Segundo António Costa, que tomou a palavra no Palácio Nacional da Ajuda, ladeado pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, e a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, "as questões da habitação são hoje uma preocupação central e transversal na sociedade portuguesa, visto que dizem respeito a todas as famílias" — admitindo que o problema não afeta apenas os mais carenciados, mas também "os jovens e as famílias de classe média".

De acordo com o primeiro-ministro, as medidas hoje aprovadas vão ser sujeitas a discussão pública durante um mês, "para que possam ser aprovadas em definitivo, umas pelo Governo, outras como proposta de lei à Assembleia da República, no Conselho de Ministros de 16 de março".

Estas medidas, enunciou, abrangem cinco dimensões do problema da habitação:

  • Aumentar a oferta de imóveis que podem ser utilizados para fins de habitação;
  • Agir para a simplificação dos processos de licenciamento;
  • Assegurar que há mais casas no mercado de arrendamento e aumentar oferta de arrendamento acessível;
  • Procurar combater a especulação imobiliária;
  • Apoiar as famílias, quer no contrato de arrendamento, quer no crédito à habitação.

Oferta de imóveis

No que toca à oferta de imóveis, o Governo apresentou as seguintes medidas:

  • Sem necessidade de mudar os planos de ordenamento de território ou licenças de utilização, terrenos que estejam classificados com o fim de comércio ou serviços passam a poder ser utilizados para habitação. O mesmo acontecerá com imóveis para reconversão habitacional;
  • O Estado vai disponibilizar terrenos ou edifícios para, em regime de contrato de desenvolvimento de habitações, poderem ser cedidos a cooperativas ou ao setor privado para poderem disponibilizar habitações a preços acessíveis.
    • Haverá já dois concursos especificamente dedicados a construção modelar: um no Porto, na Quinta do Viso, para cerca de 70 fogos; outro em Lisboa, na Quinta da Alfarrobeira, para 350 fogos.

Processos de licenciamento

Quanto aos processos de licenciamento, cujos tempos de demora têm sido criticados pelos promotores pelos custos que a sua morosidade implica, estas são as medidas para a sua simplificação:

  • Projetos de arquitetura e de especialidades deixam de estar sujeitos a licenciamento municipal, sendo que as câmaras municipais passam a emitir as licenças com base em termos de responsabilidade assinados pelos projetistas. "Estamos certos de que iremos acelerar significativamente os processos de licenciamento das habitações, sem sacrifício da exigência técnica que impende sobre cada um dos projetistas", afirmou Costa;
  • Quem não cumprir com as regras, enfrentará um "quadro sancionatório muito duro";
  • As câmaras municipais ou as entidades públicas vão sofrer penalizações financeiras se não cumprirem os prazos de licenciamento previstos — passam a dever juros de mora ao benefício do promotor, que pode usar essas verbas para abater o custo da taxa de licenciamento ou para abater IRS ou IRC se ultrapassar ou valor da taxa. "No Orçamento do Estado para o ano seguinte, o Estado deduzirá ao município se for o município a causa da morosidade, ou deduzirá ao orçamento corrente da entidade pública que se atrasou a verba resultante da despesa fiscal provocada pela dedução em IRS ou IRC dos juros de mora resultantes na demora da emissão do parecer ou da decisão", explicou.

Mercado de Arrendamento:

No que toca a assegurar que há mais casas no mercado de arrendamento, Costa disse ser necessário "reforçar confiança aos senhorios para colocar no mercado casas devolutas", lembrando haver "um sem-número" de habitações disponíveis mas que não estão no mercado. Estas são as propostas:

