Ao fim de uma década a presidir a Câmara dos Comuns, John Bercow abandonou o cargo de “Speaker” (ou Presidente do Parlamento) no passado dia 31, sendo agora necessário eleger o seu sucessor.
A sua renúncia do cargo de "Speaker" deveria ter coincidido com a saída do Reino Unido da União Europeia, a 31 de outubro, mas o calendário do Brexit foi adiado para 31 de janeiro do próximo ano, num processo longo e tortuoso a que Bercow assistiu e no qual colaborou de forma ativa.
Ao todo existem sete deputados a concorrer ao cargo. Os requisitos para a candidatura são terem recebido pelo menos 12 nomeações de outros deputados, em que pelo menos três têm de vir do seu próprio partido.
O processo de votação inicia-se hoje às 14:30 na Câmara dos Comuns e cada candidato terá cinco minutos para convencer os deputados a votar em si. O processo, por voto secreto, elegerá quem tiver 50% ou mais das votações, sendo que, se este limiar não for atingido, passa-se a uma ronda seguinte, eliminando-se quem tenha obtido apenas até 5% dos votos.
Visto existirem sete candidatos com as suas próprias bases de apoio, este é um processo tendencialmente moroso que poderá estender-se pela tarde até à noite enquanto não houver um vencedor claro.
Durante este tempo, ocupa o lugar do “Speaker” o “Father of the House”, ou seja, o deputado que à data da votação tenha mais antiguidade no Parlamento. Desta vez, a responsabilidade ficará a cargo do conservador Kenneth Clarke, a desempenhar as suas funções há 49 anos.
Dos sete candidatos ao cargo, três são os atuais vice-presidentes (“Deputy Speakers”) do Parlamento Britânico: Lindsay Hoyle, deputado dos Trabalhistas no cargo desde 2010, Eleanor Laing, que alinha pelos Conservadores e subiu à vice-presidência em 2013, e Rosie Winterton, também ela trabalhista e que se juntou aos dois colegas em 2017. Os outros quatro concorrentes são os trabalhistas Chris Bryant, Harriet Harman e Meg Hillier, e, dos conservadores, Edward Leigh.
O grande favorito ao cargo, de acordo com a imprensa britânica, é Hoyle, contando com a concorrência próxima de Laing, Bryant e Harman.
O deputado trabalhista Lindsay Hoyle, eleito pelo distrito eleitoral de Chorley em 1997, já procurou distanciar-se do seu antecessor, tendo rejeitado recentemente as emendas que tornariam mais difícil ao Primeiro Ministro Boris Johnson forçar eleições gerais, que foram agora marcadas para dia 12 de dezembro depois de sucessivas tentativas falhadas. Para além disso, Hoyle disse numa entrevista ao Sunday Times estar perante um “parlamento tóxico”, sendo necessário unir os deputados e acalmar o ambiente da Câmara dos Comuns.
Contra si tem o peso institucional de Harriet Harman, a deputada com mais antiguidade do Parlamento Britânico. Parte da Câmara dos Comuns desde 1982, a trabalhista foi líder adjunta do seu partido entre 2007 e 2015 e já ocupou as pastas da Justiça e das Mulheres e da Igualdade, sendo conhecida pelo seu pendor feminista e pelo seu trabalho de justiça social.
Outro concorrente de peso é Chris Bryant. O antigo padre da Igreja Anglicana e atual deputado do Partido Trabalhista é conhecido por ser um especialista da Câmara dos Comuns, tendo escrito dois volumes sobre a história do Parlamento britânico. Nas últimas semanas, Bryant tem recebido o apoio de várias figuras de relevo dos vários partidos britânicos.
“Order!”: O legado de John Bercow
Segundo a agência Reuters, o Presidente do Parlamento tem como funções arbitrar as disputas processuais na Câmara dos Comuns, tendo também o poder de decidir que tipo de propostas dos diferentes partidos com assento podem seguir para votação. Como tal, este seria um cargo à partida pouco mediático ou suscetível de gerar reações. Porém, isso mudou com John Bercow.
Eleito a 22 de junho de 2009 pelo partido Conservador, John Bercow dirigiu a Câmara dos Comuns durante uma década, ao longo da qual atuou durante os governos de quatro primeiros-ministros: Gordon Brown (trabalhista), David Cameron (conservador), Theresa May (conservadora) e Boris Johnson (conservador).
Apesar de ter sido “Speaker” durante mais de 10 anos, foi apenas durante o Brexit que John Bercow se tornou numa "estrela" internacional, elevando a importância do seu cargo durante o processo das negociações.
Tal deveu-se a dois aspetos: por um lado, pela forma carismática como conduziu as sessões na Câmara dos Comuns, frequentemente dando “raspanetes” aos deputados e intercalando o uso de vocabulário elaborado com os afamados gritos de “Ordem!”. Por outro, pela interpretação personalizada das atribuições do seu cargo, tendo um papel mais interventivo que os seus antecessores. Tais características valeram-lhe repetidas acusações de “bullying”, assim como de favorecer a bancada parlamentar que esteve contra o Brexit, o que ele sempre negou, apesar de ter votado pela permanência do Reino Unido na União Europeia, no referendo de 2016.
A imprensa britânica tem dito, contudo, que, por causa da sua alegada imparcialidade, Bercow caiu em desgraça junto do Governo conservador, o que poderá colocar em causa a possibilidade de obter o título de “cavaleiro” do Reino, o que romperia com uma tradição de 200 anos, em que todos os presidentes do Parlamento recebem essa menção.
Contudo, a tensa relação com o seu partido vinha de trás, pois Bercow já vinha merecendo a reprovação dos conservadores antes da gestão dos debates do Brexit, especialmente por se ter oposto à possibilidade de que o presidente norte-americano, Donald Trump, discursasse no Parlamento britânico durante uma visita ao país.
Outro aspeto que distanciou Bercow dos outros “Speakers” foi a forma como optou por romper com a tradição no cargo. Tornando-se no mais jovem titular no posto, aos 46 anos, Bercow empenhou-se em modernizá-lo, abandonando alguns elementos tradicionais como a peruca, combinando a toga de seda preta com as suas famosas gravatas coloridas, e passando a permitir aos deputados que entrassem nas sessões sem gravata.
De um ponto de vista processual, o seu legado regista-se na forma como permitiu as visitas da população ao edifício do Parlamento e como equilibrou os poderes entre ministros e deputados na Câmara dos Deputados, permitindo que as perguntas feitas diretamente ao primeiro-ministro se estendessem durante quase uma hora e criando debates de emergência para discutir os grandes assuntos consoante as necessidades do parlamento e não do executivo.
Contudo, como disse à Reuters Alice Lilly, investigadora do "think tank" britânico Institute for Government, o próximo “Speaker” não só enfrentará “um conjunto único de desafios” como poderá vir a não ter a mesma preponderância de Bercow, que também foi propiciada pelo facto das eleições de 2017 terem resultado num governo minoritário, o que deu mais poder aos deputados e ao Presidente do Parlamento.
Com novas eleições gerais à porta, “teremos de esperar para ver se o novo Presidente do Parlamento vai enfrentar condições semelhantes com o Brexit e um governo minoritário. Se tivermos um governo maioritário, poderá ocorrer que os procedimentos da Câmara dos Comuns se tornem um pouco menos importantes”, explicou Lilly.
* Com agências
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