“Afigura-se evidente que uma qualquer prisão efetiva — ainda para mais na duração determinada no acórdão recorrido — causará ou, pelo menos, acelerará o falecimento do ora arguido recorrente”, pode ler-se no recurso com 792 páginas para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), a que a Lusa teve acesso.
Os advogados do ex-banqueiro, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, lembram o diagnóstico de Doença de Alzheimer que foi atribuído e criticam a decisão do tribunal de primeira instância por aplicar “esta pena de prisão efetiva sem sequer ter ‘gasto’ ou ‘dedicado’ uma única palavra para apreciar a concreta relevância” da patologia, tornando uma “questão absolutamente essencial numa ‘não questão'”.
“O próprio acórdão recorrido fez questão de omitir e não apreciar os concretos efeitos jurídicos que daí advêm para a determinação da pena e respetiva suspensão”, refere a defesa de Salgado, sublinhando que “a mera leitura do acórdão recorrido afigura-se, no mínimo, chocante no que diz respeito à aplicação de uma pena de prisão efetiva” e que a omissão de pronúncia relativamente à doença de Alzheimer constitui uma nulidade.
Invocam também os advogados que, caso se entenda que a doença diagnosticada não esteja sustentada pela matéria de facto, “a primeira instância tinha de ter determinado a realização de perícia médica para determinar se o ora arguido recorrente tem anomalia psíquica superveniente, mas, não o fez”. Nesse sentido, apontam a violação de diversos artigos do Código do Processo Penal (CPP) e a incursão em nulidade.
Embora a defesa do ex-banqueiro defenda que este “deve ser absolvido das imputações dos três crimes de abuso de confiança que lhe foram dirigidas”, é também admitido que, no limite, seja imposta pena menor do que cinco anos e suspensa na execução a Ricardo Salgado.
“A ser aplicada uma pena única de prisão (…), esta pena única deve ser muito inferior a cinco anos, que deve ser suspensa, porquanto a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, indica o recurso, que nota ainda que se o ex-banqueiro cometeu os crimes de abuso de confiança imputados, “então será forçoso concluir que está em causa um único crime de abuso de confiança qualificado continuado”, ao qual não deve corresponder a um ano de prisão com execução suspensa.
O recurso frisa ainda que “se não fossem as causas de suspensão e interrupção de prescrição, o prazo de prescrição de 10 anos previsto (…) no Código Penal já teria decorrido” para os crimes em causa e repudia ainda “a natureza genérica das considerações” que facilitam o “copy/paste de decisão para decisão”, ao apontar um lapso no acórdão que indicava a existência de mais do que um arguido, quando Ricardo Salgado foi o único acusado no processo.
Criticando o peso dado pelo tribunal ao depoimento do inspetor tributário Paulo Silva, que classificou de “falsa testemunha”, a defesa de Ricardo Salgado destaca que “a peculiaridade de estar em causa o depoimento valorativo de um inspetor tributário em matérias que não envolvem qualquer crime fiscal reforça, ainda mais, a manifesta e total ausência de provas”.
“Todas as considerações, valorações e especulações sobre a forma de funcionamento, contabilidade e operações de sociedades que a ‘testemunha’ Paulo Silva teceu resultam da análise enviesada, distorcida e errada de documentos e de ‘ouvir dizer’ depoimentos de outras testemunhas”, referem os advogados, sustentando que o acórdão incorreu “não só em erro na apreciação da matéria de facto, mas também em erro de julgamento de direito”.
Além de apontar vícios de contradição insanável na fundamentação e que o tribunal não se mostrou convencido da existência de uma gestão centralizada no GES, a defesa contesta ainda matéria de facto relativamente aos movimentos financeiros e refere que as transferências de sete milhões de euros para a Enterprises/ESI mostram de que “quem se pretende apropriar ilegitimamente de uma qualquer quantia, não injeta fundos na esfera de onde retirou”.
Por último, os advogados de Ricardo Salgado concluem que “a justiça não tem como propósito espezinhar e atropelar a dignidade humana” e que a dignidade do ex-banqueiro “não pode sequer ser beliscada ou abalada por pressões mediáticas”.
O ex-banqueiro esteve acusado de 21 crimes no processo Operação Marquês, mas, na decisão instrutória proferida em 09 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa deixou cair quase toda a acusação que era imputada ao arguido. Ricardo Salgado acabou pronunciado por apenas três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros, para um julgamento em processo separado, cujo acórdão foi conhecido no dia 07 de março deste ano.
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