Ao chegar ao Kremlin em 1985, Gorbachev tentou modernizar e democratizar a URSS com uma série de reformas, que não impediram o seu colapso em dezembro de 1991. Um trauma histórico para muitos russos.

Para Vladimir Zavkov, um reformado de 70 anos, Gorbachev não passa de "um traidor". "Ele era uma espécie de político analfabeto, que deixou um grande país desmoronar. Tudo o que ele fez de positivo foi anulado por isso", disse este moscovita à AFP.

Já Nadejda Aleksina, uma web designer, tem uma visão mais subtil, considerando Gorbachev uma figura "controversa". "Na Rússia, acho que ele foi uma figura muito importante. Graças a ele, a Rússia existe (como país). Por isso, [a sua morte] parece-me uma grande perda para muitas pessoas", comentou.

O próprio presidente russo, Vladimir Putin, foi muito contido nesta quarta-feira, limitando-se a dizer que o último líder soviético teve "uma grande influência na História mundial". Mais incisivamente, o seu porta-voz, Dimitri Peskov, acusou Gorbachev de ter nutrido uma visão "romântica" da relação entre a Rússia e o Ocidente.

A queda e o desmembramento da União Soviética continua a ser uma ferida aberta para muitos russos, especialmente os mais velhos, acostumados a viver num Estado todo-poderoso.

A década de 1990 foi marcada por uma difícil transição para a economia capitalista, confrontando-se a Rússia com uma inflação desenfreada, carestia económica e elevados níveis de crime, sob o presidente Boris Yeltsin.

O caos daqueles anos também explica a virulência de alguns russos, que consideram Gorbachev responsável pelas suas dificuldades.

Com a URSS "não éramos ricos, mas pelo menos tínhamos a segurança de ter um emprego", lamenta Tatiana Silaieva, uma reformada de 67 anos que diz ter uma opinião "muito negativa" de Gorbachev.

Além da dureza daqueles anos, o fim da URSS deixou muitos russos desacalentados, acostumados a viver no culto da superpotência soviética, rival dos Estados Unidos durante a Guerra Fria.

Gorbachev "fez um favor aos Estados Unidos ao deixar o nosso país afundar. Para nós, ele foi um completo traidor", diz Tatiana Silaieva.

Longe dessas censuras, muitos líderes estrangeiros prestaram hoje homenagem a Gorbachev, que recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1990 por ter trabalhado para um maior controlo das armas nucleares e na redução da tensão entre Moscovo e o Ocidente.

"Ele deu ao nosso país e ao mundo um presente incrível. Deu-nos 30 anos de paz. Sem a ameaça de uma guerra nuclear global. Quem é capaz de fazer algo assim?", ressalvou Dmitry Muratov, editor do jornal Novaya Gazetam num texto de tributo a Gorbachev.

O legado do ex-líder, porém, vai já longe, com a ofensiva lançada por Vladimir Putin na Ucrânia e a aceleração da repressão na Rússia.

Por isso mesmo, Svetlana Gannushkina, defensora dos direitos humanos na Rússia pós-soviética, pede para não esquecer as reformas democráticas empreendidas por Gorbachev.

"Aqueles que hoje são agressivos (com Gorbachev) são pessoas que querem retornar ao sistema soviético. Pessoas que eram escravas e querem continuar a ser escravas", disse Gannushkina à AFP. "E não querem agradecer a quem lhes deu a liberdade. Porque Gorbachev nos deu liberdade", afirma.

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