O projeto, ao qual se voluntariaram 235 escolas públicas e privadas, incluindo as escolas portuguesas em Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, decorre como experiência pedagógica no ano letivo 2017-2018, que começa entre 08 e 13 de setembro.

Apenas são abrangidos alunos dos 1º, 5º e 7º anos do ensino básico, do 10º ano do ensino secundário e do 1º ano de cursos organizados em ciclos de formação (como os cursos de formação profissional ou artística).

Na mesma escola, haverá turmas que seguem o novo modelo e outras que não. A decisão cabe às próprias escolas. O secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva, lembra que, face a modelos de aprendizagem diferentes, "é fundamental que haja equidade no tratamento de todos alunos".

Se o projeto vingar, a ideia do Ministério da Educação é estendê-lo progressivamente aos restantes ciclos de ensino e a todas as escolas.

Com ele, a tutela pretende, em respeito pela "autonomia das instituições e dos seus profissionais", promover "melhores aprendizagens, indutoras do desenvolvimento de competências de nível mais elevado", lê-se no despacho que cria o projeto de autonomia e flexibilidade curricular, publicado a 05 de julho.

Na prática, são as escolas que decidem a forma como vão ensinar os seus alunos para chegar às metas curriculares definidas, em termos nacionais, para cada disciplina e para cada ano e ciclo escolar ou de formação.

No fundo, "é fazer diferente para atingir os mesmos objetivos, um desafio para alunos, professores e famílias", disse à Lusa o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, Jorge Ascensão, para quem a flexibilidade curricular pode ser um "incentivo à aprendizagem", na medida em que pressupõe "trabalho mais criativo e em equipa", envolvendo professores de várias disciplinas.

"Os alunos gostam do que aprenderam, não esquecem e estão mais bem preparados", vaticinou, defendendo que o projeto deveria levar o Governo a pensar num novo modelo de avaliação e acesso ao ensino superior, que permitisse "certificar a montante" dos exames nacionais "os conhecimentos dos alunos", com as universidades a definirem "o perfil mais adequado" dos estudantes para os cursos lecionados.

Com a flexibilidade curricular, as escolas (a maioria é da rede pública) podem dar aulas de geografia ou história por semestres, permitir o uso de telemóveis na sala de aula para os alunos fazerem pesquisas ou ouvirem música enquanto pintam numa aula de desenho, ou dedicar tempo letivo para os estudantes investigarem um tema para um trabalho a apresentar no final do ano.

Os exemplos são dados por Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, que os vai aplicar no agrupamento que dirige, o Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, em turmas dos 5º e 7º anos do ensino básico.

"Os conteúdos serão os mesmos, são é ensinados de outra forma", frisou Filinto Lima, sustentando que "o foco passará a estar no aluno, e não no professor a debitar matéria".

Os professores e os pais dos alunos das turmas-piloto da sua escola "ficaram muito agradados", assegurou. Mas nem todos estão satisfeitos, sobretudo com o modo como o processo terá sido conduzido.

"Estamos muito apreensivos, os pais não foram tidos nem achados nesta nova gestão curricular", queixou-se à Lusa o presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), Rui Martins.

"Não houve tempo para consultar os pais, para que pudessem participar e dar opiniões", advogou.

Reagindo à CNIPE, o Ministério da Educação argumenta, numa resposta enviada à Lusa, que o projeto-piloto "foi construído ao longo de mais de um ano, tendo inclusive havido seminários organizados por federações de associações de pais com o propósito de colher contributos".

Os sindicatos de professores, por sua vez, alertam para o risco de sobrecarga de trabalho dos docentes.

"Pedimos ao Ministério da Educação para que fossem dadas condições para as pessoas trabalharem de modo diferente, mas essas condições não estão garantidas", apontou o secretário-geral da FNE, João Dias da Silva, assinalando que "os professores continuam a ter um número muito elevado de alunos por turma".

O secretário-geral da Federação Nacional dos Professores, Mário Nogueira, fala de um "tremendo desgaste" dos docentes, na sequência do "agravamento dos seus horários de trabalho", uma consequência, assevera, da "redução enorme do número" destes profissionais nas escolas.

De acordo com o dirigente, as escolas, para poderem gerir currículos, "têm de, quando for necessário, reforçar os seus recursos humanos". Mas "o Ministério da Educação apenas permite colocar professores em função do número de horas que são necessárias para dar aulas, não autoriza a contratação de professores para projetos", alegou.

"As escolas vão ter que flexibilizar o currículo, não de acordo com o que acham positivo, mas de acordo com os recursos que tiverem", considerou Mário Nogueira.

O ministério invoca que "a flexibilização está a ser trabalhada com as escolas há vários meses", às quais foram dadas "horas de crédito horário para desenvolvimento de atividades" para lá das horas de aula. As horas suplementares atribuídas para garantir projetos como a flexibilidade curricular e outros permitem às escolas, segundo a tutela, recorrerem à contratação de professores caso necessitem.

Sobre o sucesso da experiência pedagógica, Filinto Lima, diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, conclui: "Depende muito como cada escola está a conduzir o processo, vai dar mais trabalho, mas estamos preparados para isso".