“A senhora procuradora [geral da República] pode dar as suas explicações, pode eventualmente até mudar de posição, deixando cair uma diretiva que por escrito mandou transmitir a todos os procuradores, orientações que nos parecem que ofendem a legalidade e até a própria Constituição da República Portuguesa”, afirmou o deputado, em declarações à agência Lusa.

Apesar de o PSD não prever dar entrada de nenhuma pedido da audição ou iniciativa legislativa, o vice-presidente da bancada adiantou que os sociais-democratas vão votar favoravelmente os requerimentos que sejam apresentados por outros partidos, porque “é evidente que o PSD não tem nada a obstar que a senhora Procuradora seja ouvida, para esclarecer exatamente aquilo que quer e aquilo que pretende com uma diretiva destas”.

Admitindo que o Governo também possa ser ouvido quanto a esta questão, e que já outros partidos disseram que “equacionam ouvir a senhora ministra da Justiça”, Carlos Peixoto referiu que o “PSD aguardará serenamente por estes requerimentos e votará favoravelmente todos requerimentos, porque não faz sentido um partido requerer e os outros irem todos atrás requerer o mesmo”.

Para o deputado, esta é uma questão “mais ao nível do funcionamento interno do Ministério Público do que a nível de iniciativas legislativas no sentido de que qualquer partido tenha que alterar a lei”, uma vez que “a lei existe, o estatuto do Ministério Público foi alterado há muito pouco tempo no parlamento e, portanto, não é altura de estar a mexer nas leis".

Apontando que “há uma norma claramente que diz que o MP deve agir dentro dos limites estabelecidos na lei e no estatuto”, Carlos Peixoto sublinhou que “é claramente proibida qualquer tipo de orientação, de determinação, de ordem que seja escondida dos mais sujeitos processuais e que não fique plasmada no processo”.

Para o PSD, “é preciso que se estabeleça uma fronteira entre o momento até ao qual vão as ordens dos superiores hierárquicos e o momento a partir do qual se estabelece a autonomia de cada magistrado”.

“Aquilo que a senhora procuradora veio dizer não mexe sequer nestes princípios, mexe numa outra coisa que é mais preocupante, é que diz que quaisquer ordens que podem ser dadas a um inferior hierárquico não devem ficar no processo, portanto, são sigilosas”, defendeu o deputado, falando numa “hierarquia de armário ou de cortinado”.

Carlos Peixoto sublinhou que esta questão põe e causa o princípio de “igualdade das partes” porque “as partes têm de saber com aquilo que contam, não podem estar à espera de decisões surpresa que são absolutamente inimigas do Estado democrático e daquilo que deve ser um princípio que norteia o MP desde sempre, desde a sua fundação, que é o princípio do funcionamento democrático do MP, e que está posto em causa”.

“A partir do momento que um magistrado do MP pode dar ordens a um seu inferior hierárquico e que pode estar motivado por razão política, pessoal, económica, ideológica, religiosa e a partir do momento e que esta ordem não seja transparente, nem seja sindicável por ninguém, porque fica escondida num cofre, obviamente que isso nos preocupa e obviamente que isso põe em causa as regras mais básicas do Estado de direito democrático”, vincou.

O parecer do Conselho Consultivo, cuja doutrina a procuradora-geral da República, Lucília Gago, determinou que seja "seguida e sustentada pelo MP", prevê que a hierarquia do MP pode intervir nos processos-crime, "modificando ou revogando decisões anteriores".

Segundo o parecer, nos processos-crime a intervenção da hierarquia e o exercício dos poderes de direção do MP não se circunscrevem ao que está previsto no Código de Processo Penal, "compreendendo ainda o poder de direção através da emissão de diretivas, ordens e instruções, gerais ou concretas".

Este parecer gerou uma onda de contestação por parte dos magistrados, levando o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público a anunciar que vai exigir, por abaixo-assinado e mobilização da classe, que a procuradora-geral da República revogue a diretiva que reforça os poderes dos superiores hierárquicos.

Hoje, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, defendeu que a diretiva sobre a intervenção da hierarquia em processos judiciais não compromete a autonomia dos magistrados do Ministério Público nem coloca em crise a figura do procurador-geral.