O acórdão, datado de 12 de janeiro e a que a Lusa teve hoje acesso, julgou procedente o recurso apresentado pelo Ministério Público (MP), revogando o despacho da juíza de instrução criminal Ana Cláudia Nogueira, na parte em que determinou o arquivamento do procedimento criminal pelos crimes de violação de segredo.
Por decisão final instrutória, proferida em 27 de maio de 2021, foi julgado extinto o procedimento criminal, por falta de legitimidade do MP, pelos crimes de violação de segredo, que estavam imputados na acusação a 13 arguidos, incluindo Hermínio Loureiro e Isidro Figueiredo, dois antigos presidentes da Câmara de Oliveira de Azeméis, no distrito de Aveiro.
Estes arguidos foram acusados pelo MP de vários crimes de violação de segredo por alegadamente terem revelado segredos associados a procedimentos de contratação pública do município de Oliveira de Azeméis, quer para admissão de pessoal na função pública, quer para a formação de um concurso público de empreitadas de obras públicas.
A juíza de instrução entendeu, no entanto, que o referido crime tem natureza de crime semipública, pelo que, na ausência de queixa, não poderia o MP acusar tais arguidos.
Em sentido inverso, os juízes do TRP concluíram que o MP tem legitimidade para deduzir acusação contra os arguidos pelos crimes de violação de segredo em causa, “por se tratar de um crime semipúblico em que o direito de queixa não podia ser exercido por pertencer apenas ao titular do órgão que é ao mesmo tempo apontado como agente do crime”.
“Ora, como acabámos de ver, os crimes de violação de segredo imputados na acusação são semipúblicos e o início do procedimento penal depende de queixa, que teria de ser apresentada pelo presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis. Sucede, no entanto, que o titular competente para exercer o direito de queixa era o alegado agente do crime”, esclareceu o TRP, adiantando que, neste caso, a legitimidade para iniciar o procedimento devolve-se ao MP.
Para além dos crimes pelos quais estava pronunciado (13 de corrupção passiva, cinco de corrupção ativa, três de participação económica em negócio, sete de peculato, 11 de falsificação de documentos, sete de abuso de poderes, 27 de prevaricação, três de tráfico de influência e um de detenção de arma proibida), Hermínio Loureiro vai responder por mais quatro crimes de violação de segredo.
O processo “Ajuste Secreto” resultou de uma investigação que culminou em junho de 2017 com a detenção de sete pessoas, incluindo o então vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Hermínio Loureiro, que pouco tempo depois viria a suspender o mandato naquele organismo.
Mais de dois anos depois, o Ministério Público (MP) deduziu acusação contra 68 arguidos, incluindo ex-autarcas e vários dirigentes de clubes desportivos, imputando-lhes 890 crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, peculato, abuso de poderes, tráfico de influências, falsificação de documentos, violação de segredo, participação económica em negócio, prevaricação e detenção de arma proibida.
Entretanto, vários arguidos pediram a abertura de instrução e a juíza de instrução Ana Cláudia Nogueira decidiu pronunciar (levar a julgamento) 65 dos 68 arguidos, retirando, contudo, alguns dos crimes de que estavam acusados. Os restantes três arguidos do processo não foram pronunciados.
O processo está centrado na Câmara de Oliveira de Azeméis e em Hermínio Loureiro, que presidiu àquela autarquia do distrito de Aveiro entre 2009 e 2016.
A acusação sustenta que alguns dos arguidos usaram montantes de fundos de maneio daquela autarquia para pagarem os seus almoços e jantares e outros gastos pessoais, bem como as despesas com a sede concelhia de um partido político.
O MP fala ainda na “viciação de procedimentos concursais” e no “uso de influência de elementos do executivo camarário” perante a direção do Instituto do Emprego e Formação Profissional e uma instituição particular de solidariedade social para “concretizar estágio profissional” para os filhos de um simpatizante partidário.
A investigação apurou ainda que, entre 2010 e 2015, a Câmara de Oliveira de Azeméis celebrou “sucessivos” contratos por ajuste direto de prestação de serviços “sempre a favor do mesmo beneficiário, que usava para o efeito empresas diversas para formalmente encobrir a violação das regras de contratação pública”.
O MP detetou igualmente indícios do favorecimento de um empresário pelas câmaras de Estarreja, Matosinhos e Gondomar, nos procedimentos de contratação pública de 2016 e 2017, tendo apurado também que a Câmara de Albergaria-a-Velha realizou uma obra particular, em benefício de um munícipe, com os custos “diluídos em empreitada de obras públicas cujo procedimento corria paralelamente”.
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