Por: Simão Freitas da agência Lusa

Vilas-Boas recebeu, em setembro, o Geoffrey Dyson Award 2022, atribuído pela Sociedade Internacional de Biomecânica no Desporto (ISBS, na sigla inglesa), reconhecendo o trabalho do docente e diretor do Labiomep – Laboratório de Biomecânica do Porto.

“O prémio é o mais relevante da ISBS, e como a ISBS é central na biomecânica no desporto, é o prémio mais relevante na área. Fico muito contente de terem considerado que o merecia e de ter vindo pela primeira vez para Portugal”, afirma à Lusa o docente universitário.

Numa área “relativamente pequena” do conhecimento, a que dedicou “toda a vida”, o galardão consagra mais de 30 anos de carreira em que, realça, esteve rodeado “de excelentes colegas e sobretudo por estudantes brilhantes”.

Esse trabalho de equipa, seja na FADEUP seja no Labiomep, fundado em 2012, foi determinante, considera, e o laboratório foi “central para o crescimento da biomecânica no Porto e em Portugal”, e da sua interdisciplinaridade.

O trabalho de presença em congressos, e organização de alguns momentos no Porto, o trabalho como editor do Sports Biomechanics e na investigação em biomecânica da natação, tendo chegado em 2018 a presidir ao Conselho Internacional de Biomecânica de Natação, também contribuiu para a “dimensão internacional relevante”.

Ao todo, e numa área não tão prolífica como outras, o Porto tem conseguido “acumular uma produção científica bastante relevante”, chegando a “próximo de 200 ‘papers’ indexados”, além de 2021 ser um ano de “boa colheita”, o que também ajuda à visibilidade além fronteiras.

“A nossa produção internacional é muito elevada e muito reconhecida, com uma ênfase grande na natação mas não apenas. Temos trabalhado com múltiplas modalidades, mas a tradição no grupo é de facto muito forte na área da natação. Temos o privilégio de há vários anos liderarmos o ranking dos autores mais produtivos desde sempre, indexados, na área da biomecânica da natação, à escala global. Temos feito crescer muito a qualidade e quantidade da investigação científica na área”, comenta.

Com uma perspetiva de que a investigação não deve estar “encerrada numa torre de marfim”, mas aplicada à prática, que também ‘alimenta’ o campo do estudo com problemas à procura de soluções, Vilas-Boas lembra os muitos anos passados “de pés molhados”, como treinador de natação.

Esta relação e “interação permanente com o tecido desportivo” tem-se tornado crescentemente necessária, num ecossistema mais e mais dominado por detalhes.

De lesões “por entorse no tornozelo por mudanças de direção”, que podem vir das chuteiras, do piso, e de outros fatores, aos ‘superfatos’ que marcaram a natação na primeira década do século XXI, ou “detalhes da execução motora num gesto” como um remate ou uma defesa, tudo pode fazer a diferença.

“O desporto faz-se de movimento, com muito poucas exceções o mais relevante no desporto é o movimento corporal dos seus intérpretes. O que estuda o movimento, o domínio da ciência que estuda o movimento, é a mecânica. Quando a física espreita a esfera biológica é a biomecânica. A biomecânica é a ciência que estuda o movimento, a essência da prática desportiva”, explica.

De poder evitar lesões a melhorar o desempenho, seja pela aerodinâmica em modalidades como o ciclismo ou por melhor informação para os atletas poderem aperfeiçoar a execução, a biomecânica nunca foi tão importante, confirma.

As modalidades em Portugal vão mostrando “mais espírito empreendedor”, umas mais que outras, e as equipas técnicas vão-se tornando “mais pluridisciplinares e vastas”, com mais investimento.

Outra razão que ajuda à praticabilidade da biomecânica desportiva, aponta o professor, é “o crescimento exuberante da qualidade de formação dos treinadores em Portugal”.

“Cada vez mais, os novos treinadores desportivos têm um excelente nível de formação, também científica, o que faz com que a transferência de conhecimento seja muito mais fácil, porque entendem o que sai do laboratório, e quanto mais os treinadores entenderem, e mais treinadores entenderem, mais rapidamente a transferência se faz”, acrescenta.

Sobre as próximas tendências, o João Paulo Vilas-Boas considera que o desporto está “em pleno tempo dos ‘wearables’”, como os relógios que nos dão conta da passada e outras informações.

Esses dispositivos, se passarem a estar “extraordinariamente precisos e ainda mais embebidos” no corpo, como ‘chips’, podem abrir “grandes riscos associados” a nível ético e não só, mas também trazer uma “profundidade assustadora” quanto à qualidade e capacidade de performance no desporto.

Essa miniaturização e portabilidade, bem como o advento da inteligência artificial, vai “revolucionar completamente a prática desportiva como hoje a conhecemos”.

Outra das questões, por exemplo, no futebol, onde são monitorizados os atletas mas não a bola, tem a ver com a “instrumentação tecnológica” do próprio objeto de jogo. No ciclismo essa monitorização “pode ir mais longe” e o mesmo pode ocorrer em todos os desportos.

“Cada vez mais, a prática desportiva vai deixar de ser uma inspiração e vai ser uma transpiração também dos cientistas. [...] [Mas] há uma coisa transversal no desporto. Convém as pessoas não se esquecerem de que os nossos maiores ícones foram também os ícones do trabalho, do esforço, da abnegação”, remata o investigador, lembrando o exemplo de Rosa Mota.

João Paulo Vilas-Boas nasceu em 1960, no Porto, licenciou-se 23 anos depois no antigo Instituto Superior de Educação Física do Porto, a atual FADEUP, e doutorou-se na mesma instituição.

O professor catedrático lidera ainda o Gabinete de Biomecânica do Desporto e o Conselho de Representantes da FADEUP, numa carreira em que conjugou a universidade com a prática, tendo sido treinador de natação e dirigente federativo e no Comité Olímpico de Portugal (COP).