“O smile era tão grande que quase ocupava dois quadrados. Não tinha nenhum comentário, não considero que isto seja propaganda eleitoral, não faz apelo ao voto”, disse Vasco Gonçalves, de 37 anos, ao SAPO 24.
O técnico de compras foi notificado no dia 22 de julho para se apresentar na Esquadra de Investigação Criminal do Barreiro para prestar declarações. O motivo? Uma publicação na sua página de Facebook, mais especificamente, uma imagem de um boletim de voto que encontrou na internet e partilhou. O problema reside no facto de a publicação ser “pública”, ou seja, visível a todos e ter sido partilhada no dia das eleições, desrespeitando o artigo 129 º da Lei Eleitoral do Presidente da República.
A lei prevê que “aquele que no dia da eleição ou no anterior fizer propaganda eleitoral por qualquer meio será punido com prisão até seis meses e multa de 2,49 euros a 24,94 euros”. Acrescenta ainda que quem “fizer propaganda nas assembleias de voto ou nas suas imediações até 500 metros será punido com prisão até seis meses e multa de 4,99 euros a 49,88 euros“, tendo os valores sido revistos em 2002.
“Fui constituído arguido e estou com termo de identidade e residência. Não me posso ausentar do local de residência por mais de cinco dias sem informar o tribunal”, diz Vasco. Esta é a menos grave das medidas de coação, e é de aplicação obrigatória sempre que alguém é constituído arguido.
O processo está agora em fase de inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) e Vasco aguarda para saber se o caso seguirá para tribunal ou se vai ser arquivado.
“O documento que o polícia me mostrou tinha mais nomes”, adianta o técnico. Reparei no de uma senhora que escreveu no Facebook que o “Marcelo é o Cavaco que ri”, diz.
De facto, Vasco é apenas um dos cinco casos semelhantes que a Comissão Nacional de Eleições decidiu remeter aos “competentes serviços do Ministério Público” no passado dia 2 de Fevereiro. O caso que descreve está igualmente listado na ATA nº 245/XIV da Comissão.
Os detalhes de cada caso variam entre si, tendo como ponto comum serem publicações feitas em perfis ou grupos públicos.
“Não sei quem fez a queixa”, desabafa Vasco. Contactado pelo SAPO 24, o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições, João Tiago Machado garantiu que “as queixas anónimas não são consideradas” e a maior parte é de “carácter particular”.
“Quando remetemos um caso para o Ministério Público não somos informados sobre o seu desenvolvimento durante a fase de inquérito, apenas sobre o eventual seguimento do caso para tribunal ou sobre o arquivamento do mesmo”, explicou o porta-voz ao SAPO 24, acrescentando que, até ao momento, não tinha informações relativas aos casos relacionados com o Facebook que o CNE remeteu para o Ministério Público, quer deste ano, quer de períodos anteriores.
Segundo João Tiago Machado, registaram-se muito menos queixas nas legislativas do ano passado e nas Presidenciais de 2016 do que nas Autárquicas de 2013 e nas Europeias de 2014.
Para o porta-voz, as pessoas já estão familiarizadas com o facto de não poderem fazer propaganda política no período de reflexão e no dia das eleições, agora “ é transportar o que acontece no contexto virtual para a realidade”.
A questão das redes sociais foi abordada oficialmente pela CNE numa nota divulgada a 17 de Abril de 2014. “O ponto nuclear para efeitos de responsabilização do utilizador deve ser a forma como este se posiciona em termos de privacidade”, pode ler-se no documento.
Conclusão? A CNE considera que integra o ilícito de “propaganda na véspera e no dia da eleição” a atividade, praticada em período de reflexão, registada na rede social Facebook em páginas, grupos abertos e cronologias pessoais com privacidade definida que extravase a rede de “amigos” e “amigos dos amigos”.
A CNE reconhece que “mesmo no perfil restrito há acesso a conteúdos publicados por quem não é “amigo”, porém, impedir essa possibilidade implicaria um dever de cuidado que não se afigura ser exigível ao cidadão médio”.
Com eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores ainda este ano e autárquicas em 2017, é conveniente saber o que pode ou não publicar na sua rede social no período de reflexão.
Na mesma altura em que a CNE decidiu remeter o caso de Vasco Gonçalves para o Ministério Público, deixou ao deputado do PSD Carlos Abreu Amorim uma recomendação de zelo.
O caso prende-se com uma partilha indevida no dia das eleições presidenciais, a 24 de janeiro, publicada na cronologia de Carlos Abreu Amorim.
“A partilha não acrescentou nenhum dado à mensagem original, nem foi acompanhada de qualquer comentário”, pode ler-se no documento. Além disso, “o visado alega, ainda, que a partilha da mensagem em causa foi efetuada por alguém que o auxilia na gestão dessa página e que a mesma esteve ativa menos de uma hora, tendo sido o próprio signatário que pôs fim imediato a essa situação quando dela se apercebeu”.
O caso não foi remetido para o Ministério Público, mas Abreu Amorim não escapou à reprimenda: o deputado deverá, de futuro, “tomar as medidas necessárias para que seja dado cumprimento rigoroso à norma que proíbe a realização de propaganda em período de reflexão.”
O SAPO 24 contactou esta tarde o Ministério Público para saber mais detalhes sobre os casos referidos na ATA nº 245/XIV da CNE, e sobre o desfecho de casos anteriores que envolvam publicações em redes sociais, estando ainda a aguardar resposta.
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