Os serviços secretos norte-americanos, de acordo com vários funcionários, mostram o que parece ser uma tensão crescente entre o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o seu Ministério da Defesa — inclusive com o Ministro Sergei Shoigu, que em tempos esteve entre os membros mais confiáveis do círculo interno do Kremlin.

Segundo o The New York Times, o secretário de Estado Antony J. Blinken reconheceu em Argel que Putin não estava a receber todas as informações por parte dos seus conselheiros.

"Um dos calcanhares de Aquiles das autocracias é que não existem pessoas nesses sistemas que tenham a capacidade de dizer a verdade ao poder", disse. "Penso que isso é algo que estamos a ver na Rússia".

Numa conferência de imprensa na quarta-feira à tarde, o porta-voz do Pentágono, John Kirby, também afirmou que o presidente russo não foi totalmente informado pelo Ministério da Defesa sobre os fracassos do seu exército na Ucrânia durante o último mês.

"Se Putin está mal informado ou desinformado sobre o que se passa dentro da Ucrânia, é o seu exército, é a sua guerra, ele escolheu-a", disse.

Para Kirby, esta é uma situação "desconfortável" porque o facto de haver um presidente desinformado — que talvez não compreenda "totalmente o grau de falha das suas forças" — pode resultar num esforço "menos fiel" para pôr fim ao conflito através de negociações de paz.

Além disso, também "não se sabe como é que um líder como ele vai reagir se receber más notícias", acrescentou.

Por outro lado, os serviços secretos afirmaram ainda que os conselheiros de Putin estão demasiado assustados para lhe dizerem quão mal a guerra na Ucrânia está a decorrer, bem como para falar do impacto total das sanções na economia russa.

Assim, alguns oficiais norte-americanos acreditam que os altos funcionários russos estão cautelosos em transmitir avaliações verdadeiras ao presidente russo — potencialmente receosos de que os mensageiros de más notícias sejam responsabilizados pelas falhas no campo de batalha.

Pelo meio das aparentes falhas, de recordar que as forças russas anunciaram uma mudança na sua postura em torno de Kiev, a capital ucraniana, esta terça-feira. Mas os funcionários americanos manifestaram também o seu cepticismo quanto ao facto de a Rússia estar a parar os seus ataques como um gesto de paz.

Em vez disso, alguns acreditam que os movimentos são mais um sinal de que a Rússia está a ajustar a sua estratégia falhada. Também é possível que a estratégia de mudança seja um sinal de disfunção e falha de comunicação nas fileiras superiores do Ministério da Defesa russo.

O impacto da guerra nos soldados russos

Ainda sobre o exército, um responsável dos serviços de informação do Reino Unido disse esta quinta-feira que há soldados russos desmoralizados na Ucrânia a desobedecer a ordens e a sabotar o próprio equipamento, tendo abatido acidentalmente um dos seus aviões.

Jeremy Fleming, que dirige a agência de espionagem eletrónica GCHQ, fez estas declarações na capital australiana, Camberra.

O presidente russo, Vladimir Putin, aparentemente "julgou substancialmente mal" a invasão, disse.

"É evidente que ele julgou mal a resistência do povo ucraniano. Ele subestimou a força da coligação que as suas ações iriam galvanizar. Subestimou as consequências económicas do regime de sanções, e sobrestimou as capacidades dos seus militares para assegurar uma vitória rápida", defendeu.

"Vimos soldados russos, com falta de armas e moral, recusarem-se a cumprir ordens, sabotarem o próprio equipamento e até a abaterem acidentalmente um dos seus aviões", acrescentou.

Fleming elogiou a "operação de informação" do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, por ser altamente eficaz na luta contra a campanha maciça de desinformação da Rússia.

Embora houvesse expectativas de que a Rússia ia lançar um grande ataque cibernético como parte da campanha militar, Fleming disse que tal movimento nunca foi uma parte central da estratégia padrão de Moscovo para a guerra.

Por outro lado, o Ministério da Defesa do Reino Unido divulgou, num relatório dos serviços secretos, que as unidades russas, que sofreram grandes perdas, foram forçadas a regressar à Bielorrússia e à Rússia para se reorganizarem e reabastecerem.