  • O Estado propõe-se a arrendar as casas disponíveis por um prazo de cinco anos, desde que possa subarrendá-las. Costa diz haver o compromisso de "pagar a renda por antecipação”. O valor das rendas terá como limite a taxa de esforço dos agregados familiares que se tornem potenciais inquilinos.
  • O Estado vai comprometer-se a pagar as rendas caso haja três meses de incumprimento. "Sabemos que a taxa de incumprimento no pagamento da renda é extremamente diminuta. Contudo sabemos que existe um receio na sociedade portuguesa, em particular em muitos proprietários, quanto a incumprimentos do inquilino e que "sejam lento em relação à cobrança ou ao despejo", disse o primeiro-ministro. Neste cenário, o Estado substitui o senhorio no que toca à responsabilidade de cobrar as quantias em dívida. Caso não haja uma causa "socialmente atendível" que justifique o incumprimento, proceder-se-á ao despejo daquilo que Costa classificou de "incumpridores profissionais";
  • Isenção de imposto de mais valias a quem venda ao Estado ou aos municípios "qualquer tipo de habitação". Estas casas serão então disponibilizadas em regime de renda acessível ;
  • Criação de uma linha de crédito de 150 milhões de euros para que os municípios realizem obras coercivas e tragam para o mercado as conjunto de habitações fora do mercado;
  • Regime de arrendamento compulsivo às casas que estejam devolutas, sendo que o Estado ou o município terá de pagar a renda que é devida e cobrando a renda ao inquilino;
  • A taxa autónoma que incide sobre os rendimentos de rendas vai baixar de 28% para 25%.
    • A taxa autónoma que atualmente incide sobre os rendimentos de rendas está balizada há vários anos nos 28% - quando o senhorio não opta pelo englobamento dos rendimentos – havendo situações em que esta taxa pode ser reduzida em função da duração do contrato.
    • A medida hoje aprovada mexe também nas taxas mais baixas de IRS que são atribuídas aos contratos de maior duração. Assim, a taxa de IRS aplicada a contratos com duração entre 5 e 10 anos baixa de 23% para 15% e entre 10 e 20 anos recua de 14% para 10%. Já nos contratos com duração superior a 20 anos a taxa do imposto recua de 10% para 5%.

O Governo optou também pela criação de um regime de incentivos para que regressem ao mercado de habitação frações habitacionais que estão dedicadas ao alojamento local:

  • As atuais licenças de alojamento local vão sujeitas a reavaliação quanto à sua pertinência em 2030;
  • Serão proibidas as emissões de novas licenças de alojamento local, à exceção de licenças em meio rural numa faixa de concelhos do interior do país, onde não há pressão urbanística;
    • Na sessão de respostas aos jornalistas, a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, disse não poder fixar “uma data concreta” para a suspensão de atribuição de novas licenças, mas adiantou que vai ter efeitos retroativos à data de aprovação final da medida na Assembleia da República.

  • Os proprietários que queiram passar os seus fogos de regime de alojamento local para arrendamento local, têm isenção de taxação zero em IRS até 2030, desde que façam essa transferência até 2024;
  • Criação de uma contribuição extraordinária sobre as habitações em alojamento local, com esse dinheiro a reverter para a promoção de políticas de habitação a partir do IHRU.

Haverá ainda uma série de benefícios fiscais para quem coloque casas em arrendamento acessível:

  • Isenção de IMT para quem compre casas com o propósito de arrendamento acessível;
  • Taxa de IVA a 6% para quem realizar obras de reabilitação para colocar casas no arrendamento acessível;
  • Isenção de IMI para que colocar casas no arrendamento acessível;
  • Quem colocar casas em regime de arrendamento acessível terá total isenção do pagamento IRS sobre os rendimentos prediais.

Combate à especulação imobiliária

No âmbito do combate à especulação imobiliária, o Governo vai aplicar as seguintes medidas:

  • Fim da concessão de novos vistos ‘gold’. “Quantos aos vistos ‘gold’ já concedidos, (…) só haverá lugar à renovação se forem habitação própria e permanente do proprietário e do seu descendente, ou se for colocado o imóvel duradouramente no mercado de arrendamento”, anunciou o primeiro-ministro;
  • O valor das rendas dos novos contratos de arrendamento vai passar a ter critérios que limitam a sua subida. "Para novos contratos, a nova renda deve resultar da soma da última renda praticada com as atualizações que poderiam ter sido feitas durante o período do contrato", explicou o primeiro-ministro. Além destes dois critérios, o valor da nova renda poderá ainda ter em conta o objetivo de inflação de 2% definido pelo Banco Central Europeu (BCE).

