A iniciativa está a ser promovida pelo Movimento Referendo pela Habitação (MRH), que propõe duas perguntas: "Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local no sentido de a Câmara Municipal de Lisboa, no prazo de 180 dias, ordenar o cancelamento dos alojamentos locais registados em imóveis destinados a habitação?" e " Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local para que deixem de ser permitidos alojamentos locais em imóveis destinados a habitação?".

A conversão da iniciativa popular em referendo local resultou de uma deliberação aprovada há uma semana pela Assembleia Municipal de Lisboa, com votos a favor do PS, BE, PEV, PAN, Livre e dos deputados não inscritos Miguel Graça e Daniela Serralha (Cidadãos por Lisboa), contra do PSD, CDS-PP, IL, PPM, Aliança, Chega e da deputada não inscrita Margarida Penedo, e abstenção do PCP e do MPT.

Em entrevista ao SAPO24, um dos responsáveis pelo movimento, Hélio Pires, refere que tudo surgiu há dois anos de forma orgânica e que agora foi conseguido o número de assinaturas necessárias (6.550 cidadãos eleitores recenseados no município) para levar o referendo avante. Ao todo contam com 11.000 assinaturas.

Para o MRH, este referendo permite questionar os munícipes sobre o papel que o Alojamento Local está a ter na cidade de Lisboa, que pensa afetar uma grande maioria de lisboetas. "Consideramos que os alojamentos locais não podem ser abertos em casas que são destinadas à habitação. Assim como nós não podemos abrir, por exemplo, um café numa casa destinada à habitação, nós também não devemos poder abrir um empreendimento turístico numa casa destinada à habitação. Consideramos que o lógico é existir o uso social das casas e não o uso turístico ou mercantilista", refere Hélio Pires.

Antes de levarem a proposta à Assembleia Municipal reuniram várias vezes com partidos políticos e criaram uma comissão de apreciação em contacto com os órgãos que estão a verificar o referendo. Em conversas diretas com o executivo, destacam a dificuldade que tem sido conversar com o PSD que, entretanto, está a elaborar uma providência cautelar contra o referendo.

Recorde-se que a autarquia de Lisboa aprovou, na quarta-feira da semana passada, o projeto de alteração ao Regulamento Municipal do Alojamento Local, sugerindo uma redução dos rácios de contenção. O documento final foi viabilizado para ser agora submetido a um período de consulta pública, por 30 dias úteis.

"Nós consideramos que esta mudança de Regulamento Municipal do Alojamento Local foi até uma tentativa de esvaziar o referendo, a que se junta terem votado conta o próprio referendo na Assembleia Municipal", diz Hélio Pires.

Segundo o MRH, este seria o primeiro referendo por iniciativa popular na história da democracia, o que lhe dá mais força para existir.

Para fazer este movimento consultaram vários grupos de cidadãos, nomeadamente "pessoas mais idosas, que falavam que as suas ruas antigamente estavam cheias de habitantes e que agora estão cheias de turistas, e que se quiserem ajuda para irem a uma farmácia, para descer as escadas ou levar o lixo hoje em dia já não encontram, estudantes que não conseguem ter uma casa para viver, jovens que não conseguem adquirir uma casa", entre muitos outros.

Do outro lado da moeda surgem os defensores do Alojamento Local, como é o caso da ALEP (Associação do Alojamento Local em Portugal).

Eduardo Miranda, presidente da associação, refere que "este referendo, além de colocar inúmeras questões legais, mais do que isso, não resolve absolutamente nada da habitação, destrói metade da principal atividade económica a nacional que é o turismo e coloca milhares de postos de trabalho em risco". Reforça ainda que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) já regulou o Alojamento Local.

Sobre as questões específicas do referendo proposto que quer eliminar o Alojamento Local em casas para habitação, a associação esclarece que este tipo de alojamento só é possível em casas de habitação: "O PDM (Plano Diretor Municipal) de Lisboa só permite registo de Alojamento Local em casas com uso habitacional". "Se sairmos de Lisboa e pensarmos no Algarve, alguém vai passar férias num escritório ou numa loja com camas?", questiona.