Assim, é referido que "esta atividade está a colocar mais pressão sobre a já tensa logística russa e demonstra as dificuldades que a Rússia está a ter na reorganização das suas unidades em áreas futuras dentro da Ucrânia", acrescentando que "é provável que a Rússia continue a compensar a sua reduzida capacidade de manobra terrestre através da artilharia de massa e de ataques com mísseis".

"O foco declarado da Rússia numa ofensiva em Donetsk e Luhansk é provavelmente uma admissão de que está a lutar para sustentar mais do que um eixo de avanço significativo", foi ainda acrescentado.

Afinal há possibilidade de um acordo?

A Ucrânia tem vindo a insistir esta semana que um acordo com a Rússia apenas será possível após a retirada das suas tropas, enquanto o Kremlin avisou Kiev de que o estatuto de independência da Crimeia e das repúblicas separatistas é intocável.

Mykhailo Podolyak, conselheiro do presidente da Ucrânia que tem participado nas negociações entre os dois países, adiantou que as forças russas devem retirar para as suas posições antes da invasão de 24 de fevereiro para abrir caminho a um acordo de paz que venha a ser colocado a referendo nacional.

O alegado recuo não convence o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que disse hoje que não acredita em nenhuma “frase bonita” por parte da Rússia sobre uma desescalada militar.

“Não acreditamos em ninguém, nem numa única frase bonita”, atirou o chefe de Estado da Ucrânia numa mensagem de vídeo, em reação ao anúncio de Moscovo na terça-feira, que assegurou uma redução das ações militares no oeste ucraniano, em particular nas proximidades de Kiev. Volodymyr Zelensky alertou que há “uma situação real no campo de batalha” e garantiu ainda que a Ucrânia não irá desistir de “lutar por cada metro” do seu território.

Do lado de Moscovo, o negociador-chefe da delegação russa, Vladimir Medinsky, já avisou a Ucrânia de que para o Presidente Vladimir Putin o estatuto de independência das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e de Lugansk, de separatistas pró-russos, na região de Donbass, bem como da península da Crimeia (anexada pela Rússia em 2014), são intocáveis.

“Quero sublinhar que a posição de princípio do nosso país em relação à Crimeia e ao Donbass permanece inalterada”, disse Medinsky, numa entrevista à televisão pública russa.

Na terça-feira, Zelensky disse que as negociações russo-ucranianas estavam a decorrer num tom positivo, mas manteve que “a soberania e a integridade territorial da Ucrânia deveriam sempre ser garantidas”.

Putin reconheceu a independência das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk dias antes de invadir a Ucrânia, alegadamente porque as autoridades dos territórios ucranianos separatistas pediram ajuda a Moscovo face às agressões do Governo de Kiev.

Apesar destas divergências, Medinsky sublinhou após a quinta ronda de negociações em Istambul que, “pela primeira vez em muitos anos, as autoridades de Kiev expressaram a sua disposição de chegar a um acordo com a Rússia”.

“A Ucrânia está disposta a cumprir as principais exigências colocadas pela Rússia nos últimos anos”, disse o negociador russo, referindo-se à renúncia da Ucrânia em entrar na NATO, possuir, adquirir ou desenvolver armas nucleares ou outras armas de destruição em massa, e receber bases ou contingentes militares estrangeiros.

“Se estas exigências forem atendidas, então a ameaça de criação no território ucraniano de uma plataforma da NATO ficará afastada”, concluiu Medinsky.

Entretanto, os serviços de inteligência britânicos, que têm feito uma análise regular das movimentações das tropas no terreno, referem esta quinta-feira que, "apesar de a Rússia indicar a intenção de reduzir a atividade militar em torno de Chernihiv, bombardeamentos significativos continuam a ter lugar".

As forças russas "continuam a manter posições a este e oeste de Kiev, apesar da retirada de um número limitado de unidades. É expectável que fortes combates tenham lugar nos subúrbios da cidade nos próximos dias", nota.

Também em Mariupol se continuam a registar "fortes combates", uma vez que a localidade permanece como "um objetivo-chave" para Moscovo. Ainda assim, as forças ucranianas "mantêm o controlo do centro da cidade". Hoje, Kiev enviou 45 autocarros para tirar civis de Mariupol, uma das zonas mas fustigadas neste conflito.

Eis a situação atual de combates na Ucrânia, segundo a inteligência britânica:

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