A ameaça "pressente-se" e "sente-se" na base.

O perímetro é protegido por vários muros de betão e cercas de arame farpado, os controlos são muitos e rigorosos, mesmo para quem está em missão. Quem chega à base é transportado num velho autocarro a fazer lembrar o filme "Blade Runner".

Ao som da sirene, e do alerta "shelter in place" ("para os abrigos"), todos correm para se proteger, quer seja exercício ou um ataque a sério, dentro ou fora do perímetro.

Há até pequenos gestos, tão usuais e simples, como a utilização das redes sociais, que são barrados aos militares, na convicção de que quem faz estes ataques usa as redes sociais de forma expedita.

A base, onde estão militares portugueses e de mais de 20 países – no total, a RS tem 56 países – é uma espécie de Torre de Babel de línguas (e povos). Há militares e carros de combate, o movimento no aeroporto é quase incessante, dos BlackHawck ou C-130 aos velhos helicópteros Mil soviéticos, que foram ficando após a invasão e retirada da URSS.

É ali, nas pistas que dão acesso ao aeroporto, que grande parte das forças portuguesas têm a sua missão – 154 dos 312 militares são a força de reação rápida.

São eles, juntamente com um pelotão turco, os primeiros a reagir a qualquer emergência ou alerta de perigo. São também soldados portugueses que, em torres próprias, 24 horas por dias, controlam e vigiam quem entra e quem sai da HKAIA pela pista.

Tal como a força de reação rápida, têm ao seu dispor blindados norte-americanos Oshkosh ou MRAP, com a bandeira portuguesa, para responder a emergências: em três minutos têm de estar equipados e prontos nos blindados. Tal como no exercício de prontidão que a Lusa testemunhou no domingo de manhã, horas antes da visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Prontidão é necessária numa base na capital de um país onde há vários grupos, como os talibãs, a quem é atribuída a autoria de inúmeros atentados. Uns mais próximos, outros que visaram a própria base de HKAIA. Mas essa é informação sensível que os militares reservam, se não for noticiada pelos media.

Há relatos, uns mais antigos do que outros, de tiros de morteiro para dentro da base. Os ataques mais temidos pelos militares são mesmo as tentativas de intrusão de um “insurgente” ou de entrada de um veículo com explosivos na base.

O coronel Paulo Lourenço, a cumprir uma missão de um ano em Cabul e que recebeu o Presidente na visita de domingo, admitiu à Lusa, de forma genérica, "uma curva ascendente" em número de "incidentes" nos últimos anos, mas sem adiantar mais pormenores.

Os números, porém, não são públicos, até para não dar informações ou "palco" aos grupos que os militares consideram terroristas – talibãs ou o autoproclamado Estado Islâmico ou Daesh.

Afinal, o Afeganistão é conhecido pelos historiadores como um "cemitério de impérios", de Alexandre, o Grande, aos britânicos, no século XIX, ao soviético, no século passado.

Rui Madeira deu “salto no escuro” e hoje é chefe da torre de controlo

Rui Madeira, chefe da torre de controlo do aeroporto de Cabul, onde vive há mais de dez anos, não perdeu o sotaque algarvio e admite que a ida para o Afeganistão “foi um salto no escuro”.

“Graças a Deus correu bem”, segundo o ex-oficial da Força Aérea Portuguesa (FAP), que disse à Lusa não se ter sentido ameaçado durante os anos em que vive na capital do Afeganistão, país onde estava Osama Bin Laden, ex-líder da Al Qaeda, em 2001, quando se deram os atentados contra o World Trade Center, e palco de numerosos atentados.

Medo? “Só os loucos não têm medo, mas o medo não é atrofio”, afirmou.

Nem que, para andar na rua, se vista como os afegãos, com “pacol” e “pijama”, afirmando, com um sorriso: “Fardo-me como eles”. E está convencido de que não é “alvo” para os talibãs, ao contrário dos soldados, por exemplo.

Na visita de domingo, este algarvio de 57 anos foi o único civil, entre os militares portugueses, que cumprimentou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, à sua chegada à base da NATO na missão Resolve Solution (RS).

Há dez anos, era oficial da FAP e soube que a NATO iria recrutar controladores aéreos para Cabul, para a ISAF, e foi-se mantendo “atento à internet”.

“Quando apareceu uma posição, concorri e ganhei”, recordou à Lusa, em Cabul.

Hoje, é quadro da empresa norte-americana que gere a torre de controlo e é responsável pela formação de técnicos de controlo aéreo, frequentado por seis mulheres, algo pouco usual num país como o Afeganistão.

Vive na base da NATO, do lado norte do aeroporto, e é um dos cerca de 15 portugueses a viver em terras afegãs.

Também associado ao trabalho da NATO, Helder Ferreira, ex-militar da Força Aérea Portuguesa, é bombeiro do aeroporto há cinco anos, numa empresa estrangeira.

Mudou de vida, de país, trabalha três meses, também numa empresa americana, a dar formação, e tem um mês de férias, que é quando vai a Portugal.

Rui Madeira viaja e diz conhecer bem o Norte do Afeganistão. Foi numa dessas viagens que, em Herat, teve de se abrigar num ‘bunker’ e foi aí que percebeu que há mais um português naquele país: um ‘chef’ de Lisboa, hoje com 70 anos, que trabalha no restaurante da cidade.

Agora, os seus planos passam por continuar a trabalhar mais algum tempo - tem hoje 57 anos - e voltar ao seu país para gozar a reforma.

No Afeganistão, país sem costa nem mar, diz, em tom de brincadeira: “Não vou morrer afogado.”


Por: Nuno Simas (texto) e Mário Cruz (fotos) da agência Lusa

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