"Esta acusação é muito estranha, tanto no conteúdo como no momento em que é deduzida, mas estou absolutamente tranquilo e não deixarei de tudo fazer para que sejam apuradas todas as responsabilidades", defende o autarca, em resposta à Lusa.

Sublinhando que só teve acesso ao processo em questão na quinta-feira, o independente afirma que a acusação é "completamente descabida e infundada" e refere que "os factos agora usados são exatamente os mesmos que já tinham sido analisados pelo Ministério Público que, em meados de 2017, considerou não existir qualquer ilicitude" no seu comportamento, tendo arquivado o processo

Moreira remete, contudo, mais esclarecimentos para a reunião do executivo de segunda-feira, altura em que fará, no período antes da ordem do dia, uma declaração "mais aprofundada sobre o caso".

De acordo com o Jornal de Notícias, a acusação, deduzida no dia 10 de dezembro, conclui que o presidente da Câmara do Porto incorreu em conflito de interesses, "com [a] única intenção de beneficiar a empresa" de que ele, a sua mãe e os seus irmãos eram sócios.

Está acusado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto de ter cometido, em autoria material e na forma consumada, um crime de prevaricação, em concurso aparente com um crime de abuso de poderes, no caso "Selminho", empresa que à data dos factos era propriedade de Rui Moreira e da sua família.

A mesma publicação refere que aquele departamento do Ministério Público requer que o autarca também seja condenado na perda do seu mandato de presidente de câmara, por aplicação da lei das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos públicos.

A informação que está a ser avança pelo JN não foi, no entanto, ainda confirmada à Lusa pela Procuradoria-geral da Républica, apesar de vários contactos nesse sentido.

Recorde-se que a Selminho comprou, em 2001, um terreno numa escarpa sobre o Douro, tendo mantido por vários anos um diferendo com a Câmara do Porto em torno da capacidade ou não de construção no espaço.

No âmbito do Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor desde 2006, a propriedade foi classificada como sendo não edificável, levando a imobiliária a avançar para tribunal contra a Câmara, por se ver assim impedida de ali construir.

No acordo assinado em 2014, no primeiro mandato de Rui Moreira como presidente da autarquia, o município assume o compromisso de devolver capacidade construtiva àquele terreno, na Calçada da Arrábida, no âmbito da atual revisão do Plano Diretor Municipal (PDM), ou de recorrer a um tribunal para definir uma eventual indemnização à imobiliária.

Esse acordo resultou de uma audição em tribunal ainda em 2013 na qual os juristas da Câmara do Porto que aceitaram a reivindicação da Selminho estavam mandatados por procuração assinada por Rui Moreira, que era também, à data, sócio da empresa.

No centro da disputa, que se arrastou durante anos, está um terreno vendido pelo casal João Batista Ferreira e Maria Irene de Almeida Pereira Ferreira à imobiliária Selminho, cuja transação foi registada pelo Cartório Notarial de Montalegre, a 31 de julho de 2001.

O casal disse ter adquirido a casa e os terrenos em causa em 1970 a Álvaro Nunes Pereira, através de um contrato verbal, que por sua vez os adquiriu da mesma forma.

Numa ação movida em 2017, a Câmara pedia ao tribunal a declaração da nulidade da escritura que, em 2001, transferiu por usucapião esses 1.661 metros quadrados para a posse do casal e a nulidade do contrato de compra e venda entre o casal e a Selminho.

O processo foi iniciado após ter sido divulgado que um técnico da autarquia concluiu serem municipais 1.661 dos 2.260 metros quadrados apresentados pela Selminho para construção na escarpa da Arrábida.

Em maio deste ano, o Supremo confirmou a decisão do Tribunal da Relação do Porto, julgando improcedentes os recursos apresentados, em dezembro, pela Selminho, imobiliária da família do presidente da Câmara do Porto, e pelo casal que em 2001 vendeu à empresa um terreno na Arrábida.

Em outubro de 2019, o Tribunal da Relação do Porto tinha já confirmado a decisão da primeira instância que em janeiro desse ano julgou "nula" a escritura de venda de 2.260 metros quadrados na Arrábida por um casal à Selminho, ordenando o "cancelamento" da sua inscrição na Conservatória do Registo Predial.

(Artigo atualizado às 19:08)