Sentem-se europeus, mesmo sem saber exatamente porquê. Quando refletem sobre o assunto, encontram semelhanças entre os povos dos diversos países, sobretudo aqueles que fazem parte da União Europeia. É como se fosse uma extensão da sua casa e é aí que se sentem confortáveis e protegidos. Os mais velhos falam na democracia, os mais novos na moeda única, mas quase todos admitem que falta informação e que a escola falha na missão de ensinar.

Para estes rapazes e raparigas entre os 13 e os 19 anos, a guerra na Ucrânia é o momento mais marcante na história recente da Europa. E tem sido pretexto para, mais do que nunca, falar mais sobre este continente e sobre o papel da União Europeia. Ainda assim, a maioria não tinha ideia da data que hoje se celebra e menos ainda do motivo (Declaração Schuman, 1950, propõe a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço).

António Gomes e António Gil estão ambos no 7.º ano em Lisboa, um no Colégio Militar, outro na Escola Paula Vicente. Une-os a amizade e a partilha de alguma ideias. Por exemplo, ambos gostavam que houvesse em exército europeu, "com soldados de todos os países a combater juntos". "Se um país grande como a Rússia atacasse a Europa, como não temos em exército europeu, não estamos tão defendidos", diz António Gomes.

António Gil confessa que "claro que tenho medo que a guerra chegue cá, mas, como estamos numa ponta, um bocado longe da Ucrânia e da Rússia, é improvável, embora não seja impossível". Mesmo assim, sente-se "completamente seguro em Portugal" e até "mais seguro na Europa do que nos Estados Unidos ou na China, por causa das coisas que têm acontecido ao longo do tempo, os tiroteios e massacres nas escolas. Na União Europeia é difícil isso acontecer porque temos mais segurança", acredita.

A proteção e a segurança são pontos destacados por todos os entrevistados. Laura Aguiar-Conraria faz 15 anos dentro de dois meses e é aluna do CLIB - Colégio Luso Internacional de Braga desde Dezembro de 2021 - antes frequentava a Escola Secundária de Carlos Amarante, também em Braga. Diz que se identifica mais com a cultura europeia "do que com qualquer outra cultura do mundo", mas "dizer que sou europeia não me traz o mesmo orgulho do que dizer que sou portuguesa".

Pertencer à União Europeia "traz vários benefícios ao país", "um equilíbrio tanto financeiro quanto político", mas "não me traz um sentimento de pertença". Porquê? "Porque a União Europeia funciona muito em termos e competição, está sempre a comparar uns países com os outros, e essa competição faz-me sentir menos parte de algo e mais a competir por algo. Como se a minha equipa fosse Portugal e não a UE", explica.

E como está Portugal nesse campeonato? "Portugal seria uma equipa de meio da tabela", afirma Laura. "Na visão que eu tenho, e do pouco que sei, nos níveis de segurança estamos lá em cima, nos níveis económico e financeiro a meio. Se tivesse de pôr Portugal num ranking dos países da União Europeia em que me inspiro, poria no meio da tabela, um bocadinho acima da média. Acho que há países com políticas e qualidade de vida muito melhores do que Portugal, mas também não acho que estejamos mal", conclui.

Os países que inspiram a jovem bracarense são "já aqui o nosso vizinho, a Espanha. Apesar de ser uma monarquia, e não ter dos meus políticos favoritos, vejo a sua grandeza. Madrid ou Barcelona comparadas com as nossas Lisboa ou Porto têm mais variedade de cultura, mais opções de educação, universidades tão boas quanto as nossas ou melhores. Vejo-as com mais renome na Europa, digamos assim". 

Erasmus, interrail grátis e muitas oportunidades

Laura já pensa na escolha de uma faculdade. "Curiosamente, foi uma conversa que tive hoje com o meu pai e que já ando a ter há algum tempo. Vejo alguns cursos interessantes em Portugal na área que quero seguir, as economias e tal, e temos aqui uma boa universidade de gestão e finanças, vejo-me a poder fazer o curso em Portugal. Mas planeava alastrar um bocadinho a minha educação a outros países, estar em contacto com outras línguas, aprender mais sobre outras culturas. Não é tanto por não achar Portugal suficiente, é mais por achar que os outros países têm mais para me oferecer neste ponto".

