Em declarações à agência Lusa a propósito da Semana do Bem-Estar Digital, que arranca na segunda-feira, o especialista em uso de tecnologias de informação por crianças e jovens e fundador do projeto MiudosSegurosNa.Net, Tito de Morais, considerou que o melhor é sempre ouvir os jovens primeiro, antes de qualquer decisão, até para os responsabilizar e levar a cumprir a decisão.

Também Cristiane Miranda, que tem mais de 20 anos de experiência nesta área e é mentora do projeto Teen On Top – Coaching para Jovens, defende: “achamos que [proibir] não é melhor solução”.

“Não é a melhor solução dizer que o Estado tem de vir regulamentar e proibir pura e simplesmente o uso do telemóvel nas escolas”, afirmou a especialista, acrescentando: “quando vamos às escolas e falamos com os alunos, eles têm muito para dizer e têm soluções”.

E explica: “Cada escola é soberana para decidir o que deve fazer, mas ouvindo todos os intervenientes, desde os professores, pessoal docente, pessoal não docente e os próprios alunos e ver quais são as melhores soluções”.

A especialista contou ainda uma das conversas com um dos jovens de uma escola que o projeto visitou. “Perguntámos se devia ser proibido e o jovem respondeu: ‘depende do tempo. Quando está sol, podemos estar lá fora, correr, jogar à bola e fazer outras coisas, mas quando chove temos de ficar dentro do pavilhão e não podemos falar, temos de ficar aqui sentados e ninguém nos deixa fazer nada e aí temos de usar os telemóveis'”.

Insiste que, quando os jovens são envolvidos na solução, “aceitam-na melhor e aderem para cumpri-la”.

Além disso, afirma, “se apenas proibirmos também não os ensinamos a usar bem estas tecnologias”.

Este tema vai ser alvo de discussão na conferência internacional que decorre nos dias 03 e 04 de maio na Fundação Cupertino de Miranda (Porto), no âmbito da Semana do Bem-Estar Digital.

O debate sobre o uso dos telemóveis nas escolas contará com a presença de representantes da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), da Confederação Nacional das Associações de Pais e da autora de Mónica Pereira, autora de uma petição que pede o fim dos telemóveis nos recreios do 5.º e do 6.º ano e que já foi assinada por mais de 22 mil pessoas.

Uma escola de Lourosa, em Santa Maria da Feira, foi a primeira do país a proibir o uso de telemóveis em todo o recinto, há sete anos. Desde então, a limitação já se estendeu a outras, como, por exemplo, a Escola Básica EB 2,3 General Serpa Pinto, em Cinfães, no distrito de Viseu, as escolas básicas do Alto de Algés e de Miraflores, ambas em Oeiras, os agrupamentos de escolas Gil Vicente (Lisboa) e Infanta D. Mafalda (Gondomar), além agrupamentos de escolas de Almeirim (Santarém).

A polémica levantada pelo tema levou o Ministério da Educação a pedir, no ano passado, um parecer ao Conselho de Escolas, que considerou que a solução para responder aos impactos negativos do uso dos telemóveis em contexto escolar não passa por proibir a sua utilização, mas defendeu que devem ser os próprios agrupamentos a decidir.

Apesar dos impactos negativos e das “questões complexas de disciplina, designadamente a captação indevida de imagens ou o cyberbullying” que se levantam com o uso generalizado dos telemóveis, sobretudo a partir do 2.º ciclo, os diretores sublinham que existem, por outro lado, aspetos positivos.

Em sala de aula, afirmam, os ‘smartphones’ podem constituir “recursos ao dispor de alunos e professores para favorecer as aprendizagens” e permitem “potenciar o desenvolvimento de competências essenciais de acordo com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.

Especialista avisa pais que há crianças com acesso livre na net a pornografia

A especialista em bem-estar digital Cristiane Miranda alertou hoje que os pais devem estar mais atentos aos perigos que os jovens enfrentam na internet, relevando que há crianças com menos de 10 anos com acesso livre a conteúdos pornográficos.

“Os pais muitas vezes não têm a noção das implicações que há pelo facto das crianças terem um telemóvel no quarto”, afirmou a especialista, acrescentando: “os jovens estão a ter acesso cada vez mais cedo, e de uma forma muito livre, por exemplo, à pornografia e não propriamente só imagens”.

Estes vídeos a que os jovens têm acesso livre cada vez mais cedo – “antes dos 10 anos de idade” – “está já a trazer uma implicação ao nível dos relacionamentos entre as pessoas”, disse.

“Vai ser algo muito grave que vem aí e nós achamos que os pais estão muito distraídos no que diz respeito a isto, até porque é um tema tabu”, afirmou, frisando: “pensam que ao falar com o filho vão abrir uma caixa de Pandora, mas talvez a caixa já esteja aberta e os pais não estejam conscientes”.

Defendeu ainda que, para proteger as crianças e jovens, terá de haver “mais regulamentação e legislação mais apertada por parte das empresas tecnológicas”, lembrando que os mais jovens, biologicamente, estão mais vulneráveis porque não têm o cérebro completamente desenvolvido.

“Costumamos dizer que os pais devem ser o córtex pré-frontal dos filhos, que é aquela zona do cérebro que é a última a ser desenvolvida. Devemos fazer a nossa parte, da mesma maneira que dizemos a uma criança que não pode comer uma barra de chocolate durante o jantar, também o devemos fazer relativamente ao tempo que passam em frente aos ecrãs”, defendeu.

A especialista considerou que a resposta a estes problemas terá de ser múltipla, passando que “soluções parentais, regulamentares, educacionais e tecnológicas”.

