“Os muros nunca resolveram nada e criam grandes problemas ao Direito. Nada aparece por acaso, e os medos que levaram os eleitores a votar neste tipo de políticas tem a ver com a incompetência dos políticos anteriores. Nomeadamente na integração dos imigrantes”, considerou o académico e investigador, antigo membro do Conselho Superior da Magistratura e Membro da Comissão de Acompanhamento dos Juízes de Paz, e com um número alargado de publicações.

Eduardo Vera-Cruz Pinto foi um dos oradores do painel “No pasarán! A política norte-americana de imigração”, um dos cinco temas abordados no colóquio "Trump a meio do mandato: que mais está para vir?”, que hoje decorreu no auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa por iniciativa do Instituto Europeu e do Centro de Investigação de Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal (CIDEEFF), com apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

“O muro bate na cara do Direito. O Direito não se pode reduzir à lei, há muitas coisas em Direito que são preventivas. Se tivéssemos um discurso mais emotivo, mais ligado à sensibilidade, à justiça, se fosse algo escrito no nosso coração na catequese, na escola, podemos facilmente entender que Trump talvez não tivesse ocasião de fazer o que está a fazer, porque nunca seria eleito em circunstâncias normais”, precisou o académico.

No debate, moderado pela jornalista Joana Gorjão Henriques, também participaram Rui Pena Pires, professor no ISCTE-IUL, Rui Guerra da Fonseca, doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e investigador, e Lisa Matos investigadora em Psicologia Clínica e doutoranda no Centro de Investigação William James, ISPA-IU em Lisboa, que abriu o debate numa referência à “crise de processamento administrativo na questão da imigração”.

“Registou-se uma alteração das migrações na fronteira sul dos EUA nos últimos anos. Geralmente eram homens solteiros, sozinhos, na maioria mexicanos e trabalhadores sazonais. A partir de 2013 começámos a assistir a famílias monoparentais ou não, e menores não acompanhados a fugir em grandes números”, assinalou.

Lisa Matos também recordou que a política da administração do ex-Presidente Barack Obama foi a de “colocar as famílias em campos de detenção”, e sublinhou a “existência de programas alternativos à detenção, uma gestão com taxas de sucesso”.

Contudo, nas suas conclusões considerou muito preocupante o que está a acontecer nos bastidores, “com a perspetiva de da criminalização simbólica dos imigrantes à criminalização de facto”.

O fenómeno do populismo à escala global foi o tema privilegiado por Rui Pena Pires na sua intervenção, ao recordar que Trump não constitui um fenómeno isolado, abrange diversos países, incluindo na Europa, e teve o mais recente desfecho com a eleição no Brasil de Jair Bolsonaro.

“O fenómeno do populismo está a alastrar. As nações são comunidades étnicas, e convivem mal com as migrações”, sustentou, antes de definir como “em boa medida oportunista” a ligação entre migração e emergência de líderes como Trump é em boa medida oportunista.

“Se olharmos para líderes como Duterte, Bolsonaro, da Polónia, Hungria, em muitos destes países a percentagem de imigrantes é residual, apesar de na Hngria ser 5,2% e nos EUA de 15,3%”, especificou ainda, para reforçar que não existe ligação entre estas lideranças e o fenómeno social ligado à imigração, mas há similitudes no discurso.

“A questão da migração é um dos muitos bodes expiatórios de que se reclama o discurso populista. Mas há um discurso que constrói esse mesmo problema, e que funciona mesmo no vazio”, prosseguiu, para sublinhar não existir ligação entre estas lideranças e o fenómeno das migrações, antes similitudes no discurso. Um fator que também pode explicar a saída da generalidade destes países do Pacto das Migrações.

O académico frisou ainda outro paradoxo: “Quando a migração na zona sul dos EUA começou a baixar foi quando o muro foi transformado num instrumento para parar essa imigração. Temos de olhar para esta parte da política norte-americana sobretudo a partir do valor simbólico que tem, fechar e controlar seja de que maneira for”.

A eventual alteração da lei da nacionalidade nos EUA, que poderá ser promovida por Trump e até ao momento baseada no direito de solo, e não no direito de sangue, como se poderá perspetivar com uma nova legislação, foi outra possibilidade admitida no médio prazo, com previsíveis e amplos impactos a nível interno.

Na sua intervenção, Rui Guerra da Fonseca optou antes por destacar as consequências da imprevisibilidade das atuais políticas migratórias da Casa Branca.

“A atuação dos EUA e de Trump nos últimos tempos gerou enormíssima impressibilidade que é em si mesma nefasta. A política de migração conjuga uma série de necessidades”, disse. “Não é uma questão de números, antes uma questão simbólica, identitária, de discursos”, acrescentou.

A consequência desta abordagem, e em particular após a opção dos EUA em retirarem-se dos principais tratados internacionais “leva a um plano de imprevisibilidade”. “Não sabemos como vai progredir, e acabar. E nos inúmeros conflitos que pode implicar”, avançou.

No curto período de debate, e após voltar a sublinhar a responsabilidade de Barack Obama na degradação do fenómeno migratório nas Américas, Eduardo Vera-Cruz Pinto denunciou a tendência para a “territorialização da pobreza e da etnia” e pronunciou-se pela necessidade da construção “de um discurso que desarticule a criminalização dos imigrantes e refugiados, e a ideia da guetização, com campos, bairros de migrantes.”.

Uma política que acabou por ser exportada no campo simbólico, como concluiu Rui Pena Pires: “O mais dramático nos EUA é que Trump apontou o caminho a seguir aos vários nacionalismos populistas”.

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