Nos últimos meses, têm surgido notícias sobre a alegada falta de mão de obra em vários setores. Dizem os patrões que falta gente para a agricultura, para a indústria, para a hotelaria. Os três setores de atividades económicas queixam-se de que não conseguem cativar ninguém para encher as necessidades de trabalho que têm.

As notícias, porém, raramente contam que valor os patrões estão dispostos a pagar e a que condições vão estar esses trabalhadores sujeitos.

É certo que só há emprego se houver empresários — mas também é verdade que só pode haver grandes empresas com trabalhadores. Rita Marques, a secretária de Estado do Turismo, disse na semana passada que a falta de mão de obra no mercado se explica com o facto de os trabalhadores estarem a exigir “melhores condições”.

Ontem, o presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Raul Martins, disse que a realização de um estudo sobre a escassez de mão de obra no setor aponta para a falta de 15 mil trabalhadores nos hotéis.

Como solução, os hoteleiros querem ir buscar trabalhadores ao Brasil e à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), por exemplo, para colmatar a falta de trabalhadores no setor em Portugal.

Numa entrevista ao ‘Público’, publicada também esta quarta-feira, Raul Martins disse que se está a tentar "criar fluxos de importação de mão de obra com países específicos, desde logo com os que formam a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]" para colmatar a escassez de trabalhadores no setor, mas apontou constrangimentos.

E hoje, o ministro da Economia afirmou que o acordo de mobilidade com a CPLP, cuja ratificação se prepara, vai precisamente facilitar a circulação de pessoas, nomeadamente a vinda de trabalhadores que o setor do turismo diz precisar fazer.

Francisco Figueiredo, porta voz da Fesaht - Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, diz que a solução representa a "ganância do lucro".

"Em lugar de pagarem salários dignos aos trabalhadores, e respeitarem os direitos dos trabalhadores, vão buscar ao estrangeiro que é para poderem manobrar. Portanto, poder continuar a explorá-los e muitos desses estrangeiros que estavam em Portugal também foram embora no início da pandemia, pois muitos até estavam ilegais e clandestinos e o Governo não quis dar nenhum apoio a esses trabalhadores, apesar das propostas da Fesaht e sindicato", referiu Francisco Figueiredo.

Antes, a 18 de outubro, o presidente do Vila Galé afirmou também à Lusa que o grupo continua a debater-se com a falta de recursos humanos na hotelaria, construção e agricultura, estando a prever contratar 300 jovens à procura do primeiro emprego e trazer 150 trabalhadores do Brasil.

Numa altura em que vários responsáveis do setor turístico, e especificamente hoteleiro, apontam a falta de mão de obra com que se deparam no setor como um dos constrangimentos à retoma, o porta-voz da Fesaht afirma que a dificuldade se prende com as condições oferecidas e baixos salários praticados.

"A associação precisa de rever o contrato coletivo de trabalho", afirmou Francisco Figueiredo da Fesaht, aos jornalistas, num protesto esta quinta-feira junto ao local onde decorre o Congresso da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) e que visa exigir melhores salários e horários para o setor.

"Dados oficiais, e a informação que circula na comunicação social, aponta que 80% dos trabalhadores dos hotéis e demais estabelecimentos de alojamento recebem apenas o salário mínimo nacional e trabalham ao fim de semana, aos feriados. É um trabalho muito penoso para os trabalhadores e, por isso, é natural que muitos trabalhadores que foram empurrados violentamente nesse período da pandemia" não queiram agora voltar a trabalhar no setor, afirmou.

"Os patrões despediram os trabalhadores violentamente logo no início da pandemia e dizem agora que têm falta de trabalhadores. Muitos deles arranjaram outras alternativas de emprego melhor, e eles agora precisam de aliciar os trabalhadores oferecendo condições de trabalho dignas e melhores salários. Isso é que não está a acontecer", explicou Francisco Figueiredo para justificar a falta de mão de obra que o patronato refere.

Esses trabalhadores "não voltaram aos seus hotéis, não querem voltar aos hotéis, aos restaurantes, aos cafés e às pastelarias porque as condições de trabalho são violentas", referiu, acrescentando que há "instabilidade total nos horários" e falta de previsibilidade para organizar a vida pessoal e familiar.