“As soluções têm de vir de todos, mas os pais aqui têm de estar muito atentos porque têm uma responsabilidade acrescida na educação dos seus filhos”, sublinhou.

Lembrou que na conferência internacional que decorre nos dias 03 e 04 de maio na Fundação Cupertino de Miranda, no Porto, este tema será abordado, “dando recursos práticos aos pais para poderem ajudar os seus filhos a gerir melhor estas situações”.

Os crimes ‘online’ têm destaque no mais recente “Relatório Anual de Segurança Interna” (RASI), cujos dados foram divulgados na última edição do jornal Expresso.

Segundo o jornal, o relatório revela a existência de investigações ao uso de plataformas de jogos ‘online’ que servem para aliciar menores de idade à produção de conteúdos pornográficos, “servindo as plataformas encriptadas para troca e armazenamento de conteúdos ilegais”, bem como “autoprodução de ficheiros de exposição sexual de menores, na sequência de atividades de ‘grooming’ [em que um pedófilo convence um jovem a despir-se ou a filmar um ato sexual] ou de coação”.

Semana do bem-estar digital arranca 2ª feira e fecha com conferência internacional no Porto

Uma conferência internacional sobre a prevenção e combate à violência sexual ‘online’ contra crianças e jovens e o uso excessivo e problemático de ecrãs será o ponto alto da Semana do Bem-Estar Digital, que arranca no domingo.

Organizada no âmbito do projeto Agarrados à Net, que promove o bem-estar digital de crianças, jovens e adultos, prevenindo e combatendo o ‘bullying’ e o ‘cyberbullying’, assim como a violência sexual com base em imagens e os impactos negativos das redes sociais na imagem corporal, a Semana do Bem-Estar Digital visa sensibilizar para o tema, colocando-o na agenda pública nacional.

A 2.ª edição decorre entre 28 de abril e 04 de maio, a nível mundial.

Em Portugal, estão previstas iniciativas dinamizadas pelas entidades aderentes, como a divulgação de recursos sobre como famílias, escolas e comunidades podem melhorar o bem-estar digital, um ‘site’ dedicado ao tema e uma conferência internacional, na Fundação Cupertino de Miranda, no Porto.

Na conferência, que decorre a 03 e 04 de maio, serão debatidos temas como o “Aliciamento sexual – ‘sexting’ e extorsão sexual ‘online’ de crianças e jovens”, “Partilha não consentida de conteúdos íntimos: violência sexual baseada em imagens”, “Inteligência Artificial e Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Jovens”, “Como o Google e o YouTube combatem o abuso sexual de crianças ‘online’” e “Os impactos dos ecrãs no desenvolvimento da criança e do adolescente”, entre outros.

“No ano passado sentimos que havia necessidade de criar um evento centralizador de toda essa informação, de forma anual, e surgiu a ideia de criarmos a semana do bem-estar digital, para mobilizar a sociedade”, explicou à Lusa Tito Morais, fundador do MiudosSegurosNa.Net, acrescentando que a intenção é “envolver o maior número de organizações possível”.

Como exemplo da promoção do envolvimento das escolas, apontou a criação do Selo Escola pelo Bem-Estar Digital, atribuído a estabelecimentos de ensino que promovam iniciativas sobre estes temas.

“Incentivamos muito as escolas, porque (…) chegam a um público maior em termos do número de crianças, mas qualquer pessoa, família ou indivíduo, pode comprometer-se a melhorar o seu bem-estar digital durante esta semana, ou até durante o mês”, explicou Cristiane Miranda, criadora do projeto Teen on Top e também envolvida na organização da Semana do Bem-Estar Digital.

Disse que ainda há uma grande “falta de consciência dos pais” quanto à dimensão dos riscos e ao quão prejudicial pode ser o excesso do uso dos ecrãs e das tecnologias, exemplificando com o tipo de conteúdos a que crianças e jovens hoje têm acesso, com facilidade, na internet, sublinhando que os impactos “são físicos e mentais”.

No dia anterior ao início da conferência internacional, a 02 de maio, serão promovidos dois ‘workshops’ especializados com o tema “Prevenção e Combate à Violência Sexual Online Contra Crianças e Jovens no Metaverso”. A participação nestas ações é gratuita, mas para participar na conferência paga-se um “valor simbólico” que rondará os 15 euros. Para professores, a formação é certificada como ação de curta duração.

Um relatório publicado em fevereiro de 2024 pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova apresentou os resultados de um estudo que fez parte do projeto europeu ySKILLS, realizado entre 2021 a 2023, que abrangeu mais de 10 mil participantes entre os 11 e 16 anos, que concluiu que quatro em cinco adolescentes portugueses já se depararam com conteúdos ‘online’ de ódio ou prejudiciais à saúde.

Na conferência internacional vai também ser discutida a ‘parentalidade digital’, dando ferramentas aos pais para puderem acompanhar os filhos e protegê-los dos riscos à espreita na internet. Nesta área, vai estar na conferência Elisabeth Milovidov, considerada uma das maiores especialistas mundiais nesta área.

“Fizemos isto precisamente ao sábado, a pensar nos pais, para não haver desculpa”, disse à Lusa Cristiane Miranda, acrescentando: “Nós andamos a desenvolver o tema pelas escolas do país, fazemos sempre uma sessão com os pais e vemos a dificuldade que as escolas têm em levá-los a uma sessão destas. Mesmo à distância e com diversos horários”.

“Vamos a escolas com cerca de 2.000 alunos e numa sessão não conseguimos ter sequer 20 pais”, insistiu, sublinhando a necessidade de maior interesse e disponibilidade dos pais para participarem: “O problema não é pais não saberem. É os pais não quererem saber”.