De junho a agosto, na altura que coincidiu com a tragédia de Pedrógão Grande, do número 99 da Rua das Flores, perto do largo Camões, no Chiado, em Lisboa, saíram várias viaturas da Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lisboa para auxiliar nos vários incêndios na zona centro do país.
Esta semana, a esse mesmo quartel, chegou uma fatura no valor de 138,19€ - valor que inclui os valores das portagens mais os custos administrativos - relativa ao pagamento de portagens de uma viatura que circulou na A23 entre os dias 22 de junho e 27 de agosto, uma das alturas mais críticas de combate às chamas no país.
“Nós estivemos no combate a todos os grandes incêndios... em Santarém, na Guarda, em Castelo Branco, entre outros. [Refiro-me] a estes em particular porque tivemos de, para sermos mais rápidos a chegar aos incêndios, circular pela A23, que atravessa estes distritos”, começa por explicar ao SAPO24 o Adjunto de Comando dos Bombeiros Voluntários de Lisboa, Hugo Simões. E, apesar das viaturas de socorro estarem isentas de portagens, os trajetos foram cobrados eletronicamente, já que na A23 não existem pórticos de cobrança físicos.
A ambulância em causa transportava dois elementos e integrava um grupo de combate aos incêndios florestais que é composto por dois veículos de comando, quatro veículos de combate e dois veículos de tanque. A ambulância em causa, servia “para prestar cuidados a algum cidadão que estivesse em perigo", mas principalmente para auxiliar os bombeiros daquele grupo. "Se algum de nós se magoar é lá que tem o primeiro socorro e transporte até ao hospital”, explica Hugo Simões.
Uma viatura de socorro, de acordo com a lei, é isenta de taxas de portagem. No entanto, este veículo não estava munido do dispositivo eletrónico da Via Verde que o permitia identificar como sendo uma ambulância. Hugo Simões explica o porquê: “Nós adquirimos duas ambulâncias de socorro novas. Fomos buscar as duas [ao Porto] no espaço de uma semana e esta última foi a que despachamos para estas ocorrências. Só que ainda não tinha o dispositivo da Via Verde e não íamos ter uma ambulância parada só porque não tínhamos Via Verde, quando era preciso ajudar”, sublinha o adjunto de comando, que explica que desde que o veículo teve de ser colocado em circulação (mais cedo do que o previsto) nunca parou.
O veículo foi comprado para ser integrado no serviço pré-hospitalar da cidade de Lisboa, explica Hugo Simões, sublinhando que, uma vez que a ambulância seria para andar na capital, a compra do dispositivo nunca foi uma prioridade, muito menos num caso de exceção em que se tiveram de acelerar processos para a colocar em serviço antecipadamente. "Nós, na cidade de Lisboa, não utilizamos Via Verde, logo não era uma prioridade para nós. O veículo não era suposto estar a fazer serviço, ele só saiu porque foram situações excepcionais que nos obrigaram a utilizar esta ambulância. E também tem o custo, e parece que não, mas também precisa de autorizações para que haja esses gastos", observa.
Segundo o comandante adjunto, o processo para o pedido do dispositivo foi iniciado esta semana. "É mais complexo do que parece", desabafa, explicando que há uma série de passos que é necessário cumprir e que começam num pedido à direção para efetuar a despesa - que ronda os 30 euros - e que termina com todas as burocracias necessárias para certificar aquele veículo como uma ambulância. "Se não houvesse esta situação de incêndios como houve este verão, aquela ambulância não teria saído. Aliás, não teria ido para aquelas zonas, ou, se fosse, optávamos por outro tipo de estradas, mas íamos integrados num grupo que não pode ir metade pela nacional, metade pela autoestrada", volta a sublinhar.
“Isto foi a primeira vez que nos aconteceu. E nós até temos estado a trocar e-mails com eles [Portvias S.A., a responsável pela gestão das portagens na A23]. E eles dizem que inclusivamente têm consciência de que nós fomos para os incêndios, mas que temos de pagar na mesma”, conta.
Portvias diz-se sensibilizada, mas mantém inflexibilidade
A A23 faz parte das ex-Scuts que passaram a ser portajadas. No dia 8 de dezembro de 2010, os pórticos eletrónicos passaram a estar a funcionar e a ser da responsabilidade da Portvias S.A..
Na troca de e-mails entre a Portvias S.A. e a tesouraria da Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lisboa, a entidade que gere as portagens assume-se sensibilizada pela situação, mas reitera a necessidade de que o pagamento seja efetuado, mesmo quando, na fatura, a passagem pelos diferentes pórticos permite perceber que a viatura percorreu os locais fustigados pelos incêndios (Tomar, Abrantes, Alvares e Mação, entre outros).
Os Bombeiros Voluntários de Lisboa, perante a receção da fatura, enviaram no dia 19 de outubro um pedido de anulação das taxas de portagem cobradas. Na resposta, a Portvias, no mesmo dia, sublinhou que os veículos de emergência apenas são isentos de taxas de portagens “quando devidamente identificados e circulem munidos dos respetivos títulos de isenção”, ou seja o dispositivo da Via Verde que não foi possível pedir.
No dia seguinte, 20 de outubro, Natália Borges, da tesouraria dos Bombeiros de Lisboa voltou a expor a situação que mereceu resposta no dia 24 de outubro. “Atendendo à questão colocada, não deixando, no entanto, de ficar sensibilizados com a situação apresentada, cumpre-nos reiterar o anteriormente indicado: “os veículos de bombeiros, ambulâncias e outros de emergência a estes equiparáveis, estão isentos de cobrança de taxas de portagem quando devidamente identificados e circulem munidos dos respetivos títulos de isenção, a emitir pelo concedente, por meio de dispositivo eletrónico associado à matricula que se encontre registado como isento. Em seguimento do exposto por V. Exa., e após análise, tendo verificado no nosso sistema que, à data das viagens, a viatura com a matrícula 95-SP-39 não circulava munida de um DEM - Dispositivo Eletrónio de Matrícula, devidamente identificado como isento, sendo assim da responsabilidade de V. Exas, o pagamento do valor consoante o Aviso de Cobrança nº 151711619749.”
Contactada pelo SAPO24 a Portvias assumiu que o pagamento terá de ser efetuado indo de encontro ao que é decretado na Base LV-H do artigo 2º do Decreto-Lei n.o 214-A/2015 que faz aditamentos às bases de concessão dos lanços de autoestrada da Beira Interior, e onde é dito, na alínea g) do ponto 1, que a isenção se aplica aos "veículos de proteção civil, de bombeiros, ambulâncias e outros veículos de emergência a estes equiparáveis, quando devidamente identificados". Ideia que volta a ser reforçada no ponto 2, "Os veículos a que se refere o número anterior, com exceção dos indicados na alínea h), devem circular munidos dos respetivos títulos de isenção, a emitir pelo concedente, nos termos do número seguinte."
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