Quando pensa no futuro, "um dos medos que tenho de ficar em Portugal é que, por ser um país mais pequeno e não tão poderoso a nível mundial, puxe um bocadinho as rédeas e não me deixa andar para a frente. Mas, ao ir para fora também tenho medo de estar a fazer uma aposta demasiado grande, quando se estivesse em casa teria uma melhor vida". E não é a única.

Quando se pergunta que impacto tem a União Europeia no seu dia-a-dia, Francisco Santos Silva não hesita: "Acho que a UE fez muito por mim, mas não se resume a uma ação, é mais um trabalho contínuo. Mas, concretamente, talvez me possa dar um passe de interrail, vou saber dentro de dois dias".

Além disso, "ter uma moeda para usar em dezenas de países que posso visitar quase como se estivesse no meu país, receber todo o  dinheiro que vem da UE para projectos em Portugal, como a ponte Vasco da Gama ou a barragem do Alqueva, ter custos mais reduzidos para estudar em universidades estrangeiras ou a protecção dos meus direitos pessoais e privacidade online como não há em mais lado nenhum, já é muito", considera.

Francisco fez 18 anos, frequenta a Oeiras International School e prepara-se para fazer a licenciatura na University College Maastricht, nos Países Baixos, onde já foi aceite. "Se não fosse cidadão da UE, pagava bem mais de 10 mil euros por ano". Assim, pode sem grandes burocracias fazer uma licenciatura fora, um mestrado, Erasmus ou apenas passar algumas semanas através dos programas de intercâmbio de jovens , é só escolher.

Madalena Gomes, 16 anos, anda na Escola Secundária do Restelo e, embora "não sinta a presença da União Europeia todos os dias, pelo menos directamente", vai estar o próximo ano fora, no âmbito de um programa de intercâmbio de jovens. "Vou para Itália", onde "vou ficar em casa de uma família de lá". Acredita que "todos os países podem aprender uns com os outros" e sente que "precisava de saber muito mais".

Ser europeu é, também por isso, "um privilégio enorme. Os valores democráticos e todos os direitos que me são dados fazem-me sentir grato por pertencer à União Europeia", afirma Francisco.

Inês Lago da Silva é da mesma idade do Francisco, embora aluna da Escola Secundária Camões, em Lisboa. "É um tema pelo qual me interesso bastante", "apesar de não ter muito conhecimento sobre ele", confessa. "Talvez por andar numa escola bastante politizada e que dá aos alunos oportunidade de assistir a palestras onde muita gente vem falar, isso despertou o meu interesse pela política".

A estudar na área da Economia, Inês destaca o "sentimento de pertença quando se viaja dentro da Europa", um "conforto" e uma compreensão mútua, diferente do que existe em relação a países como os Estados Unidos, por exemplo". "Na Europa sentimo-nos em casa". "Além de podermos andar livremente dentro da União Europeia, pessoas, capital e comércio".

"Acho que há muitas pessoas que se calhar não valorizam a União Europeia. Eu valorizo muito. Penso que é importante mantê-la, manter uma boa relação entre os países da Europa, que proporcione o crescimento da economia e, no fundo, o bem-estar geral", considera. E, acima de tudo, "é uma organização que valoriza a democracia". Até agora, pelo menos. E esta é uma das grande preocupações da aluna: "A maior preocupação em relação ao futuro é mesmo a crise da democracia que já se pode adivinhar, já se vê muitos extremismos a crescer. E guerras, por isso é que é importante manter a UE, mas apenas se for para ser democrática, senão não é algo em que eu acredite".

