Os proprietários fazem uma avaliação negativa das medidas anunciadas, esta tarde, pelo Governo que admitem contestar em tribunal. "Estamos num estado de direito e vamos contestar [o arrendamento compulsivo] nos tribunais. O nosso conselho aos proprietários é que se vierem a ser alvo de uma medida destas, se dirijam aos serviços jurídicos da Associação Lisbonense de Proprietários para lhes darmos o apoio para que isto seja contestado, inclusivamente no Tribunal Constitucional", afirmou ao SAPO24 o presidente da ALP, Luís Menezes Leitão.
Para este responsável, algumas das medidas serão mesmo, além de “muito negativas”, também inconstitucionais”, referindo-se ao caso concreto do regime de arrendamento compulsivo de casas que estejam devolutas que impõe um "arrendamento à força aos proprietários".
Menezes Leitão diz que esta medida é reminiscente do PREC. "É uma situação que já tivemos em 1975, quando o governo de Vasco Gonçalves decretou que as câmaras municipais celebrassem contratos de arrendamento em substituição dos proprietários e levaram a que se metessem inquilinos nas casas com rendas de valor baixíssimo", recorda.
Essa medida, adianta, deixou lastro até hoje, recordando que alguns inquilinos "ainda lá estão, décadas depois", devido à legislação que mantém o congelamento de rendas, e considerando que "isso traumatizou imenso os proprietários".
"A propriedade construiu-se para ser utilizada, não foi para enfeitar as ruas”
"Afirmações destas não são admissíveis, porque nada disso é verdadeiro relativamente à utilização dos edifícios devolutos. Do nosso ponto de vista não está em causa qualquer problema da propriedade, o que está em questão é a utilização da propriedade", contrapõem, por seu lado, António Machado, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), em declarações ao SAPO24.
Para o representante dos inquilinos, a utilização das casas devolutas não pode ser considerada como "uma catástrofe". "A propriedade construiu-se para ser utilizada, não foi para enfeitar as ruas. As ruas são enfeitadas com estatuária, com monumentos, com flores, com jardins", pelo que "os edifícios são para ser utilizados, não são para estarem devolutos, a cair aos bocados".
Quando questionado sobre se a solução poderia passar pela construção de novas casas, recorda que tal "implica várias coisas, uma delas a utilização de terrenos e pode pôr em causa o próprio ambiente, por se construir por tudo quanto é sítio", o que "não é necessário, havendo casas já feitas".
Além disso, todo o processo "leva mais tempo", frisa. "É preciso projetos, licenciamento, o tempo de construção demora entre dois a três anos. Não quer dizer que não se faça construção nova ou que não seja necessária, mas não é a solução para tudo e mais alguma coisa. Não íamos agora construir mais casas pelo país todo só por causa disso", reitera.
As medidas do Governo: Estado propõe assumir o papel dos senhorios
O governo — pela voz de António Costa, ministro das Finanças, Fernando Medina, e a ministra da Habitação, Marina Gonçalves — anunciou esta quinta-feira, 16 de fevereiro, o novo pacote legislativo sobre habitação que inclui medidas que visam senhorios, inquilinos, alojamento local e até detentores de vistos gold.
O objetivo é aumentar a oferta de imóveis que podem ser utilizados para fins de habitação e, no que ao arrendamento diz respeito, nem todas as propostas, que só serão só publicadas a 16 de março, após discussão pública, reúnem consenso.
Entre estas, destaca-se o regime de arrendamento compulsivo de casas que estejam devolutas, cabendo ao Estado ou o município pagar a renda que é devida ao senhorio e cobrar depois renda ao inquilino. Substituir-se ao senhorio é aliás uma das estratégias por detrás deste pacote legislativo. Outra das medidas em causa é a possibilidade de o Estado arrendar casas disponíveis a senhorios, por um prazo de cinco anos, desde que possa subarrendá-las a terceiros. Além disso, o Estado compromete-se a pagar rendas caso haja três meses de incumprimento, cabendo-lhe depois fazer a cobrança em dívida junto dos inquilinos.
