Africana, um dos países mais pobres do continente africano e que, desde a sua independência de França, em 1960, tem sido afetada por uma sucessão de guerras civis, golpes de Estado e regimes autoritários, é assolada por uma guerrilha multifacetada, conduzida por rebeldes ou grupos armados contra o exército apoiado por mercenários do grupo russo Wagner ou do seu sucessor, o Africa Corps.
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