A guerra na Ucrânia, o Brexit e o voto aos 16 anos

E Portugal, o que tem para dar à União Europeia? "Estamos há muitos anos a passar tempos difíceis, somos um país que não aproveita a sua geografia, a sua economia, estamos num impasse há alguns anos. Mas acho que poderíamos dar muito, se tivéssemos políticas melhores e aproveitássemos melhor o nosso país", diz Inês Lago da Silva. E fala "no posicionamento geográfico, no ótimo clima para as energias renováveis, no espaço marítimo gigantesco que não estamos a aproveitar".

Isabel Eusébio Borges, 16 anos e a fazer o 11.º ano na Escola Secundária de Ponte de Sor, quer fazer a licenciatura em Portugal e o mestrado fora, "porque tenho curiosidade em conhecer outros países e gosto de viajar". Mas não é que Portugal não tenha nada para oferecer, aliás, conta que recentemente descobriu que "foi Portugal que criou a Via Verde para as auto-estradas, uma inovação que os outros países adoptaram. E também o MBWay, se não me engano".

Mais novo, Xavier Gago, 13 anos, a estudar na Escola Noronha Feio, em Queijas, lembra que Portugal se destaca "pela sua longa costa, o mar, a temperatura e a gastronomia".

A este propósito, Laura lembra que "somos um país muito aberto a receber estrangeiros e a integrá-los na nossa sociedade. Mesmo para os estudantes virem e trabalharem, somos muito abertos", diz. Além disso, "há países que olham para Portugal como um bom sítio para viver, sem aquelas barreiras políticas de tu não podes entrar porque és não sei de onde".

Francisco acredita que, "como organização, falta à União Europeia alguma transparência - basta lembrar o Catargate -, e democracia". Por isso, diz, "a única forma que o povo europeu tem de influenciar directamente as instituições europeias é através do voto", mas mesmo assim "são muitos os que não participam". E lembra as eleições do próximo ano, para o Parlamento Europeu, as primeiras em que vai poder votar. "A Europa não é perfeita, mas acho que o que já me motiva a querer contribuir para que seja melhor".

Inês também vai votar pela primeira vez nas próximas eleições europeias, em 2024. Mas não sabe quem são os representantes de Portugal na UE nem o que andam lá a fazer. "É algo que terei de investigar mais. Sei que cada país nomeia um número de deputados para o Parlamento Europeu, onde se tomam decisões de forma democrática. Mas antes das eleições espero informar-me melhor", assegura.

Martim Lopes, tem 16 anos, anda na Escola Secundária Madeira Torres, em Torres Vedras, e foi apanhado à entrada de um treino de hóquei em patins. Afirma que uma das vantagens da Europa é sentir-se "livre", "seguro" e "tranquilo". Gostava de poder votar nas próximas eleições, "sendo europeu acho que tenho esse direito", mas ainda não vai ser desta. Não está de acordo com esta regra, porque "aos 16 anos há jovens que já têm essa consciência de voto".

"Honestamente", diz que "não conhece partidos nem candidatos, mas garante que "se fosse para votar, ia estudar o assunto para saber quem são e o que defendem". O desconhecimento sobre como funciona a União Europeia e que são os seus representantes é generalizado e os miúdos apontam o dedo à escola. 

"Na escola não nos ensinam isso, é uma coisa que falha muito. Estou agora no 10.º ano e, como deixei de ter Cidadania, o tema não é falado em mais lado nenhum, porque em História ou noutras disciplinas não se fala do assunto. Mas gostava bastante".

O lamento de Martim é extensível a quase todos, dos 13 aos 19. António Gomes e António Gil também gostava "de saber mais sobre a União Europeia". Na escola começaram agora a "aprender os países, a data em que Portugal, juntamente com Espanha, aderiu à CEE e a data da criação da União Europeia". Tudo na disciplina de Geografia do 7.º ano. Antes disso, nada.

António Coutinho é mais velho um bocadinho, mas sente o mesmo problema. Aos 15 anos, é aluno da Escola Secundária Mouzinho da Silveira, em Portalegre, mas reconhece que "isso das datas é que é pior" e da União Europeia só falou "assim por alto", em Geografia. Sportinguista diz que o que sabe "é mais é por conta do futebol" ou aprendeu "em casa" ou "na Internet" em alguma pesquisa.

