"O Prémio Nobel 2023 em Fisiologia ou Medicina foi atribuído a Katalin Karikó e Drew Weissman pelas suas descobertas relativas às modificações das bases nucleósidas que permitiram o desenvolvimento de vacinas eficazes de mRNA contra a covi-19", foi referido no anúncio.
Segundo o comunicado da academia, "as descobertas dos dois laureados com o Prémio Nobel foram fundamentais para o desenvolvimento de vacinas eficazes de mRNA contra a covid-19 durante a pandemia que começou no início de 2020. Através das suas descobertas inovadoras, que alteraram fundamentalmente a nossa compreensão da forma como o mRNA interage com o nosso sistema imunitário, os laureados contribuíram para o ritmo sem precedentes de desenvolvimento de vacinas durante uma das maiores ameaças à saúde humana nos tempos modernos".
É ainda referido que "a vacinação estimula a formação de uma resposta imunitária a um determinado agente patogénico", o que "dá ao corpo uma vantagem na luta contra a doença no caso de uma exposição posterior". Nesse sentido, "há muito que existem vacinas baseadas em vírus mortos ou enfraquecidos, como é o caso das vacinas contra a poliomielite, o sarampo e a febre amarela" — que levou Max Theiler a receber o Nobel em 1951.
As vacinas de mRNA foram vistas como "uma ideia promissora", embora o seu desenvolvimento já aconteça desde os anos 1980, com alguns obstáculos.
"Estes obstáculos não desencorajaram a bioquímica húngara Katalin Karikó, que se dedicou ao desenvolvimento de métodos de utilização do mRNA para fins terapêuticos. No início dos anos 90, quando era professora assistente na Universidade da Pensilvânia, manteve-se fiel à sua visão de utilizar o mRNA como terapêutica, apesar de ter encontrado dificuldades em convencer os financiadores da investigação da importância do seu projeto", é explicado no comunicado.
Entretanto, surgiu um novo colega na sua universidade: o imunologista Drew Weissman. "Ele estava interessado nas células dendríticas, que têm funções importantes na vigilância imunitária e na ativação de respostas imunitárias induzidas por vacinas. Estimulada por novas ideias, começou rapidamente uma colaboração frutuosa entre os dois, centrada na forma como diferentes tipos de mRNA interagem com o sistema imunitário".
Com o avançar do trabalho, "Karikó e Weissman repararam que as células dendríticas reconhecem o mRNA transcrito in vitro como uma substância estranha, o que leva à sua ativação e à libertação de moléculas de sinalização inflamatória". Por isso, "perguntaram-se porque é que o mRNA transcrito in vitro era reconhecido como estranho, enquanto o mRNA de células de mamíferos não provocava a mesma reação".
Assim, "Karikó e Weissman perceberam que algumas propriedades críticas devem distinguir os diferentes tipos de mRNA" e continuaram a investigar, tendo produzido "diferentes variantes de mRNA, cada uma com alterações químicas únicas nas suas bases, que entregaram às células dendríticas". Daí surgiram resultados "surpreendentes", uma vez que se percebeu que " resposta inflamatória foi quase abolida quando as modificações de base foram incluídas no mRNA". Isto em 2005, ainda antes sequer de se pensar na pandemia da covid-19.
Posteriormente, em estudos publicados em 2008 e 2010, Karikó e Weissman descobriram "que as modificações de base reduziam as respostas inflamatórias e aumentavam a produção de proteínas", o que permitiu eliminar "obstáculos críticos no caminho para as aplicações clínicas do mRNA".
Com isto, "o interesse pela tecnologia de mRNA começou a aumentar e, em 2010, várias empresas estavam a trabalhar no desenvolvimento do método. Procurou-se desenvolver vacinas contra o vírus Zika e o MERS-CoV; este último está intimamente relacionado com o SARS-CoV-2".
