Os efeitos do opiáceo, 50 vezes mais potente que a heroína, são visíveis nas ruas de duas das cidades mais ricas do país, Los Angeles e São Francisco, onde alguns bairros estão transformados em zonas de consumo a céu aberto.
“A maioria do que era o negócio da heroína é agora de fentanil”, disse à Lusa Dean Shold, cofundador da organização sem fins lucrativos FentCheck. “Tornou-se mais económico para os cartéis, porque conseguem produzir fentanil mais facilmente que as papoilas para a heroína”.
A FentCheck opera sobretudo em São Francisco e Oakland, na parte norte da Califórnia, para prevenir overdoses acidentais. A organização distribui gratuitamente testes para despistar a contaminação de drogas recreativas com o poderoso opiáceo, disponibilizando-os em bares, restaurantes e até livrarias e bibliotecas.
“O fentanil é muito potente. Dois miligramas podem matar uma pessoa”, sublinhou Shold. A FentCheck criou o programa à imagem do que foi feito nos anos 80 durante a epidemia de VIH, em que se multiplicaram os recipientes com preservativos em bares e restaurantes. Desta vez, os recipientes contêm testes gratuitos, que dão resultados em dois minutos.
“Isto é focado nas pessoas que podem usar cocaína ou MDMA numa festa, que experimentam drogas a que não estão habituadas, de fornecedores a quem não normalmente não compram”, explicou. “São os utilizadores mais vulneráveis porque não têm tolerância aos opiáceos”.
Estas overdoses acidentais acontecem quando os consumidores usam drogas que foram contaminadas com fentanil, agora conhecido como a “heroína sintética”, que entra nos Estados Unidos sobretudo a partir da fronteira com o México.
O alvo prioritário é a faixa etária entre os 30 e os 34 anos, onde se têm registado mais overdoses, mas Dean Shold explica que há um risco crescente entre adolescentes, que usam a rede social preferida da Geração Z, TikTok, para encontrarem traficantes de várias substâncias ilícitas.
“Estamos a ver adolescentes a receberem comprimidos encomendados no TikTok. Isso é algo muito assustador”, disse Dean Shold. Os testes oferecidos pela FentCheck servem para testar se estas e outras substâncias ilícitas estão contaminadas, sem um elemento recriminatório.
“Não queremos julgar. Muitos pais dizem para simplesmente não usarem drogas, e isso não funciona”, afirmou o responsável. ”Não acreditamos que a única resposta é a abstinência”.
Shold indicou que evidência disso mesmo é o falhanço das últimas décadas, em que todas as estratégias para mitigar o consumo de drogas fracassaram.
Mas o uso de testes tem um efeito preventivo comprovado, que a organização contabilizou comparando os números de overdoses nas suas zonas de atuação, publicados pelo Departamento de Saúde Pública da Califórnia.
“Temos de fornecer estes recursos porque dizer apenas ‘não usem drogas’ não tem funcionado”, disse Shold, considerando óbvio que ”perdemos a guerra contra as drogas”.
Segundo a Drug Enforcement Administration (DEA), o fentanil é agora a causa número um de morte entre americanos com menos de 50 anos. Em 2021, 106 mil pessoas morreram de overdoses e destas, mais de 70 mil foram vítimas do fentanil.
Com milhares de viciados, overdoses acidentais e cada vez mais adolescentes em risco, o combate a esta crise passou para a linha da frente das prioridades em vários estados. Em março, o governador da Califórnia Gavin Newsom anunciou um “plano estratégico” com 96,5 milhões de dólares alocados ao problema.
“Mais de 150 pessoas morrem por dia no nosso país de overdoses e envenenamentos relacionados com opiáceos sintéticos como o fentanil”, disse Newsom, na apresentação do plano.
“A nossa abordagem alargada vai expandir os esforços de fiscalização para repelir as organizações criminais transnacionais que traficam este veneno nas nossas comunidades”, continuou, “ao mesmo tempo que damos prioridade a estratégias de redução de danos para reduzir as overdoses e ajudar com compaixão aqueles que lutam contra o vício”.
A FentCheck é precisamente uma das várias organizações não-governamentais e sem fins lucrativos que trabalham na contenção de danos no terreno.
Só em 2022, distribuiu 50 mil testes e tem feito um trabalho de aproximação aos consumidores e aos funcionários dos estabelecimentos, que está a treinar no uso de Narcan, um antídoto que reverte a overdose.
“Estamos sempre a reabastecer os recipientes com testes e isso dá-nos oportunidade de falar com os empregados de bar, com os clientes, e por vezes direcioná-los a programas de MAT [medication-assisted treatment]”, explicou Shold.
A organização vai começar a distribuir testes em Nova Iorque e pretende expandir de forma dramática a sua cobertura em Los Angeles, onde agora está limitada a West Hollywood.
Los Angeles tem assistido a um agudizar da situação, com as mortes por fentanil no condado a aumentarem 14 vezes nos últimos cinco anos.
Na Universidade do Sul da Califórnia (USC) a organização sem fins lucrativos TACO (Team Awareness Combatting Operation) está a ensinar os estudantes a usarem o antídoto Narcan, a testarem as drogas e a perceberem os potenciais efeitos.
A consciencialização dos riscos tornou-se mais urgente quando, em setembro passado, uma adolescente de 15 anos foi encontrada morta na escola secundária Bernstein, em Hollywood, depois de consumir percocet (uma combinação de oxycodone e acetaminophen) contaminado com fentanil.
Mesmo quando o desfecho não é trágico, a pessoa pode ficar acidentalmente viciada, explicou Dean Shold.
“Qualquer opiáceo pode viciar em cerca de três dias”, frisou. “Consideramos que, ao encorajar o teste de drogas e o não consumo se tiverem fentanil, evitamos que mais pessoas fiquem viciadas em opiáceos”.
O responsável está otimista quanto ao progresso de algumas medidas, como a disseminação dos testes e a despenalização de algumas drogas, mas tem noção da gravidade da situação.
“Metemo-nos num beco de onde é difícil sair”.
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