Como a maioria, António não sabe quantos países fazem parte da União Europeia ou quantos estão na fila para entrar. Mas sabe que houve um que saiu, "o Reino Unido". O Brexit é, aliás, o segundo momento chave na história da UE depois da guerra. "Há a inflação, mas não sei se tem a ver com a pergunta". "É um assunto que a escola poderia abordar mais, em vez de certos temas que não interessam tanto", conclui.

Maria Inês Siqueira não sabe se ainda irá a tempo de se interessar. Tem 19 anos e está a tirar Marketing no Politécnico de Viseu. Vive com outros estudantes que também não sabem que data se celebra, nem porquê e já não que muito saber. "Não estou nada dentro do assunto e é uma coisa de que ninguém à minha volta fala". Na escola "nunca aprendi nada sobre isso, pelo menos de que tenha memória. Só aquelas coisas básicas, mas alguma coisa que me dê um ensinamento para o futuro, não".

Votou nas eleições legislativas, mas "não sai se vou votar nas europeias. Agora que penso nisso, é verdade que devia haver nas escolas, tendo em conta que há cursos como o meu, que não têm nada a ver com o assunto, mais informações sobre o tema".

Laura acredita que "saber e perceber o passado de algo de que fazemos parte é importante. É importante que toda a gente saiba a história da União Europeia, as funções que tem, e não só olhar para os os benefícios que traz. Era uma matéria que devia ser mais aprofundada, porque é interessante saber de onde saiu esta união de dezenas de países e o que é que cada país está a dar".

Dia 9 de maio, o dia da Europa

Isabel sabe de cor que dia se celebra hoje, até porque a escola marcou a data com a exposição de alguns cartazes com as datas mais importantes. Pára ao pé de um que lhe chama a atenção e diz: "Este compara a esperança de vida, a riqueza produzida pelas empresas, os espectáculos ao vivo, a população estrangeira em Portugal, as matriculas no ensino superior e extensão de auto-estradas. E dá um exemplo: "Em 1985 a esperança de vida era de 63 anos, em 2018 era de 81 anos". Mas os dados mais recentes são antigos, de 2018.

Lembra que quando começou a guerra entre a Rússia e a Ucrânia passaram "a falar mais da Europa e da União Europeia na aulas". Mas "não tinha a ver com nenhuma disciplina, falávamos disto com alguns professores e, sobretudo, em Cidadania". Também repete que, nesta matéria, aprendeu mais "em casa do que na escola". E, quando se fala de momentos marcantes, o primeiro que menciona é "a Segunda Guerra Mundial" e a "aliança com Inglaterra", agora "gora da União Europeia. De símbolos também ninguém se lembra, a Francisco fala do "Hino à Alegria", a 9.ª Sinfonia de Beethoven.

A guerra na Ucrânia marcou (está a marcar) todos. Como se acaba com uma guerra? "Não se começa", responde prontamente Xavier. "Se não começares uma guerra, não tens de acabar essa guerra". Agora que já começou, "os países têm de parar de se atacar um ao outro". Mesmo assim, Xavier sente-se em segurança, "e é por sermos seguros que temos tanto turismo".

Inês, que quer fazer faculdade em Portugal, Erasmus e um mestrado no estrangeiro, gostava de ficar na Europa, tem pena de não saber que medidas estão a ser discutidas na União Europeia. "É fundamental e devia ser muito mais divulgado, talvez num sítio acessível a toda a gente, até para sabermos que estamos mandar para lá".

Acha que, passado quase 40 anos da adesão de Portugal à então CEE, "o ensino português está um pouco estagnado" e "esta coisa das áreas faz com que que vai para Ciências já não tenha oportunidade de falar nestes temas, não há disciplinas para isso e o que nos ensinam antes é muito básico, Daí achar tão importante criar uma disciplina global, transversal a todos os cursos, onde se fale disto, de política, de educação cívica". Fica a sugestão.