A primeira campanha realizada em Portugal em estado de emergência arranca oficialmente no domingo sob a ameaça de um novo confinamento e prolonga-se até 22 de janeiro, com os sete candidatos a preverem gastar, no total, menos de um milhão de euros, contra os 3,3 milhões orçamentados pelos então dez candidatos em 2016.
Apesar de a maioria dos candidatos a Belém se ter apresentado em setembro e realizado ações de campanha pelo país, foi pouca a atenção mediática ao tema até 07 de dezembro, dia em que o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou que estava na corrida, calendário que justificou em parte pela necessidade de tomar decisões relacionadas com a pandemia.
Desde então, o atual chefe do Estado ainda não fez qualquer ação de campanha enquanto candidato, exceto entrevistas e debates nessa qualidade, e como estará em “vigilância passiva” até dia 18, por tido um contacto com um infetado com covid-19, também não tem outras iniciativas previstas até essa data.
A nível partidário, se foi pacífico o apoio do PSD à recandidatura de Marcelo - muito antes do seu anúncio -, e expressivo o do CDS-PP, embora com algumas críticas internas, o PS decidiu, no início de novembro, não apoiar qualquer candidato, saudando, por um lado, a candidatura da antiga dirigente e ex-eurodeputada socialista Ana Gomes e, por outro, avaliando positivamente o primeiro mandato do atual Presidente.
A militante do PS Ana Gomes conta com o apoio oficial do PAN e do Livre e tem alguns socialistas de peso ao seu lado - casos de Manuel Alegre, Isabel Soares, Francisco Assis ou Pedro Nuno Santos.
Sem surpresas, Marisa Matias é a candidata do BE, João Ferreira do PCP e Verdes, André Ventura do Chega e Tiago Mayan Gonçalves da Iniciativa Liberal.
Apesar de defender desde setembro o adiamento das eleições devido à pandemia - tema que entrou na pré-campanha na sexta-feira com o agravamento da pandemia -, Vitorino Silva, líder do partido RIR, conseguiu, tal como há cinco anos, as 7.500 assinaturas necessárias para entrar na disputa presidencial.
Excluído inicialmente dos debates televisivos organizados pelas três televisões generalistas, o antigo autarca, mais conhecido como Tino de Rans, acabou por conseguir debater com os restantes seis candidatos na RTP3 e deverá ainda ter uma ronda extra no Porto Canal, na semana anterior à campanha.
Outro momento insólito da pré-campanha foi a inclusão no boletim de voto - e, por sorteio, logo no primeiro lugar - do cidadão Eduardo Baptista, apesar de este só ter entregado cerca de uma dezena de assinaturas no Tribunal Constitucional (TC).
Se alguns dos candidatos - sobretudo Ana Gomes, André Ventura, Marisa Matias e João Ferreira - foram fazendo ações de campanha pontuais, algumas em formato virtual devido à covid-19, só a multiplicação das entrevistas, em dezembro, e o arranque dos debates televisivos, em 02 de janeiro, trouxeram esta eleição para o centro da agenda política.
Nos debates e entrevistas, mais do que dúvidas sobre o vencedor - todas as sondagens apontam para a reeleição à primeira volta de Marcelo - tem-se discutido quem pode ficar em segundo, bem como o papel do Chega no sistema político-partidário.
Ana Gomes afirmou que, se assumir a chefia do Estado, pedirá a reapreciação da legalidade do Chega, partido que considera querer "destruir a democracia", enquanto Marisa Matias assegurou que não daria posse a um Governo apoiado por este partido, uma posição contrária à de Marcelo Rebelo de Sousa, que justificou não poder discriminar partidos e eleitores.
Nos debates, André Ventura reafirmou que se demitirá de líder do Chega caso fique atrás da candidata Ana Gomes, mas sem afastar uma recandidatura ao cargo. Por decisão do parlamento, o candidato não poderá suspender o seu mandato de deputado, e terá faltas justificadas quando se ausentar da Assembleia da República durante a campanha.
O debate mais caótico foi o protagonizado por Ventura e João Ferreira, com interrupções e atropelos constantes, sobretudo por parte do líder do Chega, e têm sido mais tensos os frente a frentes que envolvem candidatos de direita do que os de esquerda.
Se Ana Gomes apelou a Marisa Matias e João Ferreira para uma convergência à esquerda numa eventual segunda volta, em que disse acreditar, Marcelo Rebelo de Sousa foi acusado por André Ventura e Tiago Mayan Gonçalves de estar ‘colado’ ao Governo PS.
O atual chefe de Estado foi repetindo querer ser o Presidente de todos os portugueses - algo que Ventura disse recusar - e, no debate com o líder do Chega, fez a demarcação entre a sua “direita social” e a do seu adversário, “a direita persecutória, dos bons e dos maus”.