"O que nós estamos a dizer às associações patronais e a esta em particular [AHP] é que precisamos negociar a revisão do contrato coletivo de trabalho, mantendo os direitos dos trabalhadores e oferecendo salários dignos", reforçou.

Garante o sindicalista que "nenhuma associação até hoje iniciou o processo de negociações do contrato coletivo de trabalho", mas que se isso acontecer e se "respeitarem os direitos, o horário de trabalho, não faltará trabalhadores".

"O que pretendemos é que a Associação dos Hotéis de Portugal que não cumpre o contrato coletivo de trabalho celebrado com a Fesaht em 2008 o cumpra e que o faça cumprir junto dos seus associados, porque muitos patrões não cumprem os dois dias de folga, não pagam feriados a 200%, não pagam as horas extras", realça ainda, acrescentando que "ninguém aguenta com o salário mínimo de 665 ou 670 euros".

Num país onde o salário mínimo não vai além desses 665 euros (o que se traduz em pouco mais de 590 euros a entrar de facto na conta dos trabalhadores), o aumento do custo de vida (habitação, eletricidade, alimentação, combustíveis, etc) torna tudo mais difícil. Juntar a isso longas jornadas de trabalho, chefias que pedem tudo sem reconhecer nada, trabalhos pesados e/ou repetitivos serão os primeiros a ser descartados num momento em que a oferta de empregos parece maior que o número de empregados.

Atualmente, 21 Estados-membros da União Europeia têm um salário mínimo definido por lei, enquanto nos restantes seis — Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália e Suécia — tal só existe através de negociação coletiva. Nos países onde existem, os salários mínimos mensais variam entre 332 euros na Bulgária e 2.202 euros no Luxemburgo.

A comissão de Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu exigiu hoje a garantia de um “nível mínimo de proteção salarial” em todos os Estados-membros da União Europeia, relançando o debate sobre remunerações mínimas no espaço comunitário.

Em causa está um projeto de diretiva hoje aprovado na reunião daquela comissão parlamentar que visa “salvaguardar um nível mínimo de proteção salarial em todos os Estados-membros, a fim de garantir um nível de vida decente aos trabalhadores e suas famílias”, explica a assembleia europeia em nota à imprensa.

O projeto de diretiva europeia hoje aprovado — e que ainda terá de ser aprovado pelo Parlamento Europeu em sessão plenária para depois se poderem iniciar as negociações com o Conselho sobre a forma final da legislação — estipula que os Estados-membros avaliem e informem se os salários mínimos legais aplicados (se for o caso) são suficientes, utilizando critérios para estabelecer condições de trabalho e de vida decentes e incluir elementos como o poder de compra e a taxa de pobreza.

A definição de um salário mínimo europeu justo e digno é um dos elementos da negociação do plano de ação para implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que foi acordado conjuntamente pelo Parlamento Europeu, o Conselho em nome dos Estados-membros e a Comissão Europeia em novembro de 2017.

Portugal tentou, durante a sua presidência da UE no primeiro semestre de 2021, conseguir avanços na matéria dos salários mínimos, mas enfrentou grandes divergências entre os 27.

Também o Parlamento Europeu tem solicitado repetidamente uma ação legislativa.

Em outubro de 2020, a Comissão Europeia apresentou uma proposta legislativa sobre os salários mínimos europeus, mas admitiu dificuldades nas negociações no Conselho, razão pela qual assegurou não querer impor valores aos países, mas antes indicadores para garantir uma qualidade de vida decente aos trabalhadores.

Os tratados reconhecem a competência de cada Estado-membro na fixação de salários, mas a Comissão recorreu a uma interpretação flexível que integra o salário nas condições de trabalho.

Na véspera de uma greve na função pública, perante um orçamento chumbado, sabe-se que um dos pontos que levou à divergência foi precisamente o valor do aumento do salário mínimo — o valor mais baixo que os patrões são obrigados a pagar pelo trabalho das pessoas de que precisam.

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