“A idade não perdoa e esses anos desgastam-nos pessoal e politicamente”, disse Ramos-Hora em entrevista à Lusa.
“É altura, sobretudo depois de o presidente Lu-Olo ter sido eleito, é urgente que Mari Alkatiri lidere um processo de transição que tem de acontecer muito rapidamente. É altura de pensar na renovação da liderança”, sublinhou.
Ramos-Horta falou com a Lusa em jeito de balanço do curto mandato do VII Governo constitucional, de que fez parte como ministro de Estado, depois de ter ele próprio regressado à militância ativa da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).
Nas eleições legislativas antecipadas de 12 de maio, a Fretilin foi a segunda força política mais votada – atrás da Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), uma coligação de três partidos, encabeçada por Xanana Gusmão (CNRT) e Taur Matan Ruak (PLP), que inclui ainda o KHUNTO.
Para Ramos-Horta, o período pós-eleições é oportuno para repensar o futuro da liderança da Fretilin, permitindo assim a Mari Alkatiri ficar “mais liberto” para eventualmente exercer outras funções no aparelho de Estado, se assim o entender o próximo Governo.
Nesse sentido, Horta disse esperar que os líderes da AMP, Xanana Gusmão e Taur Matan Ruak, “façam justiça ao seu próprio estatuto de grandes líderes”, e “convidem Mari Alkatiri para um diálogo franco, aberto, entre os três, para verem como vão ser os próximos cinco anos”.
Esse diálogo, disse, é necessário, porque os próximos cinco anos “vão ser difíceis” para a coligação de Governo “sobreviver enquanto coligação, e se [quiser] executar programas e garantir governabilidade, integridade, transparência e competência”.
“Vão precisar do contributo da Fretilin. Se fosse eu, Xanana e Taur Matan Ruak, tendo ganho, façam o que os vencedores inteligentes fazem: dialoguem com quem perdeu, mas que ainda detém uma grande força no parlamento. A Fretilin continua a ser o partido mais votado”, disse Horta.
Referindo-se à AMP, em concreto, Ramos-Horta disse que “é difícil governar com coligações desta natureza”, e que seria útil dialogar com Alkatiri para “verem qual é a melhor forma de contribuírem para assegurar estabilidade governativa e garantir tranquilidade e segurança no país”.
“Os três juntos, com a força que reúnem, podem depois fazer saneamento contra a corrupção, os abusos, os desperdícios. Porque o país não pode continuar assim, a gastar tanto dinheiro sem resultados concretos visíveis”, afirmou.
Nesse cenário, Alkatiri poderia ter um papel, replicando, por exemplo, o modelo do enclave de Oecusse-Ambeno noutras zonas do país, o que exigirá “dedicação”.
“Para ele estar livre e poder dedicar-se a tempo inteiro a esse ou outro papel, se for convidado a contribuir, não pode dirigir o partido e, ao mesmo tempo, tomar conta de grandes projetos como Oecusse ou outros”, afirmou.
José Ramos-Horta falava à Lusa antes de partir para uma visita a título individual a vários países, que arranca em Myanmar, e que o vai afastar de Timor-Leste, cerca de dois meses.
Ramos-Horta comentou ainda o seu próprio envolvimento no VII Governo – onde era ministro de Estado – e na campanha eleitoral – onde voltou a vestir, várias décadas depois, a camisola do partido que ajudou a fundar, a Fretilin.
O apoio ao partido e ao seu líder, Mari Alkatiri, traduziu uma “obrigação política, ditada pela consciência”.
“Não me teria sentido bem comigo próprio se me tivesse mantido neutral nesse combate político”, explicou o Nobel da Paz.
Apesar da curta vida do VII Governo, Ramos-Horta disse ter sido “um privilégio observar a liderança de Mari Alkatiri”, tendo o Governo, mesmo sem orçamento, conseguido pagar salários e outras despesas a horas.
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