O debate Ana Gomes - André Ventura, que segundo as sondagens disputam o segundo lugar, ficou marcado sobretudo por ‘casos’ e trouxe para a campanha nomes como os do antigo primeiro-ministro José Sócrates e do antigo ministro e atual diretor de campanha da socialista Paulo Pedroso.
A importância da estabilidade governativa e o papel do Estado na sociedade, na pandemia de covid-19 e na resposta à crise dela decorrente têm sido tema em muitos debates, que também passaram por questões de atualidade, como a recente polémica do procurador europeu.
Hoje à noite realiza-se o último frente a frente desta primeira ronda (ainda faltam dois debates com todos os candidatos e nova ronda com Vitorino Silva), entre Marcelo Rebelo de Sousa e Ana Gomes.
Pandemia limitou campanha e interesse dos debates aumentou
A pandemia afastou a campanha da rua e os confrontos televisivos ganharam relevância mas as características dos candidatos e um Presidente recandidato que, segundo polítologos ouvidos pela Lusa, "evita fazer campanha", também justificam o interesse acrescido dos debates.
Desde os primeiros dias de janeiro que, todas as noites dois ou três frente-a-frente entre os candidatos presidenciais às eleições de 24 de janeiro entram por casa dos portugueses, transmitidos pela RTP, SIC e TVI, em canal aberto ou por cabo.
Entre os espaços de comentários das próprias televisões, as notícias dos outros órgãos de comunicação social e as redes sociais, os debates são depois escrutinados, analisados e até notas recebem.
Ouvido pela agência Lusa, André Azevedo Alves, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, partilha da “perspetiva que os debates estão provavelmente a ter mais relevância do que aconteceu noutras eleições da mesma natureza”, escolhendo a pandemia como o primeiro fator para que isto aconteça.
“A pandemia e o facto de outro tipo de ações de campanha e de rua estarem fortemente limitados, as próprias pessoas estão mais tempo em casa e, portanto, consomem mais televisão e outros meios. Com uma redução do espaço público, físico, fora de casa há uma concentração maior na comunicação social e na internet”, justifica, admitindo que os debates despertem mais interesse “até de algumas pessoas que de outra forma não prestariam tanta atenção”.
No entanto, o especialista não vai ao ponto de dizer que serão decisivos na escolha do vencedor das eleições.
Posição semelhante tem António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, referindo que, como consequência da pandemia, se tem assistido a “uma maior utilização por parte dos portugueses da televisão e de outros meios de informação, em grande parte porque estão mais em casa”.
“Nós estamos a viver uma pré-campanha eleitoral relativamente anormal porque os meios habituais das campanhas eleitorais não estão a ser utilizados e há uma quase exclusiva campanha realizada nos meios de comunicação social, com os debates”, aponta, o que se reflete numa “importância maior dos debates”.
Apesar disso, António Costa Pinto avisa que “vale a pena relativizar”.
“Algumas ‘leis’ informais que têm caracterizado a democracia portuguesa no que toca a campanhas eleitorais para a Presidência da República, nós sabemos que as taxas de abstenção são mais elevadas quando um Presidente se recandidata a um segundo mandato e muitas vezes quando, como tem sido o caso sempre até agora, esses presidentes têm no fundamental - salvo algo que não estamos a ver agora - a sua reeleição assegurada”, refere.
Para André Azevedo Alves há mais dois fatores que contribuem para esta maior expectativa em relação aos debates, um dos quais “a natureza de alguns dos candidatos”, como André Ventura ou Ana Gomes.
Para o investigador, o candidato André Ventura gera, "quer entre apoiantes quer entre não apoiantes, um grau de polarização grande, com sentimentos bastante fortes de ambas as partes".
Ana Gomes, também estreante como candidata presidencial, suscita, pelo perfil de intervenções públicas no passado, "suscita talvez uma expetativa maior", considera.
“Somaria um terceiro aspeto que acaba por dar mais centralidade aos debates que é a própria opção de Marcelo Rebelo de Sousa de fazer campanha não fazendo campanha”, acrescenta.
O politólogo considera que o atual Presidente da República e recandidato optou "por fazer uma campanha que consiste em evitar o mais possível fazer campanha”, e ir aos debates “é uma espécie de cumprir os mínimos necessários para umas eleições”.
Para o investigador, estes frente-a-frentes na televisão são “quase os únicos momentos em que há alguma possibilidade de olhar para Marcelo candidato”.
“Esticou ao máximo o exercício de funções enquanto Presidente da República não recandidato e procurou encurtar ao mínimo o período enquanto candidato. E depois, no período em que é candidato, procura restringir ao mínimo as intervenções enquanto candidato”, considera André Azevedo Alves, o que entende como “uma estratégia deliberada, política, de candidato”.
Já Costa Pinto afirma que esta decisão de Marcelo de ir aos debates “é um risco calculado”, lembrando que “nem todos os presidentes no passado aceitaram fazer este número de debates”.
“O risco é Marcelo ter que, com limites, descer da sua posição presidencial para confrontar candidato a candidato”, admite.
(Artigo atualizado às 10:03)
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