Apoio às famílias:

Por fim, Costa enunciou o rol de medidas de apoio às famílias no que toca à habitação:

  • Isenção de mais-valias para amortização de crédito à habitação do próprio e de descendentes;
  • Os bancos vão passar a ter de disponibilizar ofertas de taxa fixa no seu portfólio de crédito à habitação."Todos os bancos têm de oferecer no seu portfólio créditos a taxa fixa, nos créditos à habitação", referiu o primeiro-ministro, sinalizando que com esta medida deixará de ser possível, como atualmente, que as instituições financeiras possam não disponibilizar esta oferta;
  • Adoção de medidas de proteção do crédito e de apoio às rendas:
    • No que toca à proteção do crédito, este será concedido para créditos até 200 mil euros de agregados familiares que sejam tributados até ao sexto escalão de IRS e onde o Estado bonificará o juro em 50% do valor que esteja acima do valor máximo a que foi sujeito o agregado no teto de stress que realizou aquando da contratação;
    • Já no que diz respeito ao apoio às rendas, o Governo vai conceder apoios de até 200 euros mensais por agregado para as famílias que estão abrangidas até ao sexto escalão de IRS e ultrapassem o máximo de 35% na taxa de esforço.

Medidas vão custar 900 milhões de euros

“O valor estimado do programa que hoje apresentamos é de cerca de 900 milhões de euros, não incluindo nesta estimativa o que venham a ser valores de custos com rendas, com obras a realizar ou com compras, e incluindo aqui o valor das linhas de crédito”, anunciou o ministro das Finanças.

Já o primeiro-ministro precisou que as verbas em questão vão ser mobilizadas através do Orçamento do Estado, descartando que pudessem ser financiadas através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

“O dinheiro do PRR não é uma espécie de uma conta corrente em que se vai lá buscar cada vez que é preciso. Os valores do PRR estão todos alocados até ao último cêntimo. (…) Essa ideia de que ‘há um problema, vai-se buscar ao PRR’, não é assim. Aquilo não é uma conta corrente, nem é a mesada dos nossos pais”, disse.

Interrogado se o Governo tem alguma dúvida jurídica sobre alguma das medidas hoje apresentadas, designadamente no que se refere ao arrendamento obrigatório de casas devolutas, Costa respondeu que o executivo tem a convicção de que todas as propostas “respeitam escrupulosamente a Constituição”.

“O direito da propriedade é um direito fundamental, mas, como todos os direitos, tem de se compatibilizar com outros direitos fundamentais, e o direito à habitação é também um direito fundamental, e há um princípio da função social da propriedade, que já um princípio bastante antigo, e que, naturalmente, tem que ser tido em conta nestas restrições”, sublinhou.

No caso específico do arrendamento obrigatório de casas devolutas, o primeiro-ministro assegurou que “não se trata de expropriar a propriedade que está devoluta”.

“Trata-se de fazer um arrendamento obrigatório, onde o Estado pagará ao proprietário a renda que é legítima, com o direito de se cobrar da renda que cobra ao seu arrendatário e das obras que eventualmente tenha que fazer, coercivamente, para restabelecer as condições de habitabilidade do imóvel”, disse.

Este Conselho de Ministros dedicado à habitação já tinha sido anunciado em janeiro pelo primeiro-ministro, António Costa, durante uma entrevista à RTP, tendo o Governo assumido a habitação acessível como um dos maiores desafios da atualidade.

Antes deste Conselho de Ministros, a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, reuniu-se com associações do setor para ouvir as suas propostas.

Este Conselho de Ministros acontece um dia depois de a Assembleia da República ter debatido um projeto-lei do PCP para proteger a habitação própria, que foi chumbado com os votos contra do PS e da IL, abstenções do PSD e Chega e votos favoráveis de BE, PAN e Livre.

Entre as medidas do diploma, o PCP propunha que a subida das taxas de juro não tivesse como “primeiro impacto” a perda de rendimento das pessoas, devendo antes incidir na “redução das margens de lucro dos bancos”.

O PCP queria também que os contratos de habitação pudessem ser renegociados na perspetiva de um limite de 35% da taxa de esforço, estendendo o prazo para pagamento a crédito.