Já com o objetivo de combater a especulação imobiliária, o valor das rendas dos novos contratos de arrendamento vai passar a ter critérios que limitam a sua subida. "Para novos contratos, a nova renda deve resultar da soma da última renda praticada com as atualizações que poderiam ter sido feitas durante o período do contrato", explicou o primeiro-ministro na conferência de imprensa desta tarde. Além destes dois critérios, o valor da nova renda poderá ainda ter em conta o objetivo de inflação de 2% definido pelo Banco Central Europeu (BCE). Pode ver o conjunto de todas as medidas aqui.
E os limites ao arrendamento?
No que diz respeito aos limites impostos nos novos contratos de arrendamento, Menezes Leitão, do lado dos proprietários, entende a medida como prejudicial, pois vai "desincentivar imenso a situação dos contratos de arrendamento, porque hoje em dia os proprietários não têm confiança".
Já do lado dos inquilinos, António Machado aponta que as medidas hoje apresentadas mantém "o pecado original", que consiste em "não alterar, não revogar a Lei Cristas para se fazer uma lei do arrendamento nova, que estabilize e credibilize o mercado de arrendamento".
Além disso, o mercado de arrendamento continua a não ser regulado e, segundo a Associação dos Inquilinos Lisbonenses, "é necessário regular e fiscalizar o mercado, quer na sua utilização, quer no estado das coisas".
Mas nem tudo são críticas. O presidente da Associação Lisbonense de Proprietários diz que há medidas de apoio meritórias, como a proposta do Estado em arrendar as casas disponíveis por um prazo de cinco anos aos senhorios, desde que possa subarrendá-las, ou a iniciativa de pagar as rendas aos senhorios caso haja três meses de incumprimento por parte dos inquilinos.
No entanto, Menezes Leitão põe em causa a sua exequibilidade, já que estas medidas apenas "funcionariam bem se tivéssemos um Estado que paga a tempo e horas, o que não tem sido o caso em muitas situações deste género. As pessoas queixam-se imenso com a burocracia gigantesca".
A aumentar os seus temores está o facto de que, durante o briefing do Governo, quando questionados sobre qual seria o organismo público a assumir esse pagamento das rendas em atraso, não ter existido uma resposta. "Falar do 'Estado' é muito abstrato. Será a Segurança Social? É que se for isso, recordamo-nos do tempo que se leva a receber subsídios da Segurança Social. Pode tornar a situação que já existe ainda mais complicada burocrática".
Uma medida que o presidente da ALP destaca pela positiva é a que prevê a baixa da taxa autónoma que incide sobre os rendimentos de rendas, de 28% para 25%. No entanto, "continua a estar muito alta, é um quarto do ano de rendas que é entregue ao Estado". Para Menezes Leitão, também é merecedor de elogios a compensação aos senhorios "que têm as rendas congeladas". No entanto, "deve dizer-se que isso estava previsto há oito anos e o Governo recusou-se a aplicar. Oito anos depois, em que os senhorios têm sofrido imenso ao receber uma renda que não dá para pagar o IMI, é que chegamos a uma situação destes género".
Para António Machado, da AIL, "todas as medidas que possam contribuir para a solução de emergência da habitação são, à partida, bem vindas". Mas é preciso analisar tudo com cuidado. "A questão que se coloca é se este conjunto de medidas — ou algumas delas, pelo menos — não pode ser contrário aos objetivos e aos interesses. Há aqui aspectos que têm de ser ponderados, designadamente nas medidas fiscais", aponta.
"Parece que vão ser os contribuintes em geral a pagar à propriedade uma boa parte do seu rendimento. Uma coisa é haver uma fiscalidade em termos de arrendamento, que tenha em conta a função social do arrendamento, outra coisa é despejar benefícios fiscais a torto e a direito que podem ser algo discutível. Nesse aspecto isso tem de ser melhor avaliado", frisa o secretário-geral da AIL.
É, portanto, ver para crer. "Espero que não seja como a nova geração de políticas de habitação. Na altura em que isso saiu, o que comentei, citando um poema do José Gomes Ferreira, foi 'vais morrer com a saia rota, mas isso que importa se depois de morta levas flores na cabeça'. É um bocado isso. É muito bonito, mas pode não passar de flores. Vamos ver", remata.
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