Sobre a presença de Alojamento Local em zonas do centro da cidade que tira casas aos moradores, refere que as freguesias do centro histórico já tinham sido abandonadas antes de chegar o Alojamento Local. "Isto piorava a cada década, ou seja, era o reflexo de freguesias do centro em processo de degradação e abandono de boa parte das casas".

"A maior parte do Alojamento Local que está nestas zonas históricas são T0 de 30 metros quadrados, sem elevador, sem estacionamento, com mobilidade limitada. Não entram carros na maior parte das ruas, não há garagem, não há estacionamento, não há estruturas de acesso de transporte, não tem dimensão para ter uma família. Há uma série de fatores na própria zona, como a não existência de escolas, infantários, multibancos, que afasta os moradores e por isso há muitas décadas a população deixou estas zonas", diz Eduardo Miranda.

"Há outra parcela do Alojamento Local, que é menor, que são aqueles imóveis que foram grandes casas, na Baixa da cidade, que foram transformados em casas de luxo. Mas mais uma vez, isso também não é perfil para resolver nada da habitação", acrescenta.

Argumento que não serve aos criadores deste movimento. Hélio Pires sublinha que "a grande maioria dos lisboetas são da opinião de que o Alojamento Local não deve ter um espaço no centro de Lisboa neste momento, tal como já é um facto em cidades como Barcelona, que proibiu totalmente os alojamentos locais".

A esta situação junta-se a possibilidade de "destruição da economia de turismo". Segundo Eduardo Miranda, 46% das dormidas em Lisboa são feitas num Alojamento Local, defendendo que, com o fim desta forma de turismo na capital, sentir-se-ão grandes impactos na economia, que não abrangem apenas o setor do alojamento. "A maior parte dos gastos dos turistas não é feito no alojamento, é feito no comércio local, no comércio da cidade. Retirar metade da principal atividade económica da cidade mata milhares de negócios" e elimina vários empregos.

Este valor contrasta com os dados oficiais divulgados pelo INE para 2023. Ainda que o Alojamento Local tenha alcançado mais de 550 milhões de euros em proveitos totais em 2023, 159 dos quais respeitantes ao concelho de Lisboa, apenas 19% das dormidas dizem respeito a Alojamento Local. Já os hotéis estão associados a 75% das dormidas na capital.

O presidente da ALEP alerta ainda que o Alojamento Local tem sido vítima de "instrumentalização política", e isto acontece em Lisboa "porque dá muito jeito focar apenas num só problema, quando o problema da habitação é de identidade estrutural". Para Eduardo Miranda, "dá jeito focar, especialmente para alguns partidos, que estiveram no poder durante mais de oito anos, como o PS, tanto a nível municipal como nacional, e não fizeram nada pela política habitacional e deixaram chegar a este ponto em que não há oferta, parou de se construir casas, nem por privados, nem a título público. Então, centrou-se a crítica num único alvo, que é o Alojamento Local", refere. Lembra ainda que o Alojamento Local está "concentrado em seis freguesias do centro histórico, nada mais, e em particular em duas mais centrais".

Recorde-se que a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou ainda, no início de novembro, a suspensão imediata de novos registos de Alojamento Local, "por um prazo de seis meses, sem prejuízo da sua renovação por igual período, até à entrada em vigor da alteração ao Regulamento Municipal do Alojamento Local".

Esta suspensão aplica-se quando os Alojamentos Locais representam acima de 2,5% do total de habitações em cada freguesia, ou 5% no total do concelho, sendo que atualmente 7,2% do parque habitacional de Lisboa corresponde a Alojamento Local.

Para além de Lisboa como um todo ultrapassar este limiar, existem ainda 15 freguesias da cidade (de um total de 24) que ultrapassam atualmente a barreira dos 2,5%. À data do último Relatório de caracterização e monitorização do Alojamento Local, elaborado pela CML (2022), destacavam-se Santa Maria Maior (71%), Misericórdia (47%) e Santo António (27%). Já no fim da lista estão Santa Clara (0,2%), Lumiar (0,5%) e Benfica (0,5%).