A mudança constitucional abrirá caminho para que o Presidente russo, de 67 anos, possa permanecer no cargo até 2036, se assim o desejar e se continuar a ser o preferido dos eleitores.
A proposta foi apresentada por Valentina Tershkov – uma parlamentar muito respeitada por ter sido a primeira mulher a voar no espaço — e pretende colocar um fim à lei que limita a dois os mandatos presidenciais na Rússia ou parar o relógio para que ela não se aplique a Putin.
O Presidente e a câmara baixa do Parlamento, fiel a Putin, endossaram rapidamente a proposta, enquanto a oposição denunciou o seu “cinismo” e advogam manifestações públicas de protesto contra essa possibilidade.
Os parlamentares russos também aprovaram um conjunto de emendas constitucionais propostas por Putin, que incluem a definição do casamento como uma união heterossexual e expressões linguísticas que prestem homenagem aos “antepassados que nos legaram os seus ideias e uma crença em Deus”.
Num discurso perante o Parlamento, para discutir o pacote de emendas, Putin opôs-se ao fim do limite dos mandatos presidenciais, mas apoiou a interrupção da contagem de tempo e o seu reinício a partir de 2024 — quando terminar o seu segundo mandato consecutivo de seis anos – se a Constituição for revista.
A votação sobre as emendas está prevista para o próximo mês.
Putin está no poder há mais de 20 anos e é o mais antigo líder da Rússia, desde o ditador soviético Josef Stalin.
Depois de cumprir dois mandatos presidenciais, entre 2000 e 2008, Putin passou para o gabinete de primeiro-ministro, enquanto o seu protegido Dmitri Medvedev atuava como Presidente.
Quando a duração do mandato presidencial foi estendida para seis anos, no tempo de Medvedev, Putin recuperou a presidência, em 2012, e venceu novo mandato, em 2018.
Analistas dizem que, para manter o poder, Putin tem várias opções: poderá usar as emendas constitucionais que revelou em janeiro, para eliminar os limites de prazo; passar para o lugar de primeiro-ministro com poderes acrescidos; ou continuar a dar ordens como chefe do Conselho de Estado, órgão que ficou com mais poder, na revisão da Constituição.
Hoje, o líder russo revelou que a sua estratégia é levantar o limite do mandato presidencial, aproveitando a proposta de Valentina Tershkov.
“Proponho levantar o limite do mandato presidencial ou adicionar uma cláusula que, após a revisão da Constituição entrar em vigor, permite ao Presidente em exercício, assim como qualquer outro cidadão, procurar novo mandato presidencial”, disse Tershkov, perante o aplauso da câmara baixa do Parlamento.
Logo de seguida, Putin chegou ao Parlamento, para discursar, dizendo que estava ciente dos pedidos públicos para permanecer como Presidente e enfatizou que a Rússia precisa de estabilidade interna e de desenvolvimento”.
“Já tivemos revoluções suficientes”, acrescentou o Presidente.
Contudo, Putin reconheceu que a Constituição é um documento de decisões de longo prazo, pelo que a eliminação de prazos para mandatos não seria uma boa ideia.
“Na perspetiva de longo prazo, a sociedade deve ter garantias de rotatividade regular do Governo”, esclareceu o Presidente, acrescentando que é fundamental “pensar nas gerações futuras”.
Foi nesse momento que Putin revelou o seu plano, dizendo que estava de acordo com a proposta alternativa de Tershkova, de reiniciar a contagem de mandatos, quando a constituição revista entrar em vigor.
“Quanto à proposta de levantar restrições para qualquer pessoa, qualquer cidadão, incluindo o Presidente em exercício, para permitir a candidatura em futuras eleições … essa opção é possível”, disse Putin.
O Presidente acrescentou que o Tribunal Constitucional precisará de julgar se a medida não viola a legalidade, embora o consentimento do tribunal esteja praticamente garantido, sabendo-se da sua conformidade com as vontades do Presidente.
Ao mesmo tempo, Putin anulou as especulações de que o Kremlin poderia convocar uma eleição parlamentar antecipada para o outono, dizendo que a considerava desnecessária.
A declaração de Putin surgiu quando os legisladores analisavam as emendas numa segunda volta, quando são feitas alterações no documento.
A câmara baixa, controlada pelo Kremlin, aprovou rapidamente as emendas propostas por uma votação de 382-0 com 44 abstenções.
A votação numa terceira volta será, agora, uma formalidade rápida.
Uma votação nacional sobre as emendas propostas está prevista para 22 de abril.
O principal rosto da oposição da Rússia, Alexei Navalny, ridicularizou a mudança proposta.
“Putin está no poder há 20 anos e ainda vai concorrer pela primeira vez”, escreveu Navalny na sua conta pessoal da rede social Twitter.
Um grupo de ativistas da oposição convocou uma manifestação em Moscovo, para 21 de março, na qual diz esperar cerca de 50.000 pessoas.
“O país onde o Governo não muda há 20 anos não tem futuro”, disseram os ativistas, num comunicado.
Mas, depois de o grupo ter anunciado a manifestação, as autoridades de Moscovo baniram as atividades ao ar livre com mais de 5.000 pessoas, até 10 de abril, alegando medidas de prevenção contra o novo coronavírus.
Os índices de aprovação de Putin permanecem altos, apesar de uma queda recente no meio de problemas económicos da Rússia
Não está claro se a oposição russa, fragmentada e desorganizada, pode representar um sério desafio ao Kremlin.
A queda acentuada do rublo nesta semana, causada por uma queda acentuada nos preços globais do petróleo, após o colapso do acordo da OPEP com a Rússia para controlar a produção de petróleo, pode prenunciar problemas económicos mais profundos e prejudicar a popularidade de Putin.
“Parece que a situação de crise fez Putin largar a sua máscara e fazer algo que ele tinha planeado originalmente. E fazê-lo rapidamente”, disse Abbas Gallyamov, analista político independente.
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