Numa conferência ‘online’ do CEN sobre “Investimento público no pós-crise” devido à pandemia da covid-19, Joaquim Miranda Sarmento defendeu que “a estagnação económica dos últimos 20 anos se associa muito a más decisões de investimento”, considerando que neste período os fundos comunitários “não serviram para Portugal convergir com a União Europeia”.
“Preocupa-me que se esteja exclusivamente à espera do tal milagre europeu que vai resolver todos os problemas e que se voltem a cometer erros dos últimos 15/20 anos, ao invés de se olhar o investimento público em setores como a digitalização e energia e se volte a carregar novamente nas grandes obras públicas, sempre a grande tentação”, disse o economista e coordenador do PSD para a área das Finanças Públicas.
Para o economista - que apontou como exemplo Portugal ser “o segundo ou terceiro país do mundo com melhor rede de autoestradas”, muitas delas sem tráfego suficiente -, essa tentação tem “razões políticas, sociológicas”, mas também “menos simpáticas, de captura de interesses”.
Joaquim Miranda Sarmento alertou que, pelas últimas informações de que dispõe, o programa de recuperação europeia que se está a preparar poderá ser apenas para dois anos, o que considera ser prejudicial aos interesses nacionais.
“O meu receio é que um programa de curta duração, sem comparticipação nacional, e com o aligeirar das regras de contratação pública repita e agrave os erros que temos cometido nos últimos 15/20 anos”, alertou.
O economista, que coordenou o programa de recuperação do PSD para a fase pós-covid, alertou que se a comparticipação europeia vier 100% a fundo perdido, sem necessidade de uma parte de esforço nacional, “o risco moral é bastante elevado” e há mais probabilidades de o país escolher novamente “maus projetos”.
“O nosso histórico de aproveitamento de fundos comunitários nos últimos 15/20 anos não é propriamente brilhante”, avisou.
Joaquim Sarmento alertou que se está a procurar “reduzir os níveis de exigência na contratação pública”, para mais facilmente aceder às verbas europeias, o que diz ter comprovados efeitos nos desvios financeiros nas obras públicas, mas salientou que o parlamento ainda terá uma palavra a dizer, uma vez que vai ter “de votar estas alterações”.
Como aposta estratégica para o investimento público, Sarmento apontou a ferrovia, centrada em dois corredores que liguem, por um lado, a zona exportadora de Aveiro e Braga a Espanha, e outro que sirva a zona de Lisboa, Setúbal e Sines.
“Senão, daqui a 10 anos corremos o risco de Portugal ser uma espécie de ilha sem qualquer ligação ferroviária, sobretudo de mercadorias”, disse, antecipando uma futura conferência do CEN exclusivamente sobre este tema.
O défice de infraestruturas ferroviárias e portuárias foi igualmente apontado por outro dos participantes na conferência, o professor do ISEG João Jalles, que defendeu que “mais importante do que receber muito ou pouco dinheiro de Bruxelas” será a qualidade do investimento público.
Fernando Alexandre, ex-secretário de Estado Adjunto do ministro da Administração Interna entre 2013 e 2015 e professor associado da Universidade do Minho, deixou o alerta de que a próxima década “vai ser decisiva para Portugal”, que em 2030 terá uma população muito envelhecida e completará 40 anos da receção de fundos de coesão fruto da integração europeia.
“Se não corrigirmos os desequilíbrios em quatro décadas, os fundos de coesão passam a ser quase uma esmola, não queria usar esta palavra, mas é quase isso”, afirmou.
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