Mais recentemente, "após o surto da pandemia de covid-19, foram desenvolvidas, a uma velocidade recorde, duas vacinas de mRNA modificado com base que codificam a proteína de superfície do SARS-CoV-2. Foram registados efeitos protetores de cerca de 95% e ambas as vacinas foram aprovadas já em dezembro de 2020".
E ainda deverá haver mais caminho a percorrer. "A impressionante flexibilidade e rapidez com que as vacinas de mRNA podem ser desenvolvidas abrem caminho à utilização da nova plataforma também para vacinas contra outras doenças infecciosas. No futuro, a tecnologia poderá também ser utilizada para administrar proteínas terapêuticas e tratar alguns tipos de cancro", é ainda referido.
Desta forma, "através das suas descobertas fundamentais sobre a importância das modificações de bases no mRNA, os laureados com o Prémio Nobel deste ano contribuíram de forma crítica para este desenvolvimento transformador durante uma das maiores crises sanitárias do nosso tempo".
Katalin Karikó e Drew Weissman
Katalin Karikó nasceu em 1955 em Szolnok, Hungria. Obteve o seu doutoramento na Universidade de Szeged em 1982 e realizou investigação de pós-doutoramento na Academia de Ciências Húngara em Szeged até 1985. Em seguida, realizou uma investigação de pós-doutoramento na Temple University, em Filadélfia, e na University of Health Science, em Bethesda. Em 1989, foi nomeada Professora Assistente na Universidade da Pensilvânia, onde permaneceu até 2013. Depois disso, tornou-se vice-presidente e, mais tarde, vice-presidente sénior da BioNTech RNA Pharmaceuticals. Desde 2021, é professora na Universidade de Szeged e professora adjunta na Perelman School of Medicine da Universidade da Pensilvânia.
Drew Weissman nasceu em 1959 em Lexington, Massachusetts, EUA. Recebeu os seus diplomas de médico e doutoramento da Universidade de Boston em 1987. Fez a sua formação clínica no Beth Israel Deaconess Medical Center da Harvard Medical School e investigação pós-doutoral no National Institutes of Health. Em 1997, Weissman criou o seu grupo de investigação na Perelman School of Medicine da Universidade da Pensilvânia. É diretor do Penn Institute for RNA Innovations.
O secretário da Assembleia do Nobel, Thomas Perlmann, salientou que os dois cientistas ficaram "maravilhados" quando receberem a notícia de que iam ser distinguidos com o Prémio Nobel da Medicina quando os contactou pouco antes do anúncio.
Gunilla Karlsson Hedestam, que fez parte do painel que escolheu os vencedores, disse que "em termos de salvar vidas, especialmente na fase inicial da pandemia, foi muito importante" a descoberta que fizeram.
Os prémios Nobel
O Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina foi atribuído no ano passado ao cientista sueco Svante Paabo pelas descobertas sobre a evolução humana que desvendaram os segredos do ADN do Neandertal e que forneceram informações fundamentais sobre o nosso sistema imunitário, incluindo a nossa vulnerabilidade à covid-19 grave.
A temporada de 2023 dos prémios Nobel arrancou hoje com o anúncio do prémio na área da Medicina e prolonga-se até dia 9, quando será conhecido o de Economia.
Ao longo da semana serão anunciados os vencedores dos galardões de Física (terça-feira), Química (quarta-feira), Literatura (quinta-feira) e Paz (sexta-feira). O anúncio da distinção na área das Ciências Económicas está agendado para dia 9.
Todas as categorias serão anunciadas em Estocolmo, Suécia, exceto o Nobel da Paz que, como habitualmente, será atribuído pelo Comité Nobel Norueguês e terá como cenário o Instituto Nobel Norueguês, em Oslo.
O Nobel da Paz recebeu 351 candidaturas este ano, num contexto em que a guerra na Ucrânia se arrasta, a comunidade internacional está fragmentada e as catástrofes se multiplicam, admitindo-se como possibilidade que o galardão não seja entregue este ano.
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